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Roberto Levianu, promotor do MP-SP e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, fala sobre cerco da PGR à Lava Jato.
Roberto Livianu, procurador de Justiça do MP-SP e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, fala sobre cerco da PGR à Lava Jato.| Foto: Divulgação/Instituto Não Aceito Corrupção

Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, o procurador de Justiça Roberto Livianu, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), diz ver com preocupação o acesso de informações colhidas pela Lava Jato pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Técnicos da PGR estão em Curitiba desde o último dia 21 para coletar dados das investigações, após a Procuradoria-Geral da República obter uma decisão monocrática (individual) do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, a seu favor.

A ofensiva do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra a Lava Jato veio à público no fim de junho, quando a subprocuradora-geral Lindôra Araújo esteve em Curitiba para buscar dados sigilosos da operação no âmbito de uma apuração para saber se a força-tarefa de Curitiba investigou políticos com foro privilegiado – o que a Lava Jato nega. Aliada de Aras e considerada uma das subprocuradores mais "bolsonaristas" da PGR, ela coordena a Lava Jato no STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para a Lava Jato, existe o risco de uso político das informações sigilosas da operação.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Roberto Livianu diz ter visto “com preocupação” a visita, que é alvo de uma investigação na Corregedoria do Ministério Público a pedido da força-tarefa de Curitiba. Para Livianu, a ofensiva da PGR pelos dados da Lava Jato é “totalmente inadequada”.

Livianu também vê com ressalvas a proposta de criação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac), gestada pela PGR, e que pode centralizar em Brasília todas as grandes operações de combate à corrupção do país.

“Eu sempre fui contra a ideia e concentração de poder quando o assunto é combate à corrupção. Eu penso que a capilaridade institucional é extremamente importante para que você obtenha bons resultados no combate à corrupção. Sempre que você concentra poderes nas mãos de uma elite você tende a ter resultados ineficientes”, diz Livianu.

Confira a entrevista completa com o procurador Roberto Livianu:

O senhor acredita que há um cerco da PGR contra a Lava Jato?

Roberto Livianu: É difícil fazer uma afirmação dessa natureza. É uma coisa complexa fazer uma afirmação de um cerco. Os procuradores da República integram a mesma instituição do procurador-geral. São atitudes que vêm sendo observadas pela sociedade como atitudes delicadas, complexas, observadas por muitas pessoas como atitudes questionáveis sob vários pontos de vista. Mas daí a afirmar que há um cerco, essa é uma conclusão que só se pode chegar a ela ao longo do tempo. Já acho que é uma coisa difícil dizer que há um cerco. Eu vejo com preocupação alguns acontecimentos.

Por exemplo, vi com preocupação a ida da subprocuradora [Lindôra Araújo], que não ocupa cargo correcional, a Curitiba. Aquilo que ocorreu em Curitiba é uma atividade inerente daqueles que detêm função correcional. Quem deve desenvolver atividade correcional é quem desempenha essa função. Quem tem que fiscalizar os membros do Ministério Público é quem está ocupando cargo na corregedoria do Ministério Público. Quem fiscaliza o trabalho dos membros do Ministério Público é única e exclusivamente quem está na Corregedoria. Isso não é uma função que cabe ao procurador-geral da República. Nenhum membro da instituição tem atribuição para fiscalizar o trabalho de outros membros da instituição. Essa é uma atribuição exclusivamente cabível a quem desempenha função na Corregedoria ou ao Conselho Nacional do Ministério Público. Aquela ida da subprocuradora Lindôra é uma situação, a meu ver, preocupante – que, inclusive pelo que se noticiou na imprensa, é uma situação que está em análise da corregedoria do Ministério Público Federal.

Depois, aquele questionamento que foi feito ao Supremo Tribunal Federal, quando se fundamentou no princípio da unidade do Ministério Público e também quando se fundamentou na questão de camuflagem de nomes [para obtenção dos dados da Lava Jato, sob argumento de que a operação investigava autoridades com prerrogativa de foro]... Eu tenho muito respeito pelo procurador-geral da República, assim como pelo presidente do Supremo Tribunal Federal... Mas eu penso que a questão da unidade do MP não justifica a concessão dessa liminar [que permitiu o acesso da PGR às informações da Lava Jato]. A unidade do Ministério Público não justifica o acesso a dados dentro dos quais outro membro do Ministério Público está trabalhando. Até porque você não tem dentro do Ministério Público uma hierarquização. O Ministério Público não é uma instituição hierarquizada.

