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Deputados criticam a maneira acelerada com que o projeto das fake news tramitou no Senado.
Deputados criticam a maneira acelerada com que o projeto das fake news tramitou no Senado.| Foto: Agência Câmara

O projeto de lei de combate às fake news (PL 2.630/20), que foi aprovado pelo Senado no dia 30 de junho e agora tramita na Câmara, tem recebido críticas tanto de deputados federais que acreditam na possibilidade de aprová-lo com melhorias pontuais quanto de parlamentares que preferem derrubá-lo.

Alguns deputados, como o próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), creem que o projeto pode ser aprimorado com emendas e modificações. Maia afirmou, há alguns dias, que acredita na possibilidade de “construir um texto ainda melhor do que aquele construído pelo Senado Federal”.

Outros parlamentares veem um problema de origem que não pode ser sanado durante a tramitação e apontam uma rapidez excessiva no andamento da pauta, que não faz jus à gravidade do tema.

O objetivo alegado do PL é criar a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e estabelecer “normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes sociais e de serviços de mensageria privada” para desestimular o “abuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou coletivos”. Mas parte dos deputados vê no projeto uma tentativa de cercear a liberdade de expressão dos brasileiros, um direito previsto na Constituição Federal.

A Gazeta do Povo consultou alguns deputados para responder à questão: há salvação para o projeto das fake news? Pode-se melhorá-lo, ou é melhor derrubá-lo?

Projeto das fake news promove censura, dizem deputados favoráveis a derrubá-lo

Para a deputada Chris Tonietto (PSL-RJ), o projeto das fake news “traz, em sua essência, o cerceamento de garantias e liberdades individuais, o que notadamente vai de encontro ao que preceitua nossa Constituição”.

Ela lembra que está em tramitação na Câmara dos Deputados uma versão muito parecida do PL 2.630/20, o PL 3.063/20, o que, segundo a parlamentar, "demonstra uma tendência de ambas as Casas em tentar regulamentar as atividades na internet".

Para o deputado Filipe Barros (PSL-PR), o projeto das fake news tem um problema grave de origem e, por isso, deve ser derrubado. “É um projeto que guarda em sua origem um princípio ditatorial, de censura. Nós não podemos admitir algo que é contra a nossa Constituição federal. O mal tem que ser cortado pela raiz. Absolutamente nada do projeto pode ser aproveitado”, afirma.

Eventuais emendas, segundo Barros, não seriam suficientes para melhorar o texto. “A não ser que fosse uma emenda que acabasse com todo o projeto”, ironiza.

Para o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), o caráter de censura do projeto em sua origem impede que ele seja recuperado de alguma forma. “Não há possibilidade alguma de votarmos pela aprovação desse projeto, ainda que haja todas as emendas, todas as modificações necessárias para desfigurar o projeto e impedir a censura nas redes sociais”, diz.

Na opinião do deputado JHC (PSB-AL), o PL das fake news ameaça a garantia constitucional da liberdade de expressão. "Desde o início, coloquei-me contrário ao projeto. Primeiro por uma convicção pessoal: acredito que a liberdade de expressão seja um valor fundamental à democracia. Em segundo lugar, como operador do Direito, enxergo o controle prévio do conteúdo de debates ofensivo à Constituição", afirma.

Texto pode melhorar, mas PL é necessário, dizem deputados contrários a derrubá-lo

Outros deputados não negam os problemas do PL 2.630/20, mas acreditam ser possível melhorá-lo. Segundo eles, os defeitos não justificam a derrubada do projeto.

Para a deputada Margarete Coelho (PP-PI), “o projeto é necessário”, mas “há um espaço enorme” para que ele seja melhorado. Ela destaca alguns pontos mais controversos do projeto, como a questão da moderação de conteúdo. “É um aspecto extremamente sensível. A moderação não pode abrir uma fenda para que se possa fazer censura prévia. A nossa Constituição não permite isso, e esse foi um grande ganho do nosso processo civilizatório. A censura prévia é contrária à democracia”, diz.

Outro ponto que pode ser melhorado, segundo ela, é a forma como o PL trata da transparência. “A questão da transparência é o ponto fulcral, onde nós devemos amarrar toda a lei. Se eu estiver conversando com uma conta movida por bots [robôs], eu tenho que saber disso. Se é uma conta impulsionada, tenho que saber quem impulsionou, quanto impulsionou, a origem do dinheiro que impulsionou…”, observa a parlamentar.

A deputada Lídice da Mata (PSB-BA), que é relatora da CPMI das fake news, acredita na necessidade de "uma legislação educadora e não exatamente punitiva", para que o cidadão "exerça sua liberdade de pensamento e expressão, porém entenda que há limites para essa liberdade". "É fundamental que se tenha responsabilidade sobre o que se dissemina e compartilha", diz ela.

Para Lídice, “alguma legislação se faz necessária” contra as fake news. “Não é possível que biografias sejam destruídas, que reputações sejam manchadas, que discursos de ódio sejam propagados sem que culpados sejam responsabilizados por seus atos criminosos”, afirma.

Na opinião da deputada, um dos pontos do projeto que precisa ser melhorado é o da regulamentação das plataformas. “Poderíamos fazer uma espécie de regulação do ‘termo de uso’ das plataformas. Isso seria um grande avanço para chegarmos a um texto equilibrado”, sugere Lídice.

