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O ex-presidente Lula é conduzido á prisão pela PF em Curitiba, em abril de 2018. Foto: Suamy Beydou/Estadão Conteúdo
Para especialistas, é hora de o PT deixar a prisão de Lula para trás se quiser retomar posição relevante junto à oposição ao governo Bolsonaro. Foto: Suamy Beydou/Estadão Conteúdo| Foto:

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa 365 dias na cadeia no próximo domingo, 7 de abril. Há um ano, vive em um espaço de 15 metros quadrados, no quarto andar da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. O petista cumpre a pena de 12 anos e um mês de prisão ao qual foi condenado em segunda instância no caso do tríplex do Guarujá (SP).

Órfão de seu grande líder e marcado pela corrupção que açoitou a Petrobras, o PT se vê hoje igualmente aprisionado. E busca a todo custo uma redenção improvável – provar a inocência de Lula. Mas até que ponto isso é prejudicial ou benéfico ao partido?

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Desde a prisão do ex-presidente, o partido tem ocupado boa parte da agenda em defender a liberdade dele. O partido conseguiu manter a militância mobilizada por essa "causa". Um acampamento batizado de 'Lula Livre' foi instalado em um terreno ao lado do prédio da PF onde o petista permanece preso.

O Comitê Nacional Lula Livre, que reúne lideranças do PT, PSOL e PCdoB, mais artistas, intelectuais, movimentos sociais e sindicais, segue organizando atos pedindo a liberdade do petista, indiferentes à condenação por corrupção e lavagem de dinheiro em duas instâncias da Justiça Federal.

Analistas políticos avaliam que essa é uma luta perdida e já passou da hora de o PT olhar para o futuro, entendendo que a liberdade ou a manutenção da prisão de Lula não pode ser a única agenda do partido. Focado demais na tentativa de provar a suposta inocência do ex-presidente, a legenda perdeu o protagonismo oposicionista que sustentou durante décadas.

Ressaca e 'messias único'

“O PT de hoje ainda vive a ressaca dos efeitos catastróficos de 2018”, avalia Gerson Moraes, professor e filósofo político da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Por catástrofes, Moraes entende a condenação em segunda instância e a prisão de Lula, além da derrota do partido nas urnas, sobretudo para um rival estreante no pleito para presidência da República.

“A eleição de [Jair] Bolsonaro, não tenho dúvida, é a vitória do antipetismo. Daquela votação expressiva, o capital político do Bolsonaro girou em torno de 20% ou 30%. O restante é de pessoas descontentes com o PT”, avalia.

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Moraes entende que o grande erro do PT foi ter depositado todas as fichas “em um único messias.” “A necessidade de construir outros quadros deveria ter sido pensada há muito tempo”, analisa. O filósofo entende que o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, escolhido de última hora para concorrer à presidência na impossibilidade de Lula, nunca foi uma unanimidade política por ter feito uma prefeitura regular, e que por isso não teria condições de ser alçado à posição de liderança da esquerda, herdeiro político do ex-presidente.

“Ao longo de sua história, Lula foi afastando todo mundo que pudesse fazer sombra a ele. Aquela atitude messiânica dele fez com que ele acreditasse ser a única luz que deveria brilhar. Isso foi um problema quando o partido precisou de novos quadros com carisma, com projeto, para em um momento de dificuldade, ocupar esse espaço. O partido não tinha”, observa.

Essa parece ser uma situação que interessa ao ex-presidente. Nesse último ano, várias vezes ele recebeu a visita de lideranças petistas para ser consultado e tomar decisões sobre os rumos do partido mesmo estando atrás das grades.

Demorou

O PT só oficializou a candidatura de Haddad à presidência da República no dia 11 de setembro do ano passado. Já preso à época, Lula teve a candidatura barrada pela Lei da Ficha Limpa pela condenação por lavagem de dinheiro e corrupção passiva por um colegiado de juízes.

“A gente percebeu como essa estratégia de ficar em cima da questão do Lula foi equivocada diante das eleições presidenciais de 2018”, analisa Leandro Consentino, professor e cientista político do Insper. Ele vê méritos na vitória de Bolsonaro, mas atribui muito da votação expressiva dele a, por exemplo, o atentado a faca contra o então candidato do PSL, que em tese o tirou dos debates, e ao antipetismo que tomou conta do país.