E também essa questão da camuflagem de nomes [de autoridades com foro privilegiado, à qual a Lava Jato acusada], a meu ver não houve camuflagem. Os nomes foram apontados na denúncia, com absoluta clareza, os nomes das pessoas denunciadas constam da denúncia. Não há nenhum elemento que, com segurança, se possa dizer que houve qualquer espécie de camuflagem. Penso que o ideal para que se tenha clareza em relação a isso é que o plenário do STF examine esse tema.

A PGR lançou uma ofensiva para obtenção de dados de investigações da Lava Jato em Curitiba e das demais forças-tarefas... 

Roberto Livianu: A meu ver, isso é totalmente inadequado. Se a PGR tem alguma investigação em curso e nessa investigação ela necessita obter alguma informação concreta de algum caso concreto, e para isso ela necessita de alguma informação específica,  é necessário que se aponte específica e individualmente qual é a informação buscada. É assim que se deve proceder e assim que o Ministério Público procede no dia a dia, tanto na esfera estadual, como na esfera federal, como na esfera do Ministério Público de Contas. Sempre foi dessa forma. Os membros do Ministério Público sempre cooperaram. Quando um membro do Ministério Público está investigando, se outro membro necessita de algum tipo de informação ou prova, existe a cultura do compartilhamento, desde que se aponte individualmente qual é a informação que se está necessitando. Mas o pressuposto é que isso seja apontado concreta e individualmente. O que não se mostra razoável é que isso seja feito de maneira genérica e indiscriminada.

Além da decisão do STF, o procurador-geral também editou uma portaria que altera regras de sigilo de documentos do MPF [a portaria garante acesso à cúpula da PGR a dados sigilosos de todas as investigações]. Como o senhor vê essa movimentação?

Roberto Livianu: A interpretação que pode ser dada pelos elementos que você está me transmitindo é que é uma decisão tomada pelo procurador-geral para concentrar o poder nas mãos dele e dos integrantes da equipe do procurador-geral da República. Isso vem de encontro ao encaminhamento dado por ele no sentido de instituir a chamada União Nacional Anticorrupção, a Unac [órgão que centralizaria em Brasília as forças-tarefas do país].

Eu, em relação a isso [a Unac], com todo respeito a quem pense de maneira diferente, desde que eu ingressei no Ministério Público, eu sempre fui contra a ideia de concentração de poder quando o assunto é combate à corrupção. Eu penso que a capilaridade institucional é extremamente importante para que você obtenha bons resultados no combate à corrupção. Sempre que você concentra poderes nas mãos de uma elite, você tende a ter resultados ineficientes.

Essa tese, da concentração de poder ser ruim, vem sendo sustentada há séculos. Desde Lord Acton, no século 19, quando ele dizia que o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente. Até o professor Klitgaard, da Universidade da Califórnia, quando sustenta que os três grandes fatores geradores do ambiente corrupto são o excesso de poder discricionário concentrado, os mercados monopolizados e a opacidade. Por essas razões e outras, eu penso que não é saudável o excesso de concentração de poder para combater a corrupção. É importante que você descentralize esse combate à corrupção.

A nível de estado, quando você tem esse poder entregue na mão de todos os promotores nas mais diversas cidades, você tem resultados melhores. Por quê? Porque os promotores nutrem relações importantes com a coletividade e, a partir dessas relações, eles colhem provas importantes no seio da comunidade. Eles adquirem respeito e legitimidade com a comunidade. Essas provas são sólidas e, assim, os resultados são muito melhores. Quando você se concentra apenas em uma elite fechada, esse elo se quebra e você tende a ter resultados ruins.

Então eu não sou favorável a essa concentração de poder. Você pode ter um organismo que seja um organismo para dar apoio operacional aos organismos de combate à corrupção. Isso é outra coisa. Se você quiser criar um organismo para dar munição, apoio operacional à Lava Jato, aos Gaecos, isso é outra história. Você mantém a Lava Jato, mantém as forças-tarefas, mantém os Gaecos. E abastece as promotorias e os Gaecos com infraestrutura operacional, material de recursos humanos. Aí pode ser uma boa. Agora, não é isso que se percebe. A impressão que se tem é que essa União Nacional Anticorrupção pode estar sendo proposta para eliminar a Lava Jato e as forças-tarefas todas, o que seria absolutamente ruim.

