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Projeto derruba juros de cartão e cheque especial; bancos chamam de “pauta-bomba”
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta

Um projeto de lei vem causando discussões acaloradas nas reuniões virtuais envolvendo líderes do Senado. Trata-se do PL 1.166/2020, que limita as taxas de juros anuais que podem ser cobradas nos cartões de crédito e no cheque especial. Um grupo de senadores tenta levar o texto para votação em plenário desde a semana passada, enquanto outros agem para tentar arquivar a proposta, pois entendem que é um tabelamento de preços que vai restringir a oferta de crédito.

O texto foi apresentado pelo senador Alvaro Dias (Podemos-PR) no fim de março e na semana passada teve parecer favorável do relator, senador Lasier Martins (Podemos-RS). Martins propôs que a taxa máxima de juros que poderá ser cobrada pelos bancos nas operações de cartão de crédito e no cheque especial será de 30% ao ano, com exceção das linhas das chamadas fintechs, que teriam um limite de 35% ao ano. Hoje a taxa média do cheque especial passa de 100% ao ano e a do rotativo do cartão supera os 300% ao ano.

Outra exceção seria para pessoas cuja renda seja inferior a dois salários mínimos. Elas teriam direito a pagar no cheque especial juros iguais aos cobrados do consignado (empréstimo descontado em folha), uma das modalidades mais baratas do mercado. Atualmente, a taxa média do consignado é de 21% ao ano.

Ainda segundo o parecer de Martins, o teto valeria somente durante o estado de calamidade pública decretado pelo Congresso Nacional por causa da pandemia do novo coronavírus. Ou seja, até 31 de dezembro de 2020. Depois, a limitação seria extinta.

O texto estabelece, ainda, que os limites de crédito disponíveis em 19 de março de 2020 não poderão ser reduzidos até o fim do estado de calamidade pública e que as operações de crédito com cheque especial e cartão de crédito estarão isentas do pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Votação já foi adiada duas vezes

A sessão para votar o projeto foi marcada para quinta-feira passada (14), mas cancelada em cima da hora. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), informou aos senadores que precisava visitar a sua mãe no hospital e, por isso, não teria sessão.

Nesta semana, após reunião de líderes, Davi decidiu novamente adiar a votação. O compromisso é pautar o texto para semana que vem, mas o martelo só será batido na sexta-feira (22), data da próxima reunião de líderes do Senado.

Os senadores Alvaro Dias e Lasier Martins relataram à Gazeta do Povo que há uma pressão dos bancos sobre alguns senadores para que o projeto seja arquivado. “É lamentável, mas é a realidade. Ele [Alcolumbre] está se curvando aos bancos. Eu entendo que temos que, pelo menos, submeter [o texto] ao plenário [para votação]. Os principais líderes não representam todo o desejo do Senado”, diz Martins.

Na quinta-feira passada, pela manhã, antes de adiar a votação do projeto pela primeira vez, Alcolumbre e alguns senadores tiveram uma videoconferência com representantes de instituições financeiras. À tarde, foi informado o cancelamento da sessão para votar o PL 1.116. Oficialmente, a presidência do Senado disse que “os senadores entenderam que havia necessidade de mais tempo para discussão dos projetos na pauta.”

Dias acredita que o projeto tem chances de ser aprovado no Senado, por isso as tentativas de postergar a votação. Além do apoio do Podemos e de partidos de esquerda, o projeto conta com a simpatia do líder do MDB, Eduardo Braga. O MBD é a maior bancada da Casa.

Bancos são contra. Veja os motivos

Os bancos veem o projeto como uma “pauta-bomba”, pois entendem que trata-se de um tabelamento de preços que pode levar à redução do crédito e à falência de fintechs. Em nota enviada ao senador Alvaro Dias, obtida pela Gazeta do Povo, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) alega que impor limite à taxa de juros vai afetar a competição e o consumo, diminuir a oferta de crédito, prejudicar os varejistas e afetar a própria recuperação da economia.

