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Manifestantes protestam na Assembleia Legislativa (Alerj), centro da capital fluminense, contra o pacote de corte de gastos do governo do estado.
O Rio de Janeiro é um dos estados com situação fiscal mais grave e na questão da Previdência isso não é diferente. No registro, servidores protestavam contra pacote de corte de gastos do governo em 2016.| Foto: Tomaz Silva/Arquivo/Agência Brasil

Enquanto governadores e deputados não chegam a um consenso sobre a participação dos estados na reforma da Previdência, que estabeleceria novas regras para todos os servidores (incluindo estaduais e municipais), uma análise mais aprofundada sobre a situação das contas previdenciárias nos entes federativos mostra que não há muita escapatória para eles. A situação é problemática na maior parte dos estados, e alguns já enfrentam agora problemas graves. A verdade é que todos eles possuem déficit atuarial, o que indica que não vai ter dinheiro para cobrir todos os gastos projetados com aposentadoria e pensão.

O novo alerta vem de um estudo especial publicado em junho pela Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal. Em A situação das previdências estaduais, o analista da IFI e consultor legislativo Josué Pellegrini mostra como as despesas com Previdência estão no centro das frágeis contas públicas dos estados. A situação, que já veio se agravando com o passar dos anos, tende a piorar se não houver nenhuma mudança.

Segundo Pellegrini, embora todos os estados tenham déficit no sistema de aposentadoria de seus servidores, a situação das contas públicas no que diz respeito à Previdência é melhor nas unidades da federação mais novas – como Tocantins, Amapá, Rondônia e Roraima. O quadro é mais grave e exige mais atenção em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.

É possível apontar algumas razões para esse desequilíbrio, que vão desde o número de servidores ativos em relação aos inativos até o valor dos benefícios pagos para aposentados e pensionistas.

“Sem uma solução rápida e efetiva, os déficits previdenciários continuarão a absorver parcela crescente das receitas estaduais, prejudicando a oferta de serviços adequados à população, principalmente no que tange às principais atribuições constitucionais dos estados: saúde, educação e segurança”, observa Pellegrini. E isso já vem acontecendo, tendo em vista que grande parte dos estados está próximo ou já extrapolou o limite de despesa com pessoa estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Se estados não pagam as aposentadorias, União tem de socorrê-los

Hoje, as regras de aposentadoria do funcionalismo público são basicamente as mesmas para a União, estados e municípios. A diferença é que estados podem fixar as alíquotas de contribuição no valor que desejarem, desde que não seja inferior ao porcentuais cobrados de servidores federais, que atualmente é de 11%.

Quando os estados não conseguem cumprir com suas obrigações em pagar o funcionalismo, parte dessas despesas acaba sendo coberta com aportes do Tesouro Nacional – e a União também sofre com suas penúrias.

“Dada a frágil situação atual das contas previdenciárias dos estados e a provável deterioração futura dessas contas, a aprovação da PEC 6/2019 [a reforma da Previdência], com a pronta aplicação de seu conteúdo aos estados, é o que de mais eficaz se poderia fazer para evitar o agravamento do desequilíbrio fiscal dos estados e o comprometimento do alcance de suas atribuições constitucionais”, defende.

Entenda em quatro pontos por que a situação das contas previdenciárias dos estados é tão preocupante:

1. No vermelho: os déficits e o excesso de despesas com pessoal

Todos os estados apresentam déficits atuariais, que tem a ver com a projeção futura dos gastos com previdência. E quase todos têm déficits financeiros. E, se hoje já não há dinheiro para cobrir os gastos com aposentadorias e pensões, as contribuições atuais também não serão suficientes no futuro, caso as regras não sejam alteradas.

Pellegrini pondera que, a depender da medida usada, há variação no tamanho do déficit previdenciário. O analista usou as informações do Anuário Estatístico da Previdência Social – Suplemento Previdência do Servidor Público, que avalia os dados de 2017.