Não se pode esquecer que o procurador-geral da República é nomeado politicamente. O procurador-geral da República, que hoje ocupa esse cargo, seu nome nem sequer estava entre aqueles três da lista tríplice [escolhida pelo Ministério Público Federal em eleição interna e enviada ao presidente da República]. Essa [a escolha de Augusto Aras] é uma escolha política. Nos estados, nós temos uma lista que é formada legalmente a partir de uma votação imposta por lei. A nível federal você sequer tem uma votação. O presidente da República escolhe qualquer nome da carreira, sem lista, sem votação, sem nada. Então você percebe essa concentração de poder nas mãos dessa pessoa que o presidente da República, semanas atrás, veio a público em uma entrevista dizendo aos risos: "Tenho certeza que a minha investigação será arquivada por ele". Muito ruim do ponto de vista da sociedade assistir a uma cena como essa. Ao se lembrar que essa pessoa que ele se referia [Augusto Aras] é uma pessoa que sequer constava na lista [tríplice], é uma pessoa que sequer participou dos debates dentro do Ministério Público. Com todo respeito a esse procurador, mas foi uma pessoa que não participou das discussões internas sobre o destino do Ministério Público. O presidente é o fiscalizado. Então o fiscalizado escolhe o próprio fiscal a seu bel prazer e vem a público dando risada dizendo que com certeza que meu fiscal vai arquivar investigação contra mim. Não é um sentimento agradável para o povo.

Com essa concentração de poder que a Unac daria ao PGR, o senhor acha possível o uso político de investigações?

Roberto Livianu: É um risco que se poderia ter e nós precisamos evitar riscos desnecessários. Precisamos proteger a sociedade em relação a riscos desnecessários. Como você evita riscos desnecessários? Evitando concentração de poder. Essa é uma maneira de prevenir situações indesejadas.

Há uma preocupação da força-tarefa da Lava Jato de que as informações colhidas possam ser usadas politicamente. O senhor acredita que isso é possível?

Roberto Livianu: Eu tenho bastante preocupação sobre o uso dessas informações. Acho razoável que se solicite uma informação determinada. Não está se pedindo uma informação determinada e se pede indiscriminadamente informações. E aí, pelo que se tem notícia, esse acervo de informações de vários terabytes abrangem dezenas de milhares de pessoas, sem qualquer espécie de objetivo específico. Qual a razão para se acessar isso sem um motivo determinado? Isso não é plausível. É realmente preocupante.

A autorização para a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba funcionar vence nos próximos meses e há um temor dos procuradores de que ela possa não ser renovada...

Roberto Livianu: Me parece que isso depende de uma deliberação de organismo colegiado do Ministério Público Federal. E, até onde eu sei, esses organismos colegiados hoje têm maioria oposicionista ao atual procurador-geral da República. Até onde eu sei o procurador-geral da República tem tido derrotas na proporção de 7 a 1. Na última eleição, os procuradores Mario Bonsaglia e Nicolau Dino tiveram votação de 700 votos, enquanto os candidatos apoiados pelo procurador Aras tiveram 100 votos. Então, essas autorizações para manutenção das forças-tarefas são dadas pelos organismos colegiados, pelos conselhos. E até onde eu sei esses conselhos têm maioria oposicionista ao procurador-geral.

Mas o que isso significaria a dissolução da força-tarefa em termos de combate à corrupção no Brasil?

