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Ministro Alexandre de Moraes
Ministro do STF, Alexandre de Moraes| Foto: Divulgação/STF

Uma das últimas declarações públicas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na quarta-feira (29) foi para dizer que ele pretende insistir na nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal (PF). "Eu quero o Ramagem lá. É uma ingerência, né? Vamos fazer tudo para o Ramagem. Se não for, vai chegar a hora dele, e vamos colocar outra pessoa", afirmou a apoiadores no Palácio da Alvorada.

A manifestação de Bolsonaro indicou que a disputa judicial em torno do nome de Ramagem deve se prorrogar pelas próximas semanas, e tende a gerar mais atritos entre o governo e o Poder Judiciário, e mesmo entre braços do próprio Executivo.

A contestação se iniciou após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acatar uma ação movida pelo PDT e emitir uma liminar impedindo a nomeação de Ramagem como diretor-geral da PF, na manhã da quarta. Horas depois, a Advocacia-Geral da União (AGU) disse que não recorreria da decisão do ministro. Mas Bolsonaro primeiro falou, durante cerimônia no Palácio do Planalto, que queria ter Ramagem em seu governo; depois reiterou a ideia, no Alvorada, e desautorizou a AGU: "quem manda sou eu".

A indicação de Ramagem para o posto motivou críticas por conta de uma suposta proximidade que ele teria com o presidente e familiares de Bolsonaro. Ele foi responsável pela segurança do então candidato Bolsonaro durante a disputa eleitoral de 2018 e se tornou amigo de Carlos, o filho 02 do presidente da República.

A exoneração do antigo diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, foi um dos motivos que levou ao racha entre Sergio Moro e Bolsonaro, que culminou no pedido de demissão do agora ex-ministro da Justiça. Carlos é investigado pela própria PF, pela acusação de comandar um esquema de disseminação de notícias falsas na internet.

O que alega Alexandre de Moraes para barrar nomeação de Ramagem?

A decisão em que Moraes impede a posse de Ramagem como diretor-geral da PF tem 15 páginas. As argumentações do ministro dividem-se em dois grandes blocos: o primeiro é com suas justificativas para a sua tomada de decisão sobre uma definição do presidente da República, e o segundo contém explicações sobre o caso propriamente dito, e muitas menções às acusações feitas pelo ex-ministro Moro.

Entre as explanações do primeiro bloco, Moraes menciona que, se por um lado o presidente tem o direito de exercer "o juízo de conveniência e oportunidade para escolher aqueles que entender como as melhores opções para o interesse público no âmbito dos Ministérios e, como na presente hipótese, na definição da chefia da Polícia Federal", por outro "o chefe do Poder Executivo deve respeito às hipóteses legais e moralmente admissíveis, pois, por óbvio, em um sistema republicano não existe poder absoluto ou ilimitado".

"Logicamente, não cabe ao Poder Judiciário moldar subjetivamente a Administração Pública, porém a constitucionalização das normas básicas do Direito Administrativo permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos", diz outro trecho do documento elaborado por Moraes. "O Supremo Tribunal Federal, portanto, tem o dever de analisar se determinada nomeação, no exercício do poder discricionário do Presidente da República, está vinculada ao império constitucional", aponta ainda o relato.

Já no segundo grupo de argumentações, um dos principais elementos citados por Moraes é a caracterização que o ministro faz da PF não como "órgão de inteligência da Presidência da República", mas sim "polícia judiciária da União, inclusive em diversas investigações sigilosas". Antes desse ponto, porém, Moraes elenca trechos do pronunciamento do ex-ministro Moro no último dia 24, como o suposto interesse de Bolsonaro em ter, no comando da PF, “uma pessoa do contato pessoal dele”, “que pudesse ligar, colher informações, colher relatórios de inteligência”.

O ministro chega a mencionar as mensagens que Moro trocou com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que foram cedidas pelo ex-juiz à TV Globo e exibidas pelo Jornal Nacional no dia 24. Nelas, Zambelli diz a Moro que ele deveria aceitar a indicação de Ramagem para o comando da PF, sob a alegação de que isso facilitaria sua nomeação futura para o cargo de ministro do STF.

