Apesar das muitas críticas da comunidade internacional às eleições na Venezuela, dos protestos nas ruas e das denúncias de organismos internacionais e da oposição venezuelana, além da crescente violência e perseguição promovida pelo ditador Nicolás Maduro contra opositores, o PT e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva optaram por seguir alinhados ao regime chavista.
Seja reconhecendo a vitória governista em uma “jornada democrática”, como fez o PT em nota oficial na segunda-feira (29), ou minimizando a gravidade da crise, no caso de Lula em entrevista na terça-feira (30), na qual disse não ver “nada de anormal”, o presidente e o seu partido mostraram um afastamento do compromisso com a democracia, apesar do discurso que vinham fazendo, especialmente após os atos de 8 de Janeiro em Brasília, em 2023.
O Carter Center, observador independente na eleição presidencial venezuelana, divulgou na madrugada desta quarta-feira (31) um relatório atestando que o processo não foi democrático. Este era um dos pareceres esperados pelo assessor presidencial Celso Amorim para amparar o posicionamento brasileiro sobre a crise no país vizinho, enquanto ele e Lula voltaram a cobrar a divulgação das atas de votação.
Amorim se reuniu com Maduro e o candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, na segunda-feira (29) e voltou de Caracas ainda com uma postura favorável a um acordo a ser mediado por Brasil, México e Colômbia.
Itamaraty tentou ganhar tempo, enquanto PT e Lula sinalizaram apoio a Maduro
O comunicado da instituição americana Center Carter apontou que a Venezuela enfrentou uma violação da vontade popular expressa nas urnas, perpetrada por seu ditador. Ela se soma à impressão de chefes de Estado e outros organismos e eleva a pressão sobre o governo brasileiro por um posicionamento mais claro.
O Brasil vinha tentando passar a imagem de neutralidade como aparente estratégia para ganhar tempo até um desfecho mais claro da crise. Contudo, a manifestação do PT, endossada por Lula em entrevista, acabaram por distanciar de vez do consenso formado pelas nações democráticas de que o processo eleitoral estava repleto de vícios.
O que antes estava velado sob a retórica de promoção dos países emergentes, conhecidos como Sul Global na diplomacia, ficou evidente com o episódio da Venezuela: o Brasil aposta firmemente no alinhamento a um grupo de países autoritários, incluindo Rússia, China, Cuba, Irã, Coreia do Norte e Nicarágua. Essa concertação tem sido impulsionada pela ampliação do fórum dos BRICS, originalmente composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Segundo analistas, a defesa da democracia, proclamada após a suposta tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) invadiram a Praça dos Três Poderes, perde credibilidade.
A nota do PT reconhecendo a "vitória" eleitoral do "presidente reeleito" da Venezuela revela um partido que não apenas faz uma avaliação equivocada dos fatos, mas também se alinha ao autoritarismo, sinalizando como "normal" práticas como manipulações eleitorais, perseguições a opositores e violência política.
A nota do partido descarta que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), vinculado ao governo chavista, tenha omitido dados de votação, principal demanda da oposição e de diversos países. O Itamaraty considera essa divulgação essencial para a transparência e legitimidade do pleito. O CNE afirma que Maduro venceu com 51,2% dos votos contra 44% de Edmundo González, o principal opositor, mas essa confiança nas informações é questionável e sugere conivência.
Para a oposição brasileira, o PT abandonou o compromisso formal com a democracia, subordinando seus ideais ao alinhamento ideológico com forças de esquerda na América Latina, focadas no nacionalismo e na resistência à influência dos Estados Unidos. A democracia se tornaria um mero instrumento de acumulação de poder, a ser mantido a qualquer preço, mesmo com fraudes e repressão.
A situação na Venezuela reflete ainda um contexto geopolítico e estratégico que lembra uma nova "guerra fria", distante do discurso multilateralista tradicional do Itamaraty e dos governos petistas.
Em contatos por telefone, Lula evita tratar de Maduro com líderes ocidentais
A cúpula petista, ao minar os esforços do Itamaraty para uma solução democrática, coloca Lula em uma posição complexa. O presidente brasileiro busca uma postura que não distancie o Brasil da maioria dos países do G20, que se reunirão em novembro no Rio de Janeiro. Entretanto, sua retórica parece limitada ao escapismo para contornar a situação.
Nesta terça-feira (30), Lula conversou com o presidente dos EUA, Joe Biden, reiterando a necessidade de esperar as atas eleitorais para reconhecer ou não a vitória de Maduro, postura compartilhada por Colômbia, México, Inglaterra e União Europeia.
Ainda assim, em entrevista a uma emissora da Rede Globo, Lula afirmou que a situação na Venezuela "não tinha nada de anormal" e que a contestação da oposição deveria ser encaminhada à Justiça, tentando distanciar-se da fraude eleitoral sem romper com a Venezuela, o que pode ser visto como passividade ou conivência.
Já nesta quarta (31), Lula conversou com o novo primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, por telefone, mas não tocou no assunto da crise da Venezuela, que preocupa países democráticos do mundo. Em cerca de 15 minutos de conversa, o presidente brasileiro convidou o chefe de governo britânico a participar de uma reunião contra o extremismo político, que será realizada em setembro paralelamente à Assembleia Geral da ONU.
Para o professor Daniel Afonso Silva, pesquisador de relações internacionais da USP, o Brasil “não cabe no quintal de ninguém”. Portanto, não deve ser pressionado em nível de governos por resultados específicos na questão venezuelana. No entanto, ele entende que a relação entre a população do país vizinho e o seu governo ditatorial saiu “visivelmente abalada”. Esse é um fato com que Lula também terá de lidar mais adiante, além do questionamento sobre sua postura leniente com as agressões à democracia na região.