Roberto Livianu: É uma questão muito complexa. Vamos imaginar que tivéssemos uma reunião hoje no Ministério Público Federal e o Ministério Público Federal deliberasse por não manter essa autorização. Por toda história de existência do Ministério Público Federal, eu acho impossível que ele não colocasse algo no lugar. Se ele não autorizasse a manutenção dessa força-tarefa, com certeza colocaria alguma estrutura funcional e administrativa para cumprir esse papel. Não é que não haveria resposta a essa demanda social. Você poderia ter outra estrutura administrativa para cumprir essa responsabilidade institucional. Você ter o remodelamento das estruturas é uma coisa que as instituições, de tempos em tempos, podem e devem fazer. O que é adequado é que essas remodelações sejam feitas com um debate saudável e democrático dentro das instituições. Que fique claro: acho impossível que simplesmente cesse essa renovação sem que uma estrutura absorva a responsabilidade por cumprir esses papéis. A Lava Jato tem uma série de investigações extremamente complexas sob sua responsabilidade e o Ministério Público Federal com certeza tem absoluta consciência de que, dentro da instituição, procuradores vão ter que dar conta disso. Então ao tomar essa decisão, levarão em conta essa questão. Com certeza absoluta.

O que fazer para garantir que não haja retrocessos no combate à corrupção no Brasil?

Roberto Livianu: Nossa situação é realmente muito complicada porque nós precisaríamos de um avanço nessa agenda. Nós temos uma proposição muito interessante que foi apresentada ao Congresso, representada pelas novas medidas contra a corrupção, composta por 70 proposições organizadas em 12 eixos temáticos que foram organizados pela Transparência Internacional em parceria com a Fundação Getúlio Vargas. São as chamadas Novas Medidas Contra a Corrupção. Esse conjunto de medidas foi fruto de uma análise que durou um ano. Foram ouvidas diversas instituições públicas, privadas, universidades, especialistas. Houve um amadurecimento profundo e um processo de legitimação bastante complexo dessa análise. Esse é o maior pacote anticorrupção já elaborado no mundo. Esse pacote foi apresentado ao Congresso e não se percebe vontade política em relação ao avanço dele. Existe ali um caminho, existe ali um norte. Se a sua pergunta for qual o caminho, estou apontando um caminho. Esse é um caminho para que possamos evoluir em matéria de combate à corrupção no Brasil. Ali está um bom caminho. Não estou dizendo que é um caminho pronto, perfeito e acabado porque precisamos ter um debate democrático e o local adequado para isso é o Congresso Nacional. Mas aí está um bom caminho para que nós possamos ter um norte para que isso aconteça.

O problema é que é necessário que haja vontade política por parte do presidente da Câmara [Rodrigo Maia, DEM-RJ] e por parte do presidente do Senado [Davi Alcolumbre, DEM-AP] para que essas proposições sejam impulsionadas; para que isso seja efetivamente discutido, debatido. E não se percebe essa vontade política. O que se percebe, até em questões micro, como a questão do caixa dois eleitoral... Todo mundo sabe que no Brasil o caixa dois eleitoral é naturalizado. Muitos políticos conquistam o poder com financiamento clandestino, com dinheiro marginal, com dinheiro oculto. Enquanto você tem gente honesta que se elege com dinheiro corretamente contabilizado, você tem uma quantidade gigantesca de políticos que se elegem com dinheiro marginal, clandestino. O que é feito com esse dinheiro marginal, clandestino? Muitas coisas, inclusive compra de votos. Essas proposições no sentido de punir de verdade o caixa dois eleitoral não avançam, porque não há interesse em coibir esse tipo de coisa. E isso é lamentável, para usar uma palavra branda. Quando o então ministro Sergio Moro incluiu no pacote anticrime o caixa dois eleitoral a reação não foi nada mais do que extirpá-lo do pacote. E ela não avança. Esse é apenas um dos exemplos.

Todo mundo lembra no Brasil do que aconteceu com as Dez Medidas Contra a Corrupção naquela fatídica noite em que o Brasil chorava o luto da equipe da Chapecoense, naquela tragédia [em que o avião em que estava o time catarinense caiu, na Colômbia]. Essas são pequenas demonstrações de como o Congresso Nacional lida com proposições que pretendem melhorar o combate à corrupção no país. Ao invés de melhorar o combate à corrupção, a resposta é: "Vamos nos vingar de juízes e promotores que combatem a corrupção". Então é muito complicado.

Qual a percepção que se tem? Quem detém o poder usa-o em autobenefício. Infelizmente, é a percepção que os brasileiros têm de quem detém o poder. O Instituto Latinobarômetro, o mais importante da América Latina, tem essa conclusão em seu relatório anual sobre o Brasil: 93% dos brasileiros têm essa percepção sobre os detentores do poder. Isso é muito complicado.