Moraes ainda traz para a decisão o fato de o seu colega de Supremo, ministro Celso de Mello, ter autorizado a abertura de um inquérito para apurar as denúncias de Moro.

A decisão de Moraes motivou críticas de apoiadores de Bolsonaro, que resgataram fotos do ministro, tiradas antes de ele chegar à corte, ao lado de políticos do PSDB, como o governador de São Paulo, João Doria - que se converteu em um dos principais adversários do presidente da República por conta da gestão do combate à pandemia de coronavírus.

Controvérsias jurídicas

As justificativas apresentadas por Moraes para a sua decisão não foram unanimemente aceitas na comunidade jurídica. Para alguns operadores do direito, o ministro "atropelou" competências que são exclusivas do Poder Executivo, que tem liberdade para, entre outros aspectos, designar cargos de livre nomeação. Já outros juristas veem que o veto a nomeações controversas, quando há elementos que justifiquem a intervenção, faz parte das atribuições do Judiciário.

O advogado Thiago Guimarães, sócio do escritório Guimarães Parente Advogados, é da primeira linha de raciocínio. "Não tenho dúvidas [de que houve interferência indevida]. A nomeação é uma questão discricionária do presidente. E ninguém vai colocar em um cargo importante um inimigo. Espera-se que coloque uma pessoa de confiança". A deputada Bia Kicis (PSL-DF), que é procuradora aposentada e aliada de Bolsonaro no Congresso, manifestou análise semelhante. Em vídeo divulgado nas redes sociais, ela chamou a decisão de Moraes de "perseguição política".

Já o advogado e professor Maurício Zockun, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, tem opinião distinta: "Alexandre de Moraes não violou as prerrogativas do Executivo. O presidente da República pode muito, mas não pode tudo. Todos os atos de quem exerce o poder são submetidos a controle - e o presidente, como qualquer cidadão, está submetido ao império da lei".

Para Zockun, o ponto que mais motivou a necessidade da intervenção do Judiciário foi o fato de Bolsonaro ter dito publicamente que gostaria de receber "relatórios diários" sobre a atuação da Polícia Federal. O presidente mencionou isso em seu pronunciamento da sexta-feira (24), feito em resposta a Moro.

"É claro que existe discricionariedade, mas ela tem um limite. Bolsonaro pode nomear quem ele quiser, mas tem que ter razões. A Constituição garante a ele o silêncio nesse aspecto, ele não precisa justificar suas nomeações. Mas como ele falou sobre querer os relatórios, pode ser avaliado por isso. É preciso entender se houve um desvio de finalidade ou não. Essa é a essência", declarou.

Governo retirou nomeação. Caso encerrado?

Horas depois da divulgação da decisão de Moraes – e antes de Bolsonaro dizer que "manda" na AGU e que iria insistir na nomeação de Ramagem – o governo publicou no Diário Oficial que estava retirando a indicação. "Ele se antecipou. Em cumprimento à decisão judicial, fez cumprir, retirou a medida. Se não retirasse, poderia ter complicações", avaliou Thiago Guimarães.

A decisão do presidente, entretanto, pode não encerrar o assunto, segundo Zockun, ainda que o Executivo siga a orientação inicial da AGU e não apresente recurso contra a decisão de Moraes. Isso porque todo o episódio envolvendo a nomeação de Ramagem pode motivar investigações sobre a conduta de Bolsonaro no caso. "O 'conjunto da obra' pode indicar uma prática de crime por parte do presidente", alegou Zockun.

Outras ações sobre o caso Ramagem

Além do PDT, outros partidos acionaram o Judiciário para contestar a indicação de Ramagem para a diretoria da PF. O PSB, por meio do deputado Aliel Machado (PR), pediu esclarecimentos sobre a demissão de Mauricio Valeixo, e a Justiça Federal deu, na terça-feira (28), prazo de 72 horas à União para que apresente os motivos. Já os senadores Fabiano Contarato (ES) e Randolfe Rodrigues (AP), ambos da Rede, foram ao Judiciário para barrar o desligamento de Valeixo, mas tiveram seu pedido vetado – o juiz do caso entendeu que a medida era de competência exclusiva do Poder Executivo.

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