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O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, após reunião
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, após reunião. Foto: Valter Campanato / Agência Brasil| Foto: Agência Brasil

“Em hipótese nenhuma”. A frase é do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) sobre a possibilidade de aprovação das alterações no benefício assistencial pago a idosos de baixa renda (BPC) e na aposentadoria rural que constam da proposta de emenda à Constituição (PEC) 6/2019 - a reforma da Previdência de Jair Bolsonaro. A afirmação de Maia denota a atenção com que os dois benefícios devem ser tratados na Câmara.

No dia 26 de março, líderes que representam a maioria dos deputados decidiram por mudanças na proposta da reforma da Previdência. Em consulta às bancadas, que somam 278 deputados, lideranças se posicionaram contrárias às alterações nas regras dos dois benefícios.

Tanto o BPC quanto a aposentadoria rural por idade pagam um salário mínimo por mês aos seus beneficiários. A percepção dos parlamentares é de que ambos os benefícios são destinados a pessoas que, em sua maioria, são pobres. E que dificultar o acesso a eles contraria o discurso oficial de que a reforma combate privilégios e exige mais dos que ganham mais.

Nesta terça-feira (9), o relator da reforma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Marcelo Freitas (PSL-MG) apresenta relatório sobre a constitucionalidade da PEC. Ele vai manter na íntegra o texto enviado pelo governo federal, e deixar a discussão sobre BPC e aposentadoria rural para a comissão especial - o passo seguinte da PEC após a passagem pela CCJ. Na semana passada, Freitas afirmou que a proposta será aprovada “com certeza” na CCJ. A votação deve ocorrer no dia 17.

Mudanças devem ser avaliadas com cuidado, diz especialista

Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, Luís Eduardo Afonso entende que o espírito da PEC apresentada pelo governo, salvo alguns pontos, é consistente, focado em endurecer as regras para quem tem mais privilégios e torná-las mais iguais para todos.

“As duas medidas que estavam um pouco em desacordo com isso eram as mudanças do BPC e da aposentadoria rural. Ainda dependendo de uma análise um pouco mais precisa sobre os efeitos tanto do rural e principalmente do BPC, me parece que seria defensável alterar tanto um quanto outro”, pondera.

O BPC é um programa assistencial que paga um salário mínimo mensal a pessoas com deficiência de qualquer idade e idosos com 65 anos ou mais de famílias com renda familiar per capita de até 25% do salário mínimo. Pelo texto da PEC, as regras não mudam para as pessoas com deficiência, nem para os idosos que já são beneficiários do programa. A mudança proposta é apenas para novos beneficiários idosos: pessoas de 60 a 69 anos passam a receber R$ 400 por mês. De 70 anos em diante, o benefício será de um salário mínimo.

"É importante que se faça uma avaliação prévia de política pública", sustenta Afonso em relação ao BPC. "[A proposta do governo] está aumentando a idade para o recebimento do benefício cheio, mas está antecipando em cinco anos para receber os R$ 400 que a pessoa tem direito. É preciso [que se faça] essa avaliação prévia para saber se, para as pessoas que são elegíveis ao BPC, isso vai significar de fato uma variação na renda seja para mais ou para menos", diz.

O professor da USP defende a necessidade de uma avaliação cuidadosa para entender se a medida vai aumentar a pobreza e a desigualdade social ou se, a partir das novas regras, o grupo atendido pelo benefício não passará por perda de renda. E propõe que a análise não se sustente apenas pelo ponto de vista do gasto público, fundamento da PEC, mas principalmente pela possibilidade de redução da pobreza e pela melhor distribuição de renda no grupo de indivíduos atendidos pelo benefício.

“Toda reforma da Previdência tem implícita a possibilidade de que vai ser negociada, que não vai ser aprovada do jeito que foi colocada”, pondera Afonso.  “Onde o governo pode ceder? Nesses dois pontos [BPC e aposentadoria rural]. Onde o governo não deve ceder? Em toda a mudança para o funcionário público”, explica.