O deputado Professor Israel Batista (PV-DF) diz que “é fundamental que seja tratado” o assunto das fake news no Congresso, mas pondera que há mudanças importantes a serem feitas. “Estamos vivendo uma onda de desinformação que tem causado prejuízos tangíveis, palpáveis, para a sociedade. Uma onda de desinformação premeditada, em escala industrial. Agora, como nós vamos tratar desse assunto para que ele não afete a liberdade de expressão é que nós vamos debater no Congresso nacional”, afirma.

Um dos pontos do projeto que precisa de reparos, segundo o deputado, é o que fala sobre o rastreamento do WhatsApp e de atividades privadas. “Isso é um pouco perigoso. A gente precisa fazer de uma forma que preserve a possibilidade de as pessoas terem as suas conversas guardadas pela privacidade. Esse rastreamento é muito sensível”, diz.

Ele também critica o artigo 6º do projeto, que trata de como as redes sociais e outros serviços devem informar dados para o monitoramento das atividades consideradas ilícitas. “A gente não pode terceirizar para uma empresa privada o poder de polícia eleitoral. Não pode gerar uma censura prévia. A gente não deve pecar pelo excesso. Ao mesmo tempo, a gente não deve pecar pela omissão”, afirma Batista.

Tramitação do projeto das fake news é alvo de críticas

Para além do conteúdo do projeto das fake news em si, muitos parlamentares têm apontado vícios na própria tramitação do texto no Congresso. Em primeiro lugar, a rapidez com que ele foi aprovado pelo Senado e poderá ser pautado na Câmara não condiz com a importância do tema, na opinião de alguns deputados. O problema se agrava pelo contexto atípico motivado pela pandemia.

O deputado Diego Garcia (Pode-PR) observa que as frequentes retiradas de pauta do projeto no Congresso evidenciam pressa em tramitá-lo. “Tanto na Câmara como no Senado os autores do projeto apresentaram e retiraram o projeto algumas vezes, justamente para que ele pudesse tramitar neste momento, que é um momento em que o Congresso está debruçado sobre temas correlatos à situação da pandemia”, diz Garcia.

O deputado Filipe Barros considera que o projeto só poderia ser discutido devidamente com a criação de uma comissão especial, o que não é possível durante a pandemia.

“Como nós estamos em sessões virtuais, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, faz o que quer com o projeto. Um projeto dessa envergadura, em sua tramitação normal, teria uma comissão especial. Nós debateríamos sobre esses assuntos amplamente. A comissão especial votaria um relatório final, e esse relatório, se aprovado, iria para o plenário”, diz. “Como nós estamos com sessões virtuais, um projeto dessa envergadura está indo direto ao plenário, praticamente. Eu acho que é incompatível essa tramitação com a importância do projeto”, acrescenta Barros.

Garcia concorda. “É nas comissões que você consegue se debruçar sobre esse tipo de tema”, afirma. “O próprio presidente da Câmara falou claramente a jornalistas que só pautaria matérias que estivessem correlacionadas à pandemia. E a gente não vê, agora, essa mesma postura dele com relação ao PL das fake news, que, para mim, é o PL da censura.”

Texto é longo demais para ser melhorado com emendas, dizem deputados contrários ao PL

Um dos problemas apontados pelos deputados contra a possibilidade de emendar o texto é o seu tamanho: são 30 artigos, o que inviabiliza, para eles, meras modificações pontuais.

“Na Câmara a gente tem poucos instrumentos regimentais que vão nos dar a possibilidade, depois, de que essas emendas que estão sendo apresentadas para tentar salvar ou aperfeiçoar o projeto sejam aprovadas. Muitas delas a gente já sabe que ficarão a critério da avaliação do presidente da Câmara, que poderá ter uma avaliação contrariando, inclusive, a maioria dos parlamentares. Em inúmeros outros projetos de lei ele já teve posturas assim”, diz o deputado Diego Garcia.

Para Filipe Barros, a legislação brasileira já tem os instrumentos necessários para tratar dos problemas que o PL 2.630 busca sanar. “Nós não precisamos regulamentar essas questões, porque elas já têm regulamentação na lei. Se, por exemplo, alguém faz uma calúnia ou uma difamação, já tem um instrumento jurídico para que isso seja combatido. O próprio Marco Civil da Internet, aliás, já disciplina inúmeras questões – como, por exemplo, algo que sempre vem à tona nesses debates, que são os perfis anônimos”, afirma.

O deputado Paulo Ganime (Novo-RJ) também considera que os principais problemas que o PL das fake news tenta resolver já estão contemplados por outros mecanismos legais, como o próprio Marco Civil e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. “Ninguém é a favor de fake news. Ninguém acha certo usar fake news, seja para difamar alguém ou para defender uma ideia falsa, mas os meios para combater isso já existem. A gente não precisa de mais uma lei”, afirma.

Os deputados contrários ao projeto estão otimistas quanto à rejeição do PL das fake news. Para Diego Garcia, a perspectiva de derrubar é boa, “até pela repercussão negativa que teve com a aprovação no Senado”.

O deputado Carlos Jordy diz que já sinalizou ao próprio presidente da Câmara a intenção de derrubar o projeto. “Conversei com o presidente, conversei com outras pessoas, e a nossa missão vai ser apresentar o maior número de emendas e destaques possíveis para desfigurar o projeto, e votar pela rejeição do projeto na hora em que for votar o texto-base”, diz.

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