Nessa análise, quatro estados estão com superávit ou perto do equilíbrio: Roraima, Amapá, Tocantins e Rondônia. Há explicações para esse desempenho. Amapá, Roraima e Tocantins só se tornaram estados em 1988. “A situação de regimes previdenciários mais recentes tende a ser mais favorável, pois compostos por segurados mais jovens e maior participação de ativos em relação a inativos”, explica. Além disso, no Amapá, Roraima e Rondônia, alguns servidores puderam optar em ser pagos pela União.

Formam um grupo com déficits intermediários, entre 5% e 15% da receita corrente líquida (RCL), a maior parte dos estados: Amazonas, Acre, Mato Grosso, Maranhão, Ceará, Bahia, Goiás, Pernambuco, Paraná, São Paulo, Paraíba, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Alagoas e Sergipe. O Distrito Federal e o Piauí não foram enquadrados em nenhuma faixa porque seus resultados variam muito de acordo com a medida usada.

A situação é mais complexa nos estados que têm déficit mais elevado: Santa Catarina, Rio Grande do Norte e, em situação fiscal mais delicada, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Pellegrini alerta que no Rio Grande do Sul, o déficit está próximo de 30% da receita corrente líquida em qualquer uma das medidas e em Minhas Gerais, em uma delas. No Rio de Janeiro, o rombo é de mais de 20% em qualquer medida.

“Isso significa que cerca de 1/4 a 1/3 de toda a receita disponível está sendo utilizada para cobrir as despesas da previdência dos servidores, não podendo, portanto, ser destinada a investimentos públicos e a áreas como saúde, educação e segurança ou mesmo para conter a expansão do endividamento”, avalia.

Entre esses três piores estados ainda há uma diferença: mineiros e gaúchos tem uma arrecadação muito baixa. Já os fluminenses, embora sejam os recordistas de despesas, também apresentam arrecadação recorde entre os estados.

2. Razões para o déficit: o balanço dos servidores

Há vários motivos para o desequilíbrio nas contas previdenciárias dos estados, mas uma parte da explicação é simples: a relação entre o número de servidores na ativa e os inativos (aposentados e pensionistas), que é chamado de razão de dependência. Assim como ocorre no INSS, os servidores da ativa contribuem e os inativos recebem os benefícios. Os servidores que estão na inativa até contribuem, mas só se receberem acima do teto do INSS, que atualmente é de R$ 5,8 mil.

Pellegrini dá um exemplo de como funcionaria essa razão de dependência. Se os servidores inativos recebem benefícios equivalentes a 88% da remuneração da atividade e não contribuem, e os servidores da ativa contribuem com uma alíquota de 11%, são necessários oito servidores na ativa para financiar um inativo. A relação cai se considerarmos contribuições de igual percentual entre os entes – poderia ser de oito para quatro. Mas, considerado todos os estados, a relação entre servidores ativos e inativos em 2017 era de 1,13, quando havia 2,45 milhões de servidores na ativa, 1,67 milhão de aposentados e 504 mil pensionistas.

Para entender como essa razão de dependência se formou , Pellegrini esmiuçou dados de anos anteriores, mais especificamente de 2006 a 2015, que foram publicados na Carta de Conjuntura 34 do Ipea.

O déficit previdenciário cresceu significativamente entre 2009 e 2015, depois de ter encolhido entre 2007 e 2008. Isso aconteceu porque, entre 2006 e 2015, o número de servidores estaduais inativos aumentou 37,9%, enquanto o número de ativos caiu 3,4%. Além disso, o benefício dos aposentados e pensionistas subiu 32,7% no período, um reflexo do reajuste de 50,8% na remuneração médias dos servidores na ativa.

Nesse período analisado, das 27 unidades da federação, 13 aumentaram o número de servidores e os outros 14 tiveram redução. Em relação aos inativos, todos os estados tiveram aumentos significativos, sendo que em 16 deles o crescimento foi superior a 40%.