Congresso usa BPC e rural para testar o governo

No último dia 2, o ministro da Economia, Paulo Guedes, que assumiu a articulação da reforma, e o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, se reuniram com 13 deputados do PSD. A sigla é parte das 13 legendas que assinaram documento a favor da reforma, mas são contrárias à desconstitucionalização das regras previdenciárias e às mudanças tanto na aposentadoria rural quanto no BPC.

Para Afonso, dada a fragilidade na articulação política demonstrada pelo governo Bolsonaro, deputados podem se posicionar desse modo até como uma maneira de testar o Executivo e tomar a frente do processo. E vê no desentendimento entre Rodrigo Maia e Bolsonaro, ocorrido há algumas semanas, uma maneira de o presidente da Câmara mostrar não apenas que sabe qual jogo está sendo jogado, como também dizer quais cartas devem ser postas à mesa.

“Acho que o fato de o Rodrigo Maia algumas vezes já ter direcionado o que deveria ser feito, até com aquele bate-boca com o Bolsonaro, é um indicador claro disso”, constata. “Quando está colocando as coisas desse jeito, o Maia está mostrando que sabe as regras do jogo. E o poder Executivo mais uma vez demonstrou uma falta de habilidade gigantesca. Então, o Congresso sente essa fraqueza do governo e está se colocando à frente do processo”.

Como funciona a aposentadoria rural e o que propõe a reforma

Hoje, as regras para os trabalhadores rurais estabelecem aposentadoria aos 55 anos para as mulheres e 60 anos para os homens. Para agricultores em regime de economia popular, conhecidos como segurados especiais, a contribuição à previdência equivale a 1,2% da comercialização da produção da família, quando ela comercializa o que produz. Mas a comprovação de 15 anos de atividade no campo hoje é suficiente para se aposentar.

Já empregados e contribuintes individuais do campo seguem as regras gerais de contribuição do INSS e precisam comprovar 15 anos de contribuição para obterem o benefício.

O valor da aposentadoria para o trabalhador do campo é de um salário mínimo para os segurados especiais; para os empregados e contribuintes individuais, o cálculo segue as regras gerais do INSS.

Com as novas regras, se a proposta do governo for aprovada, a aposentadoria por idade se estabelece aos 60 anos para homens e mulheres, com 20 anos de contribuição. Uma lei complementar vai definir a alíquota de contribuição dos segurados especiais. Enquanto não entrar em vigor, a contribuição será de pelo menos R$ 600 por ano. Já os empregados e contribuintes especiais vão seguir as novas regras gerais de contribuição do INSS.

O valor da aposentadoria será de um salário mínimo para agricultores familiares, enquanto para empregados e contribuintes individuais, o benefício será equivalente a 60% da média dos salários de contribuição mais 2% para cada ano que exceder os 20 anos de contribuição.

Como funciona o BPC e o que propõe a reforma

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um programa que paga um salário mínimo mensal a pessoas com deficiência, independentemente da idade, e idosos com 65 anos ou mais de famílias com renda familiar per capita de até 25% do salário mínimo.

As regras propostas pelo governo Bolsonaro não alteram o estabelecido para pessoas com deficiência. Elas continuarão recebendo um salário mínimo por mês, seja qual for a idade. As regras para os idosos que já são beneficiários do BPC também não mudam.

A alteração se dará para novos beneficiários idosos. Mudam os valores e idades de acesso. Pessoas de 60 a 69 anos passam a receber R$ 400 por mês, em vez de um salário mínimo, hoje em R$ 998. Apenas de 70 anos em diante é que o beneficiário passa a receber um salário mínimo. Para ter direito ao benefício, a pessoa terá de comprovar renda familiar per capta inferior a 25% do salário mínimo, mais patrimônio abaixo dos R$ 98 mil.

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