Como mudar esse estado de coisas? Como os políticos do dia para noite não vão virar pessoas boazinhas, a única maneira de quebrar essa resistência é fazer com que as pessoas assumam essa agenda como agenda delas. Que vistam essa camisa, lutem por isso e exijam do Congresso Nacional que essa seja uma pauta prioritária. As pessoas têm que exigir. Só que agora as pessoas não estão conseguindo exigir nada porque estamos em isolamento de pandemia. Só se pode pensar em exigir alguma coisa quando o novo normal se consolidar e as pessoas conseguirem fazer essas exigências. Por ora as pessoas estão lutando para ver como  elas vão sobreviver. O futuro do combate à corrupção é complicado, é difícil saber o que, entre mortos e feridos, vai poder se salvar.

Há algo mais que o senhor queira acrescentar a essa discussão?

Roberto Livianu: Para complementar, temos um governo que se elegeu fazendo uso do trabalho da Operação Lava Jato. Houve muitas referências à Lava Jato [no discurso eleitoral de Jair Bolsonaro]. Mas, infelizmente, na prática concreta você não vê ações dirigidas ao combate à corrupção. Esse governo federal que aí está não age concretamente para debater a corrupção. Aliás, eu vejo o contrário. A Medida Provisória 966, por exemplo, é uma atitude cabal de ação pró-corrupção, porque ela é uma medida que propõe a blindagem de corruptos para não serem punidos por atos de corrupção durante a pandemia. O que é isso se não a defesa de corruptos? A Medida Provisória 924 propõe impossibilidade de acesso a informações durante a pandemia. O que é isso se não a defesa da opacidade? O Supremo, em boa hora, derrubou. Ou seja, vemos um governo federal que se disse defensor do combate à corrupção, mas que na prática concreta vai na direção diametralmente oposta.

O senhor enxerga ataques de todos os lados? De dentro da PGR, do Congresso, do governo federal...

Roberto Livianu: Exatamente. Você tem uma sociedade que quer uma luta vigorosa contra a corrupção. A sociedade ainda apoia o trabalho da Lava Jato. Você tem organizações da sociedade civil, como o Instituto Não Aceito Corrupção, que eu presido, a Transparência Brasil, a Transparência Partidária, diversos organismos que lutam contra a corrupção. Mas você tem as pessoas incomodadas por esse trabalho e os próprios corruptos que reagem a tudo isso. Fica muito difícil você sobreviver a essa situação como um todo.

Eu penso que a presença do ministro Sergio Moro no Ministério da Justiça representava uma esperança de que nós tivéssemos um avanço nessa agenda, mas a interpretação que se pode extrair dos acontecimentos é a de que ele não recebeu apoio concreto para que tudo isso acontecesse. Houve atitudes do governo federal de tentativas de interferência na Polícia Federal, nas instituições. E as agendas propostas pelo ministro Sergio Moro não tiveram respaldo da Presidência da República e acabaram levando Sergio Moro a sair do governo. A meu ver, a saída de Sergio Moro representa um fortíssimo abalo e prejuízo ao combate à corrupção porque ele é uma figura que tem uma simbologia muito forte em relação a esse enfrentamento.

Uma das interpretações dessa situação envolvendo PGR e Lava Jato é justamente a percepção de que há uma tentativa do governo federal de enfraquecer o ex-ministro Sergio Moro e não carregar o nome da Lava Jato até as eleições de 2022 para não favorece-lo [Moro é cotado como um possível candidato ao Planalto]. O senhor acha que é essa é uma interpretação possível?

Roberto Livianu: Há alguns movimentos que vem acontecendo que sugerem essa interpretação. Há alguns movimentos, sim. Algumas delações que já estavam arquivadas e foram desarquivadas sugerem um processo de perseguição ao ex-ministro Sergio Moro. Ele era tratado como um herói nacional e, no dia seguinte à sua saída do governo, as camisas com a imagem do seu rosto já eram queimadas em praça pública como as fogueiras da inquisição. Esse processo de destruição da sua imagem, de uma figura que era colocada como possível adversário em eleições futuras, isso é bastante sintomático. É sintomático esses posicionamentos processuais que venham a acontecer. Espera-se que não, mas a opinião pública tem observado algumas coisas nessa linha e o tempo dirá se isso procede ou não.

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