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Um dos jatinhos fabricados pela Embraer.
Um dos jatinhos fabricados pela Embraer.| Foto: Divulgação/Embraer

Jair Bolsonaro está com a cabeça em 2022. Mas, na tentativa de minar a candidatura de possíveis adversários, como João Doria (PSDB) e Luciano Huck, o presidente tem olhado para trás. Um dos argumentos para deslegitimar os dois aspirantes à Presidência é de que ambos compraram jatinhos com benefícios do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ainda nos governos petistas.

No início de agosto, o próprio BNDES divulgou uma lista com os contratos firmados para a compra de jatinhos da Embraer. Foram 134 financiamentos do tipo entre 2009 e 2014, com condições bem mais favoráveis do que as do mercado. Os juros eram tão baixos que até banqueiros da família Moreira Salles, do Itaú-Unibanco, usufruíram da linha de crédito.

O fato, porém, é que nem Doria, nem Huck, nem os demais participantes de contratos celebrados pelo BNDES para a compra de jatinhos estavam cometendo irregularidades. E mais: os compradores estavam participando de uma das estratégias da equipe econômica dos governos do PT para alavancar os investimentos na economia.

Programa foi aprovado pelo Congresso – e pelo deputado Bolsonaro

A estratégia em questão tinha nome: Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Criado por meio de uma Medida Provisória (MP) em 2009, ainda na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o programa passou pela aprovação no Congresso Nacional – e teve o voto favorável do então deputado Jair Bolsonaro. Anos depois, em dezembro de 2015, já no governo de Dilma Rousseff (PT), o PSI foi encerrado.

O objetivo da política era estimular a produção, a compra e a exportação de bens de capital na economia brasileira. A estratégia era oferecer crédito a juros mais baixos, primeiro somente com a participação do BNDES. A partir de 2011, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) também passou a participar do programa.

As linhas de crédito eram financiadas pelo Tesouro, já que os dois órgãos que participavam do PSI são públicos. No caso dos jatos, segundo as informações divulgadas pelo BNDES, os juros para os financiamentos variavam entre 2,5% e 8,7% (mais o valor da Taxa de Juros de Longo Prazo, a TJLP) ao ano, dependendo do período em que os contratos foram firmados. No mesmo período, a taxa básica de juros variou entre 11,75% e 12,75%.

Por conta do incentivo, entre 2009 e 2014, R$ 1,9 bilhão foram emprestados pelo banco em financiamentos do tipo, com um pico em 2013. Naquele ano, R$ 836 milhões foram destinados para esse fim.

Setores incentivados são questionados

Professor de Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da Universidade Cândido Mendes, Pedro Camacho Salvador aponta que o financiamento dos jatinhos representa apenas uma pequena parcela do que foi emprestado pelo banco a juros subsidiados.

"Por mais que a gente entenda que o volume de aeronaves é relevante, o PSI teve crédito de quase R$ 57 bilhões. Muita coisa está sendo negligenciada", afirma.

Segundo ele, o que é passível de questionamento é o incentivo a esse e outros setores específicos da economia. "Quase metade dos investimentos do BNDES era feita de forma discricionária, o que abre a possibilidade para a escolha de um mercado de crédito que não faz tanto sentido para o Brasil. Por que o setor de aviação, por exemplo, era tão importante para o país?", questiona.

Investimentos não se mantiveram

Para além da escolha dos setores beneficiados, outro questionamento diz respeito à eficácia desse tipo de estratégia no estímulo à economia. Mesmo que tenha beneficiado outros segmentos da indústria – financiando, por exemplo, a compra de ônibus, caminhões, máquinas e equipamentos –, o PSI não teve efeitos significativos na manutenção dos investimentos no país.

Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado em 2018, corrobora essa tese. A pesquisa apontou que o programa não teve impacto relevante nos investimentos, mesmo com aumento significativo dos desembolsos do BNDES. Na comparação com outros países, como Colômbia e Turquia, o Brasil foi na contramão e apresentou forte queda nos investimentos a partir de 2013, ainda durante a vigência do programa.

Uma das hipóteses levantadas na pesquisa do Ipea é de que a queda tenha sido ocasionada, justamente, por conta do PSI, que "teria gerado uma antecipação de investimento nas empresas com acesso ao programa".

Substituição do crédito

Em estudo próprio, Pedro Salvador chegou a conclusões semelhantes. Segundo o professor, nesse período o BNDES pouco atuou como estímulo para novos investimentos, já que os empresários apenas substituíam os financiadores privados pelas linhas de crédito mais baratas do banco público.

"O meu cálculo é de que, ao longo de toda a história do BNDES, a partir dos anos 2000, o impacto no Tesouro foi de mais ou menos R$ 45 bilhões por ano em crédito subsidiado. Isso dá praticamente um Bolsa Família e meio e tem um impacto muito menos expressivo em termos de avanço de investimento – além de aumentar a desigualdade de renda, já que o crédito é destinado para a parcela mais rica da população", afirma Salvador.

A devolução dos recursos utilizados pelo BNDES para o Tesouro tem sido feita de forma mais rápida a partir do governo de Michel Temer (MDB). Inicialmente, a previsão era de que o dinheiro voltasse para a União até 2060. Depois, o prazo foi revisto para 2040.

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