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PT gasta verba pública para elaborar programa interno contra a corrupção
Militantes exibem bandeira do PT: contrato do programa de compliance foi firmado com escritório de advogado que ajudou na defesa de Lula.| Foto: Antônio More/Arquivo/Gazeta do Povo

Recursos do Fundo Partidário, constituído por dinheiro público, foram usados pelo PT para bancar um contrato de R$ 160 mil com um escritório de advocacia de Curitiba destinado à “implementação de um programa de integridade no âmbito do Diretório Nacional” da legenda. A empresa contratada pelo PT para a elaboração desse programa de compliance foi o escritório França da Rocha & Advogados Associados, cujo sócio-proprietário auxiliou a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando ele estava preso em Curitiba. O projeto de auditoria deveria ter sido concluído em novembro do ano passado, mas ainda está em curso.

Compliance é um termo que define o conjunto de regras que uma instituição estabelece para si própria com o objetivo de cumprir leis e obrigações normativas. Pode ser considerado um programa anticorrupção. Em princípio, esse conjunto de regras também deve estabelecer punições para quem as descumpre.

O PT tem um código de ética vigente desde 2009, que prevê punição a seus integrantes que tenham algum envolvimento em esquemas de corrupção. As sanções previstas pelo partido em atos de corrupção variam de advertência à expulsão, com cancelamento de filiação partidária. No escândalo da Lava Jato, contudo, os petistas envolvidos receberam o apoio do partido e não uma punição.

Escritório tem como fundador um advogado que é próximo de Lula

O escritório de advocacia contratado pelo PT não cita em seu portfólio de trabalho atuações em consultorias para boas práticas institucionais ou realizações de auditorias independentes.

Em resposta à Gazeta do Povo, o escritório informou que possui uma "equipe qualificada para a execução do objeto do contrato" e que "tem 36 anos de atividade advocacia, ao longo dos quais prestamos serviços para instituições públicas e privadas, nas esferas judicial e administrativa, inclusive em processos internos envolvendo organização de procedimentos de controles e de boas práticas".

O fundador do escritório é o advogado Luiz Carlos da Rocha, conhecido no meio jurídico como Rochinha. Ele se aproximou de Lula quando o ex-presidente estava preso em Curitiba, entre abril de 2018 e novembro de 2019. O advogado também deu suporte jurídico ao petista no período

Rochinha nega que tenha sugerido esse contrato de compliance à Lula ou à presidente do PT, Gleisi Hoffmann.

O PT, por sua vez, afirma que a sigla "utiliza recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral rigorosamente de acordo com a lei, seguindo diretrizes aprovadas democraticamente em suas instâncias internas e prestando contas regularmente à Justiça Eleitoral, inclusive sobre a aplicação de recursos próprios". Para o partido, "é esta transparência que proporciona a fiscalização da sociedade e até a publicação de matérias jornalísticas editorialmente tendenciosas". O partido não esclareceu quais foram os critérios adotados para a contratação do escritório.

O que prevê o contrato para elaborar o programa de compliance do PT

O contrato para elaboração de um programa de compliance firmado pelo PT prevê a apresentação de um “conjunto de orientações voltadas ao aprimoramento e às boas práticas de gestão interna, de modo a garantir o respeito inequívoco da legislação aplicada às suas atividades, conferindo segurança e confiabilidade nas ações do partido”.

Entre as atividades que terão de ser desenvolvidas pelo escritório estão a disponibilização de um diagnóstico institucional de riscos internos; a criação de um código de ética e conduta vedada aos dirigentes partidários; a elaboração de normas de organização e procedimento das comissões incumbidas da aplicação do Código de Ética e de Conduta, com a disponibilização padronizada das peças dos processos disciplinares. Também está prevista, até mesmo, a criação de procedimentos anticorrupção, mediante apresentação de manual de conduta.

Descrição dos serviços do contrato para formalizar boas práticas no PT.
Descrição dos serviços do contrato para formalizar boas práticas no PT.

