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O governo busca, com a reforma da Previdência, reduzir os benefícios previdenciários que são concedidos através de ordem judicial. A equipe econômica inseriu na proposta um artigo que proíbe a Justiça de conceder ou aumentar benefício previdenciário sem indicar fonte de custeio, e outros dois artigos que dizem que é de competência da Justiça Federal julgar causas previdenciárias, e não da Justiça Estadual.

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Segundo dados do INSS, há 4 milhões de benefícios previdenciários pagos atualmente que foram concedidos por decisão judicial. Eles custam aos cofres públicos R$ 5,4 bilhões por mês. São benefícios como aposentaria rural e urbana, pensão por morte e Benefício de Prestação Continuada (BPC), todos dentro do chamado rol de benefícios previdenciários.

Um benefício previdenciário é concedido judicialmente após uma pessoa entrar com uma ação na Justiça requerendo o direito. Normalmente, essa pessoa buscou o benefício no INSS mas teve a solicitação negada porque, na visão do instituto, não tinha direito a ele. Então, ela entra com uma ação e o juiz pode ou não dar ganho de causa.

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Os artigos da reforma que tentam limitar benefícios judiciais

  1. Fonte de custeio

Para tentar diminuir esse volume de pagamentos, a reforma da Previdência traz o seguinte artigo (195, parágrafo quinto): “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido por ato administrativo, lei ou decisão judicial, sem a correspondente fonte de custeio total”.

O advogado especialista em direito previdenciário Caio Taniguchi Marques, sócio do Bichara Advogados, afirma que há duas interpretações para esse artigo. A primeira é que só será possível a Justiça ou uma lei conceder ou estender o benefício previdenciário se previamente houve o custeio. Ou seja, se há previamente um dinheiro separado para pagar aquele benefício previdenciário a ser concedido judicialmente.

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Outra leitura é a de criar uma obrigação adicional à Justiça ou ao legislador de indicar uma fonte de custeio ao conceder, aumentar ou estender um benefício previdenciário. Ou seja, a Justiça vai ter de indicar de onde sairá o dinheiro que vai bancar o benefício. No caso de um trabalhador da inciativa privada que entra com um pedido de aposentadoria especial, a Justiça poderá indicar – por exemplo – que a própria empresa empregadora terá de bancar a conta, e aí caberá à Receita Federal cobrar.

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Taniguchi Marques diz que a primeira leitura, de custeio prévio, pode ser considerada inconstitucional, já que fere uma cláusula pétrea da separação entre os Poderes. Por isso, crê o advogado, deve prevalecer a segunda leitura sobre o artigo.

  • 2. Competência da Justiça Federal

Outros dois artigos incluídos na reforma da Previdência que buscam dificultar a concessão de benefício judiciais são os artigos 43 e 44, que estabelecem que é de competência da Justiça Federal julgar casos previdenciários e acidentários. Atualmente, quando a vara federal mais próxima está a mais de 100 quilômetros de distância, o trabalhador pode entrar com uma ação na Justiça Estadual.

A avaliação do governo é que há muitos juízes estaduais que não têm experiência em matéria previdenciária e, por isso, acabam sendo induzidos ao erro e concedendo benefícios previdenciários que não deveriam, privilegiando fraudadores. Por isso, o desejo do governo é centralizar a decisão nas mãos dos juízes federais.

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Os artigos, porém, trazem um período de transição e dizem que ações previdenciárias ajuizadas até a data de promulgação da PEC da reforma da Previdência poderão continuar na Justiça Estadual até que lei posterior transfira os casos para Justiça Federal.

E que, em caso do beneficiário ser de um município sem comarca federal, poderá ser ajuizada e julgada ação na Justiça Estadual mesmo após a promulgação da PEC, até que lei complementar seja publicada trazendo a nova regra.

Parlamentares podem tentar barrar as medidas

As medidas para diminuir os benefícios previdenciários concedidos judicialmente podem ser barradas no Congresso. Durante a tramitação da reforma na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), um grupo de parlamentares de centro cogitou exigir do governo a retirada do artigo que obriga a indicação de fonte de custeio.

Agora, na comissão especial, que discute o conteúdo da reforma, os deputados podem acrescentar, retirar ou mudar trechos da PEC. Na reforma da Previdência do governo Temer, caiu na comissão especial um artigo similar aos atuais 43 e 44, que estabelecem a competência exclusiva da Justiça Federal para julgar os casos.

O sócio do Bichara Advogados Caio Taniguchi Marques afirma que o artigo 195 precisa, necessariamente, ser modificado para deixar mais claro qual a sua diretriz, pois há dupla interpretação. E que caso prevaleça a interpretação que que a Justiça só deverá indicar fonte de custeio, que se dê direito ao contraditório. Sobre os artigos 43 e 44, o advogado diz que cabe aos parlamentares julgar se eles são adequados ou não.

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Especialista diz que é preciso atacar a causa

Taniguchi Marques ressalta, porém, que para se tentar diminuir de fato o contencioso judicial, ou seja, os benefícios previdenciários concedidos por ordem judicial, é preciso olhar para causa, e não para o efeito. “Eu particularmente vejo que eles [o governo] estão tentando resolver o efeito, e não a causa. E tentar resolver no fim da história pode não trazer o resultado esperado”, diz Taniguchi.

O especialista explica que dois principais motivos levaram ao aumento de ações judiciais previdenciárias no passado recente. A primeira seriam os pentes-finos do INSS e a segunda a própria crise econômica. E que o governo deveria, na sua visão, atacar essas causas para diminuir o número de processos judiciais.

“A gente viu um grande aumento de litigo após algumas medidas tomadas pelo governo que não são incorretas, como pente-fino no INSS. Muitos benefícios foram cortados devidamente, mas muitos que não deveriam foram, seja para atingir uma expectativa do governo em relação a redução de custo ou por erro técnico na perícia do INSS. E a crise econômica também acelera a busca pelo benefício”, explica Taniguchi. “Por isso, para tentar diminuir o contencioso eu preciso olhar para a causa. É crise? É fraude? E tomar ações conjuntas”, completa.