Essa relação deve continuar aumentado, já que em 2015, a média de idade dos servidores estaduais era de 45 anos e quase um terço já tinha passado dos 50 anos. Em 2017, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul já tinham mais servidores aposentados do que na ativa.

Outro fator que causa essa disparidade é a relação entre alíquota de contribuição e benefício recebido na inatividade. Funcionários que ingressaram no serviço público até 2003 têm direito a paridade e integralidade, ou seja, recebem na aposentadoria remuneração equivalente ao último salário que receberam na ativa e têm direito aos mesmos reajustes dos servidores da ativa.

Essas regras só foram alteradas com a reforma da Previdência de 2003, que endureceu a concessão de aposentadoria para o funcionalismo. “As alíquotas das contribuições, por sua vez, não foram calibradas de modo a cobrir os compromissos previdenciários. Na verdade, dado o tamanho e dinâmica desses compromissos, os percentuais requeridos teriam que corresponder à parcela elevada da remuneração ou benefício, o que torna difícil o ajuste apenas pelo lado da receita”, explica.

3. Regras especiais de aposentadoria pressionam as contas

Algumas categorias possuem regras específicas para a aposentadoria, como é o caso de professores da educação básica, policiais militares e bombeiros. E grande parte dos servidores públicos estaduais pertencem a essas categorias, o que significa que se aposentam mais cedo.

No caso dos professores, o pedido de aposentadoria pode ser feito com 25 anos de contribuição e 50 anos de idade para mulheres. Já os homens precisam contribuir por 30 anos e podem parar de trabalhar aos 55 anos. Para os policiais, a aposentadoria pode ser concedida após 25 anos (mulheres) e 30 anos (homens) de contribuição, com ao menos 15 e 20 anos de exercício do cargo, respectivamente. Não existe idade mínima.

O analista lembra que, no mesmo estudo publicado na Carta de Conjuntura 34 do Ipea, em 2013, na média dos estados, 49,5% dos servidores que estavam trabalhando se enquadravam em categorias cujas regras para aposentadoria são mais favoráveis, sendo a maior parte professores.

Outro estudo mais recente do Ipea, sobre os militares estaduais (policiais e bombeiros), mostrou que eles se aposentam com idade média de 49,9 anos, enquanto a média dos servidores homens é de 58,7 anos. Nesse caso, o problema é que a remuneração média dos militares aposentados é até 50% superior ao dos ativos. Em contrapartida, os servidores civis na inatividade recebiam cerca de 90% da remuneração de um funcionário da ativa.

4. Repartição e previdência complementar

Os estados também enfrentam problemas com a transição entre regimes de previdência, da repartição para a complementar. Desde 2012, 16 estados optaram por criar previdências complementares, embora a metade ainda não as tenha implementado. A reforma da Previdência pretende tornar essa implementação obrigatória.

A adoção do regime de capitalização para novos servidores, no longo prazo, resolveria o problema das elevadas despesas com previdência porque limitaria os benefícios ao teto do INSS e o valor extra viria de uma previdência complementar. Pellegrini alerta que, nesse caso, os problemas são semelhantes a segregação de massas, utilizada por vários estados (quando há uma divisão em grupo de servidores ativos e inativos, geralmente levando em conta o tempo de serviço público).

O problema se concentra durante o período de transição, quando se perdem as contribuições dos novos servidores e há aumento de despesas porque os estados precisam colaborar com a parcela que vai para a previdência complementar. É nessa fase que o regime de repartição “perde importância” e os desafios são maiores para a gestão das contas.

“A impossibilidade de usar as contribuições de parte dos servidores ativos para pagar benefícios e o maior desembolso com as contribuições do próprio ente se somam ao já comentado baixo número de ativos em relação ao número de inativos para pressionar o déficit da previdência estadual”, diz Josué Pellegrini.

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