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Ministra do STF Rosa Weber
Voto de Rosa Weber é considerado decisivo no julgamento sobre a constitucionalidade da prisão em segunda instância| Foto: Fellipe Sampaio/ STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) abre nesta quinta-feira (24), às 14 horas, o terceiro dia de julgamento sobre a validade da prisão em segunda instância. A análise na Corte será retomada com o voto da ministra Rosa Weber, que pode definir o resultado. A sessão desta quarta-feira (23) foi encerrada com um placar de 3 a 1 a favor do cumprimento antecipado da pena após condenação em segundo grau da Justiça.

Atualmente, o STF entende que é possível prender condenados em segunda instância. A tendência, porém, é que o julgamento termine com uma alteração desse entendimento. Com as posições dos ministros sobre o tema conhecidas em outros julgamentos, provavelmente caberá ao presidente do Supremo, Dias Toffoli, o desempate. Ele tem votado contra a prisão em segunda instância desde 2016.

O voto de Rosa é a grande dúvida no julgamento. Em 2016, a ministra foi contra a prisão em segunda instância, mas dois anos depois votou a favor. No julgamento do ano passado, porém, a ministra deixou claro que votava a favor da prisão apenas porque estava sendo discutido um caso específico – um habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – e não o mérito da questão.

A ministra deve dar o voto decisivo para formar o placar, tanto pela possibilidade de prisão em segunda instância quanto pela proibição. O relator do caso, ministro Marco Aurélio, que já chegou a prever um placar de 7 a 4 contra a prisão antecipada, disse nesta quarta-feira (23) que prevê um placar de 6 a 5 para sua tese – ele conta com o apoio de Rosa.

O que está em pauta

Os ministros analisam três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que pediam que o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) fosse declarado constitucional. O texto em análise diz que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

A questão de fundo é a validade das prisões para cumprimento de pena após condenação em segunda instância. Esta foi a sexta vez em dez anos que o Supremo se debruçou sobre o tema.

As ADCs foram propostas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelos partidos PCdoB e Patriota. Com exceção dos advogados do Patriota, todos os demais advogados das ADCs e de instituições que pediram para se manifestar no processo foram contra a prisão em segunda instância.

Esta também era a posição do Patriota, que se chamava PEN, quando impetrou a ação. Durante a pré-campanha presidencial, no entanto, quando negociava a filiação de Jair Bolsonaro para concorrer à Presidência pela legenda, o partido aceitou desistir da ADC. Como não é possível desistir deste tipo de ação, o partido passou a defender a prisão em segunda instância. Bolsonaro acabou se filiando ao PSL para concorrer à Presidência. “Nessa mudança de ares, abandonando-se os contornos republicanos, talvez abandonando-se até os contornos democráticos”, criticou o ministro Marco Aurélio ao votar contra a prisão em segunda instância.

Como foi o 2º round do julgamento: voto do relator

O relator das ADCs, ministro Marco Aurélio, votou contra a prisão em segunda instância. Para Marco Aurélio, “a literalidade do preceito” exposto no inciso LVII do artigo 5º da Constituição “não deixa margem a dúvidas”. Segundo ele, a Constituição “não abre campo a controvérsias semânticas” nesse ponto.

O inciso LVII do artigo 5º da Constituição prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Marco Aurélio também fez questão de repetir “a exaustão” que a exigência do trânsito em julgado para prender é cláusula pétrea. “Nem mesmo o poder constituinte derivado [o Congresso] está autorizado a restringir”, disse o relator.

Há uma proposta de emenda à Constituição (PEC) em tramitação na Câmara dos Deputados para prever a prisão em segunda instância na Constituição. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Felipe Francischini (PSL-PR) pautou o tema no colegiado em resposta ao agendamento do julgamento no STF.

“Uma PEC esbarraria no artigo 60 da Constituição Federal”, afirmou Marco Aurélio. O artigo mencionado por ele determina, no parágrafo 4º, que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais”.

Para Marco Aurélio, a decisão vai trazer segurança jurídica. “Urge restabelecer a segurança jurídica”, disse. “Dias melhores pressupõem a observância irrestrita da ordem jurídica, especialmente constitucional. É esse o preço que se paga por viver em um Estado Democrático de Direito”, afirmou o ministro.

Ministros a favor da prisão em segunda instância

O ministro Alexandre de Moraes foi o primeiro a divergir do relator das ADCs, votando pela possibilidade de prisão em segunda instância. O ministro destacou que a questão em julgamento “não é nova” e “não é simples”. Ele fez um histórico das decisões do STF sobre o tema. Desde 2009, já foram realizados cinco julgamentos sobre a questão. Dos 31 ministros que já compuseram o STF desde 1988, segundo Moraes, apenas nove se manifestaram contra a prisão em segunda instância.

Alexandre de Moraes defendeu que a prisão em segunda instância não fere a presunção de inocência. Moraes disse que, se respeitados os princípios do juízo natural, da tutela judicial efetiva e da presunção de inocência, é constitucional que as prisões em segunda instância ocorram. O ministro lembrou ainda que a decisão condenatória de segundo grau é fundamentada e analisa a materialidade do crime de forma ainda mais aprofundada que em primeira instância.

Além disso, a possibilidade de prisão em segunda instância, segundo Moraes, não produziu efeitos significativos no sistema penitenciário nacional. “O problema do sistema penitenciário é outro”, afirmou o ministro. “O Brasil prende muito e prende mal”, ressaltou.