Escritório não cita em portfólio expertise em compliance

O contrato foi assinado em 13 de maio de 2019 e, pelo acordo entre o escritório de advocacia e o PT, o pagamento ocorrerá da seguinte forma: a primeira parcela, de R$ 70 mil, até dez dias após a assinatura do contrato com as demais seis parcelas, de R$ 15 mil cada, vencendo no último dia útil de cada mês. A vigência do acordo era de 180 dias (seis meses), mas o trabalho de auditoria ainda está em curso.

O escritório contratado pelo PT para realizar o programa de compliance do partido cita como áreas de suas atuações: arbitragem, transporte terrestre, radiodifusão, direito ambiental, advocacia recursal, licitações e contratos administrativos, direito contratual e societário, direito tributário, trabalhista, empresarial, relações de consumo, responsabilidade civil, direito da saúde e contratos bancários. Nenhuma delas ligadas a auditorias externas.

Além disso, o fundador do escritório, Luiz Carlos da Rocha, afirma em seu portfólio que “acumula a realização de inúmeras palestras e artigos publicados em revistas especializadas, relacionados a temas de direito do consumidor, contratos bancários e responsabilidade civil médica”.

Em resposta à Gazeta do Povo, Rochinha declarou que "nem toda a gama de serviços prestados pelo escritório ao longo desses anos está consignada no portfólio". "Alerto que o trabalho de conformidade dos partidos políticos não guarda relação automática com o que usualmente é aplicado em empresas e instituições públicas dada a natureza da organização, tratando-se de uma novidade", diz o advogado.

Vigência do acordo era de 180 dias contados a partir da assinatura
Vigência do acordo era de 180 dias contados a partir da assinatura

Proposta de compliance foi aprovada em 2018; código de ética do PT é de 2009

A proposta para a realização de um programa de compliance foi aprovada durante reunião da executiva nacional do PT de dezembro de 2018 como resposta a três problemas enfrentados pelo PT na época e que perduram até hoje: a associação com esquemas de corrupção – principalmente após os desdobramentos da Operação Lava Jato –; o acúmulo de dívidas de integrantes do partido, que foram assumidas pela executiva nacional; e a redução do nível de arrecadação do PT em decorrência da diminuição de sua bancada na Câmara Federal. Em 2014, o PT elegeu 69 deputados; em 2018, foram 56 – o tamanho da bancada impacta na distribuição de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral.

Embora tenha contratado um escritório de advocacia para averiguar contas e elaborar procedimentos anticorrupção, o PT já possui um código de ética, aprovado em junho de 2009, que prevê penalidades a integrantes do partido envolvidos em esquemas de corrupção e que tinha exatamente esse objetivo: dar maior transparência às atividades do partido e de seus membros.

O código de ética havia sido elaborado sob coordenação do então secretário-geral do PT José Eduardo Cardozo e pelo então presidente do partido, Ricardo Berzoini. Cardozo foi ministro da Justiça nos dois mandatos de Dilma Rousseff, entre janeiro de 2011 e março de 2016. Ele deixou a pasta para se dedicar à defesa da ex-presidente no processo de impeachment. E Berzoini também é ex-ministro das Comunicações e da Secretaria-Geral de Governo de Dilma.

Segundo o artigo 3º do código de ética do PT, são princípios éticos fundamentais que devem orientar a conduta de todos os filiados: “o respeito à moralidade administrativa, à coisa pública e à transparência na gestão de recursos públicos de qualquer natureza, e por consequência, o combate a práticas patrimonialistas e clientelistas nas relações com aqueles que exercem função pública”.

PT questiona reportagens que cobram o uso de verba pública pelo partido

O PT alega que "o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral são conquistas democráticas no sentido de reduzir a influência do poder econômico sobre o processo político".

Em nota, a legenda questiona reportagens que questionam a forma como o partido usa esses recursos públicos. "As sistemáticas tentativas de desqualificar e até mesmo criminalizar a utilização legítima e legal destes recursos, por meio de setores da mídia e de organizações que não praticam a transparência que pregam, é frequentemente pautada por atores políticos e partidos privatizados pelos interesses escusos que representam", declara o partido.

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