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“Essa rejeição se baseia muito no fato de que o PT colou um carimbo nele próprio, no sentido de dizer ‘somos o partido que quer o Lula livre’”, analisa. Para ele, essa associação constante com a condenação e prisão do ex-presidente cobrou um preço.

Para Consentino, Haddad representa, de certo modo, o PT que venceu as eleições em 2002, que se aproximou mais do centro com a Carta ao Povo Brasileiro, em junho daquele ano, com objetivos claros de acalmar o mercado financeiro. “Ele [Haddad] encarna esse PT social democrata, nem tão à esquerda, mas que caminha para o centro-esquerda, que quer conquistar essa parte da classe média, que foi o grande lance daquele momento [2002], quando o PT se consolidou como uma alternativa interessante.”

Na outra ponta, vê a presidente do partido Gleisi Hoffmann – que participou da posse de Nicolás Maduro, reeleito presidente da Venezuela – como a representação do PT das décadas de 1980 e 1990, “mais combativo, no sentido de buscar tese numa esquerda que não faz mais muito sentido, de apoiar um governo ditatorial”.

Um elemento dessa polarização veio à tona em fevereiro deste ano, quando Gleisi e Haddad se estranharam em reunião da Executiva Nacional do PT, em São Paulo.  Os dois se desentenderam a respeito da decisão da presidente do partido de ir à "posse" do ditador venezuelano.

Setores da sigla também reclamaram do fato de Gleisi ter tomado a iniciativa sem consultar a direção e viram no gesto dela um movimento rumo à esquerda petista e aos movimentos sociais em busca de apoio para sua reeleição. O mandato de Gleisi termina este ano.

PT deixou vácuo de poder na esquerda

Após as eleições, outros partidos como PSOL e PDT tentaram ocupar o vácuo de poder deixado pelo PT, mas ainda sem muito sucesso.

O debate sobre a reforma da Previdência, que começou quente na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados na última quarta-feira (3) é, para Moraes, a oportunidade ideal para o PT tentar retomar sua relevância junto à oposição. “O PT vai ter que afinar seu discurso, porque o PSOL cresceu. Hoje você tem uma oposição muito mais vinculada ao PSOL, que talvez represente os anseios de uma classe trabalhadora, e a imagem do PT está muito arranhada nesses setores”, avalia.

Consentino entende que as eleições de 2018 demonstraram um enfraquecimento da esquerda e também do centro – ele concorda com o colega ao lembrar que as trapalhadas do governo Bolsonaro acabam eclipsando o papel da oposição. E que para arrumar a casa, o PT precisa tentar “superar a questão Lula”. “O partido precisa ter postura forte”, sugere.

“Com essa postura, o PT se coloca no banco dos réus junto com o Lula. Se a gente pensa em um partido como um agrupamento de pessoas que busca ganhar eleições para implantar políticas públicas, essa não é a melhor alternativa para eles. Se eles querem se converter em uma central de defesa do Lula, ótimo, mas isso não é o objetivo de um partido político. Não é o que vai trazer o partido de volta para uma vitória nas eleições.”

Novos ventos sopram do Nordeste

Consentino vê, no entanto, sinalizações positivas dentro do partido. E cita governadores petistas de estados do Nordeste como nomes mais abertos ao diálogo com outras lideranças.

Ele lembra do governador reeleito do Ceará, Camilo Santana, que demonstrou apoio à reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara. E defendeu o desabafo do senador Cid Gomes (PDT-CE), que criticou o PT por não fazer uma autocrítica durante as eleições presidenciais. “Talvez se o PT caminhar nesse sentido tenha mais sucesso do que permanecer isolado, como vinha fazendo.”

Também reeleito ao Executivo da Bahia, o petista Rui Costa defendeu, no último dia 1º, a aprovação da reforma da Previdência, proposta pelo governo federal, com apenas quatro alterações. Ele bate de frente com o partido, que é contra todo o texto.

Costa criticou o PT pelo boicote à posse de Bolsonaro e defende uma trégua da oposição em início de mandato. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, disse estar “perplexo” com o que avalia como vazio de propostas de Bolsonaro. Mas defendeu que a desarticulação do Planalto não interessa a ninguém, nem à oposição.

“Os governadores do Nordeste não estão buscando uma postura de isolamento, e sim de diálogo. Talvez se o PT caminhar nesse sentido, tenha mais sucesso do que permanecer isolado como vinha fazendo”, conclui.

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