Edson Fachin também votou no sentido de autorizar a prisão em segunda instância. Para o ministro, como não há efeito suspensivo nos recursos a tribunais superiores, não faz sentido proibir a prisão após condenação em segunda instância. “É inviável sustentar que toda e qualquer prisão só pode ter seu cumprimento inicial quando o último recurso da última Corte tenha sido julgado”, defendeu o ministro.

Voto a favor da prisão em segunda instância baseado em dados

O ministro Luís Roberto Barroso trouxe um voto baseado em dados oficiais para embasar seu entendimento favorável à execução antecipada da pena. “As pessoas têm direito à própria opinião, mas não aos próprios fatos”, disse Barroso.

“Ao contrário do sugerido, a possibilidade de execução da pena após condenação em segundo grau diminuiu o índice de encarceramento no Brasil”, afirmou Barroso. “Eu também fiquei surpreso quando estudei esses dados”, disse. Ele diz que extraiu os dados a partir de informações oficiais do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

Barroso trouxe dados oficiais sobre o aumento da população carcerária no Brasil desde 2009. Entre 2009 e 2016, quando a prisão em segunda instância era proibida, a população carcerária subiu em média 6,25% ao ano, segundo o ministro. Entre 2017 e 2018, essa média foi de 1,46%. “Nos dois anos que se seguiram a mudança de jurisprudência do Supremo, o índice do crescimento do encarceramento diminuiu aos menores percentuais da série histórica em 10 anos”, argumentou.

Uma das explicações, segundo Barroso, é que a possibilidade de cumprimento da pena antecipada fez com que juízes fossem mais cuidadosos ao decretar prisões preventivas.

Crimes de rico e crimes de pobre

Barroso também levantou os crimes que mais geram ocupação de vagas no sistema penitenciário. Os crimes são o tráfico de droga e associação para o tráfico, roubo qualificado, roubo simples, homicídio, crimes contra a dignidade sexual e latrocínio.

“Qual é a característica de todos esses crimes? São crimes em que o agente é considerado violento e normalmente preso preventivamente”, explica Barroso. “Os seis crimes que mais lotam o sistema carcerário são crimes de pobres”, disse o ministro.

Em contrapartida, segundo Barroso, o Depen mostra que há no país atualmente 116 presos por corrupção passiva, 522 por corrupção ativa e 1.061 por peculato. “Pobre não corrompe, não desvia dinheiro público e não lava dinheiro. Não é de pobre que estamos falando”, disse Barroso. “O sistema é duríssimo com os pobres e bem mais manso com os ricos”, criticou o ministro.

Barroso também citou dados oficiais do STF sobre os recursos julgados pelo tribunal. Entre 2009 e 2019, segundo Barroso, de todos os processos já com trânsito em julgado, 97,23% dos recursos no Supremo foram desprovidos. Apenas 2,77% dos recursos foram providos – entre recursos da defesa e da acusação. Barroso disse entender a argumentação de que basta apenas um caso de injustiça para que o entendimento seja revisto, mas fez uma ressalva. “Por essa lógica, a gente deveria fechar todos os aeroportos. Porque apesar de todos os esforços, vez ou outra tem um acidente”, disse o ministro.

Prisão em terceira instância

Toffoli tenta costurar um meio termo para o resultado final do julgamento. O ministro já defendeu, em outras oportunidades, que a prisão poderia ser autorizada a partir de uma condenação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ainda não está claro se a proposta será aceita pelos demais ministros.

Antes mesmo da proposta ser colocada oficialmente em discussão, o relator das ADCs se posicionou contra a prisão após condenação do STJ. Para o ministro, “não há espaço para meio termo”. Marco Aurélio disse que essa previsão faria com que o STJ fosse equiparado ao STF, o que não é possível.

Liberdade para os presos

Ao votar, Marco Aurélio voltou a defender que seja determinada a soltura imediata de todos os presos do país detidos apenas com base em uma condenação em segunda instância. No final do ano passado, o ministro havia concedido uma liminar para libertar todos que se enquadrassem nessa situação, mas a determinação foi suspensa por Toffoli algumas horas depois.

Na primeira sessão do julgamento, na semana passada, Marco Aurélio criticou a decisão de Toffoli ao ler o seu relatório. “É inconcebível visão autoritária e totalitária no Supremo. Os integrantes sombreiam, apenas tem acima o colegiado. O presidente é coordenador e não superior hierárquico dos pares. Simplesmente coordena os trabalhos do colegiado. Fora isso é desconhecer a ordem jurídica, a Constituição Federal, as leis e o regimento interno, enfraquecendo a instituição e afastando a legitimidade das decisões que profira. Tempos estranhos. Aonde vamos parar”, criticou Marco Aurélio.

Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que cerca de 5 mil presos estão detidos apenas por uma condenação em segunda instância em todo o país. No ano passado, o número divulgado era de 190 mil, mas segundo o CNJ, esse seria o número de presos provisórios, sem condenação com trânsito em julgado. Destes 190, porém, 185 mil teriam mandados de prisão preventiva e não seriam impactados com a decisão do STF.

Quem falta votar

O julgamento será retomado nesta quinta-feira (24) pelos ministros do STF. Ainda faltam os votos dos ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Se não for encerrado na sessão desta quinta, o julgamento só será retomado em novembro. Na semana que vem não tem sessão no STF.

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