“A experiência econômica e a história nos ensinam que, cedo ou tarde, a imposição de limites de preços para determinados produtos tem como consequência a redução ou interrupção de sua oferta, o desabastecimento e o estímulo aos mercados informais ou paralelos”, diz a nota técnica da Febraban.

No caso do cheque especial, a Febraban lembra que ele é um produto de natureza emergencial que conta com uma taxa de inadimplência quase cinco vezes maior do que os empréstimos para pessoas físicas. Segundo a federação, equiparar a taxa de juros cobrada no cheque especial com a do consignado (no caso de quem tem renda inferior a dois salários mínimos) inviabiliza a operação do cheque especial, que pode desaparecer do mercado.

Nesse caso, diz a federação, quem sairia prejudicado é o consumidor que utiliza corretamente o produto, pagando em dia o débito. Esse cliente seria obrigado a buscar opções menos favoráveis no mercado, inclusive a agiotagem.

Sobre o cartão de crédito, a Febraban afirma que fixar os juros que são cobrados a quem atrasa ou não paga a fatura tende a criar um incentivo para que os créditos sejam direcionados para financiamentos de menor risco e maior rentabilidade, o que resultaria numa menor oferta de cartões de crédito; e que as fintechs, que hoje oferecem cartões sem anuidade, podem ter suas operações inviabilizadas ou ter de começar a cobrar tarifas de seus clientes.

A federação observa que só há cobrança de juros no caso de clientes que atrasam a fatura ou optam por pagar apenas uma parcela (rotativo), o que representa em média menos de um quarto de todo o saldo da carteira. E diz que o risco da inadimplência é assumido totalmente pelos bancos.

“O cartão de crédito vem sendo o principal meio de financiamento à pessoa física no país e terá papel fundamental na recuperação econômica no comércio e, em especial, na aquisição de bens de consumo. Restringir a oferta de crédito é condenar a economia a uma recuperação mais lenta”, diz a Febraban.

O que dizem os economistas e o autor do projeto

O economista Fernando Veloso, pesquisador do Ibre da FGV, diz que experiências do passado mostram que a tentativa de tabelamento de juros teve consequências muito negativas para o crescimento econômico do país. “Repeti-las nesse momento sob o pretexto de calamidade pública pode minar a recuperação econômica quando esta crise for superada”, escreveu em artigo publicado no blog do Ibre.

O pesquisador também disse que o projeto tem caráter punitivo em relação às “instituições do sistema financeiro, com consequências potencialmente devastadoras para os mercados de crédito e de pagamentos”.

O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga disse em entrevista ao jornal "Valor Econômico" que o tabelamento tende a “sair pela culatra”. “A última coisa que se quer agora é fazer o crédito secar e fragilizar o sistema.”

O senador Alvaro Dias, autor da proposta, afirma que que não há argumentos consistentes contra o projeto. “Quando todos são obrigados ao sacrifício, os bancos não querem reduzir a margem de lucro. Não se trata se submeter os bancos ao prejuízo, trata de reduzir a taxa do cheque especial e do cartão de crédito”, disse à Gazeta do Povo, lembrando que a redução só será válida durante a pandemia.

Taxas atuais

Atualmente, a taxa média de juros do cheque especial está em 130% ao ano, segundo dados do Banco Central. A autoridade monetária determinou recentemente que os bancos não podem cobrar taxas superiores a 8% ao mês, o equivalente a 151,8% ao ano.

O cheque especial é um limite de crédito normalmente automático que os bancos dão a pessoas físicas em suas contas correntes. Esse limite é acionado quando o cliente não tem saldo suficiente para completar um pagamento ou transferência.

A taxa média de juros cobrada para quem cai no rotativo do cartão de crédito está em 326,4% ao ano. O rotativo é quando o cliente não paga o valor integral da fatura, e sim a parcela mínima. Ele tem duração de 30 dias. Os juros do parcelamento das compras pelo cartão de crédito chegam a 186,5% ao ano.

Todos os dados foram colhidos até março pelo Banco Central.

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