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Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.
Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.| Foto:

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou nesta quarta-feira (18) a queixa-crime apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro contra Alexandre de Moraes, na qual o acusava de abuso de autoridade na condução do inquérito das fake news. Segundo Toffoli, os fatos descritos na ação “não trazem indícios, ainda que mínimos, de materialidade delitiva” e não haveria “nenhuma possibilidade de enquadrar as condutas imputadas em qualquer das figuras típicas apontadas”

Na ação, o advogado constituído por Bolsonaro, Eduardo Magalhães, diz que Moraes teria cometido cinco crimes de abuso de autoridade na condução do inquérito das fake news:

  • Estender injustificadamente uma investigação, prejudicando o investigado;
  • negar às defesas acesso integral aos autos;
  • prestar informação falsa sobre o procedimento (no caso, por ter dito que deu acesso do inquérito aos advogados);
  • impor medida sem amparo legal (bloqueio integral de contas de parlamentares investigados nas redes sociais);
  • instaurar investigação contra Bolsonaro sem indício de crime.

Ao negar seguimento à queixa, Toffoli afirmou que o pressuposto desses crimes é que haja “finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, a indicação de mero capricho ou satisfação pessoal”.

“Com efeito, não constam da ‘notícia-crime’ nenhum destes elementos, razão pela qual o simples fato de o referido Ministro ser o relator do INQ 4.781/DF não é motivo para se concluir que teria algum interesse específico, tratando-se de regular exercício da jurisdição”, escreveu o ministro na decisão.

Ele acrescentou que as acusações de Bolsonaro contra Moraes sequer poderiam ser usadas para apontar sua suspeição para tocar o inquérito das fake news e que as objeções da defesa à atuação do ministro no caso devem ser apontadas no âmbito da própria investigação, não cabendo a outro ministro – no caso, o próprio Toffoli – analisá-las “fora do contexto daqueles autos”. Depois, registrou que vários questionamentos à condução de Moraes foram rebatidos pelo plenário do STF num julgamento de 2020 que negou a extinção do inquérito.

Por fim, lembrou que a própria lei de abuso de autoridade, usada por Bolsonaro para acusar Moraes, rechaça a possibilidade de punir juízes ou procuradores pelo chamado “crime de hermenêutica”. Segundo a norma, “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade”.

“De fato, o Estado Democrático de Direito impõe a todos deveres e obrigações, não se mostrando consentâneo com o referido enunciado a tentativa de inversão de papéis, transformando-se o juiz em réu pelo simples fato de ser juiz”, escreveu Toffoli.

Chances baixas de ação prosperar

Com a decisão de Toffoli, ficam ainda menores as chances de abertura de uma investigação contra Moraes. Essa hipótese ainda existe se Bolsonaro recorrer e o plenário da Corte reverter o arquivamento. Mas dentro da própria Procuradoria-Geral da República (PGR), segundo apurou a Gazeta do Povo, faltam alguns elementos fundamentais para o avanço do processo. O órgão tem papel preponderante na avaliação sobre a existência ou não de crime e, desde a instauração do inquérito das fake news até o momento, não apontou abuso de Moraes no caso.

O primeiro problema, segundo juristas que integram a PGR e o STF ouvidos pela reportagem, sob reserva, é que uma queixa-crime como a apresentada por Bolsonaro diretamente contra Moraes só pode ser ajuizada se ficar patente a omissão do Ministério Público.

“Trata-se de uma situação bastante excepcional”, disse um subprocurador consultado pela reportagem. Em geral, isso ocorre quando a vítima de um abuso pede previamente ao MP a investigação sobre a ocorrência de um abuso, por meio de uma representação. Esse ato não foi comunicado pelo advogado na queixa-crime, nem há notícia de que isso tenha sido feito na PGR.

Em segundo lugar, a própria PGR poderá alegar que acompanha de perto o inquérito das fake news. Apesar de em 2019 a então procuradora-geral Raquel Dodge ter opinado em favor de seu arquivamento, depois que o órgão foi assumido por Augusto Aras, passou a atuar na investigação – embora em boa parte das vezes contra os atos de Moraes.

Mas só o fato de ter acesso ao inquérito e ser consultada sobre as medidas autorizadas pelo ministro, bem como aos pedidos feitos diretamente a ele pela Polícia Federal, já daria à PGR motivos para alegar que fiscaliza a aplicação da lei e a eventual ocorrência de abusos.

De qualquer modo, no caso da apresentação de uma ação privada – isto é, diretamente da vítima contra o suposto agressor – o MP sempre pode assumir o caso. A Lei de Abuso de Autoridade diz que o órgão pode “aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal”.

Em geral, quando um ministro recebe uma queixa diretamente da suposta vítima de um abuso, o procedimento comum é que ele peça uma manifestação da PGR sobre as acusações, que poderá então formalizar sua visão sobre o caso, opinando ou não pela ocorrência de crime. Toffoli sequer abriu vista para um parecer do órgão, optando pelo arquivamento imediato da queixa de Bolsonaro.

Era uma possibilidade considerada mais remota dentro do STF e que só é adotada em caso de acusações “teratológicas” (absurdas). Inicialmente, era esperado que o ministro só começasse a analisar a queixa a partir da quinta-feira (18), quando retorna a Brasília de uma viagem internacional à República Dominicana. Ele antecipou a análise e despachou no caso no início da tarde desta quarta.

A defesa de Bolsonaro ainda pode recorrer desta decisão ao plenário do STF, que, neste caso, teria a palavra final. Nessa situação, Moraes ficaria impedido de julgar o recurso por ser a parte acusada.

Outra possibilidade, já cogitada dentro da PGR e do STF, é o advogado do presidente pedir a suspeição ou impedimento de Toffoli, pois foi ele quem abriu de ofício o inquérito das fake news e escolheu Moraes como relator, sem sorteio. É uma possibilidade que arrastaria ainda mais o caso. Isso porque caberia inicialmente ao próprio Toffoli avaliar se está apto ou não a analisar o caso, antes de qualquer ato, inclusive pedir a manifestação da PGR sobre as acusações.

Se ele negar suspeição ou impedimento, a defesa de Bolsonaro também poderia recorrer ao plenário dessa decisão sobre a relatoria. A análise da queixa em si ou da relatoria por parte dos demais ministros ainda dependeria do presidente do STF, Luiz Fux, que define a pauta de julgamentos.

Queixa afasta Moraes de investigações contra Bolsonaro?

Juristas consultados pela reportagem consideram inviável a possibilidade de a queixa de Bolsonaro afastar Moraes das investigações que conduz contra o presidente – não apenas o inquérito das fake news, mas também que apura a existência de “milícias digitais”, outro sobre a suposta interferência na Polícia Federal e também um sobre a divulgação de uma investigação sobre a invasão hacker de 2018 ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Existe uma jurisprudência consolidada, não apenas no STF mas em todo o Judiciário, que considera esse expediente uma manobra processual para blindar alguém investigado. Em geral, queixas do tipo acusam um juiz ou promotor de perseguição pessoal. Em casos assim, o próprio Código de Processo Penal diz que “a suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida, quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la”. Esse dispositivo, inscrito no artigo 256 do CPP, também foi citado por Toffoli para rechaçar a eventual alegação de suspeição de Moraes.

Algo semelhante ocorreu no caso do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), que pediu a Fux para declarar Moraes suspeito – o advogado acusou o ministro de tolher o exercício pleno da defesa. O presidente do STF rejeitou o pedido de afastamento de Moraes, apontando que não ficou demonstrada, “de forma objetiva e específica”, por que o ministro teria atuado “movido por razões de ódio, rancor ou vingança”.

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