Na Venezuela, a revolta popular diante da proclamação de uma vitória fraudulenta de Maduro, sem a comprovação pelas atas das urnas, foi duramente reprimida, resultando em 11 mortos, 48 feridos e 749 presos. Maduro acusou a oposição e países estrangeiros de incitarem um golpe de Estado. O parlamento venezuelano e o Ministério Público apoiaram o pedido do ditador de prisão para os principais opositores e controle das redes sociais, alegando conspiração e terrorismo. Após 11 anos no poder, Maduro terá mais seis anos de mandato, enquanto a vitória com 51,21% dos votos é contestada.
Na nota em que o PT descreveu a eleição venezuelana como uma "jornada pacífica, democrática e soberana", os "graves problemas" no país foram atribuídos à "violência e ingerência externa" em assuntos regionais.
"O PT seguirá vigilante para contribuir, na medida de suas forças, para que os problemas da América Latina e Caribe sejam tratados pelos povos da nossa região, sem nenhum tipo de violência e ingerência externa", concluiu a nota.
O ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yvan Gil, agradeceu ao PT pelo reconhecimento do resultado eleitoral, afirmando em uma rede social: "Agradecemos ao PT, partido governante do Brasil, por suas cálidas felicitações devido ao processo eleitoral de domingo."
Um dos quadros mais tradicionais do PT, o ex-ministro e ex-governador Tarso Genro (RS) endossou a cautela do Itamaraty com a proclamação de vitória de Nicolás Maduro como presidente, alegando ser necessário o conhecimento de todos os resultados das urnas para isso. Ele lembrou do pleito de 2022 no Brasil, com resultado acirrado decidido no fim da apuração de votos. “Com 70% dos votos considerados, Bolsonaro seria eleito presidente”, ilustrou.
Posição pró-Maduro abre dissidências dentro do PT e da base aliada
O posicionamento do PT a favor de Maduro encontra discordâncias dentro do próprio partido e entre seus aliados. O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) foi o primeiro a se manifestar contra, referindo-se a Maduro como “ditador”. “Um governo verdadeiramente democrático convive com críticas, questionamentos e oposição organizada. A atuação de Maduro na Venezuela é a postura de um ditador”, destacou.
Os senadores petistas Paulo Paim (RS) e Fabiano Contarato (ES) também expressaram preocupações. Contarato enfatizou que o resultado não pode ser reconhecido “enquanto exigências mínimas de transparência não forem satisfatoriamente atendidas”.
Paim, por sua vez, classificou a situação na Venezuela como “gravíssima” e “lamentável”, cobrando “transparência, liberdade política e respeito aos direitos humanos” para que haja democracia.
O PSB, partido do vice-presidente Geraldo Alckmin, condenou as violações de direitos humanos na Venezuela em nota assinada pelo presidente da legenda, Carlos Siqueira. “Consideramos esse regime uma ditadura e, como tal, sabíamos que ele não faria uma eleição livre, transparente e democrática”, afirmou.
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado e aliado de Lula, criticou a falta de transparência do governo venezuelano, afirmando que isso “se afasta dos valores democráticos”. Ele ressaltou a importância da lisura e transparência do processo eleitoral para garantir a vontade popular.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), afirmou nesta quarta-feira que o regime de Nicolás Maduro “não é uma democracia” e cobrou provas de transparência da eleição presidencial no país. Em entrevista ao portal Metrópoles, ela disse que “um regime democrático pressupõe eleições livres”.
Postura passiva do Itamaraty na crise venezuelana é alvo do Congresso
No Congresso Nacional ainda não está garantida uma reação contra a postura do país diante da crise na Venezuela, mas a oposição se movimenta nesse sentido.
O líder da minoria no Senado, Ciro Nogueira (PP-PI), manifestou desejo de convocar o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, para prestar esclarecimentos sobre a posição do governo brasileiro na eleição venezuelana.
“Diante da omissão, do silêncio, da conivência e da falta de reação perante o novo golpe perpetrado por Maduro em sua ditadura na Venezuela, vamos propor a convocação do ministro das Relações Exteriores no Senado com urgência. Para tentar explicar o inexplicável”, postou ele nas suas redes sociais.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), presidente da Comissão de Relações Exteriores, adiantou que vai pautar os requerimentos que pedem explicações do governo sobre sua postura em relação ao pleito no país vizinho. Até a terça-feira (30), três requerimentos sobre o assunto foram protocolados por senadores de oposição, dois dos quais de autoria da líder do PP, Tereza Cristina (MS).
A senadora pediu a convocação da embaixadora do Brasil na Venezuela, Gilvânia de Oliveira, e do assessor especial de Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim. Se os requerimentos forem aprovados, as autoridades serão obrigadas a comparecer ao colegiado.
Além disso, o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), apresentou um requerimento de convite ao chanceler Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores. Por se tratar de convite, caso o pedido seja aprovado, o ministro não terá a obrigação de comparecer ao colegiado.
Na Câmara, o deputado Luciano Zucco (PL-RS) protocolou convocação do chanceler Vieira para explicar a posição do Brasil sobre as eleições da Venezuela. O pedido foi feito na terça-feira e destaca que o ministro precisa ser claro sobre a chance de fraude no pleito venezuelano.
“Exigimos que o ministro deixe claro qual a posição oficial do Brasil sobre a grave situação que ocorreu na eleição da Venezuela. É importante salientar que durante o governo Bolsonaro, o Brasil não se associou à ditadores de países vizinhos”, disse o parlamentar nas redes sociais.
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