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Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Tribunal Superior Eleitoral (TSE).| Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE.

A reforma eleitoral e o voto impresso auditável não são as únicas pautas que podem alterar regras nas eleições de 2022. A Câmara também deve votar a reforma do Código Eleitoral, a Lei nº 4.737/65. Sob pretexto de trazer um regramento único e segurança jurídica para o processo eleitoral — como defende o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) —, a proposta será debatida na volta do recesso parlamentar, em agosto.

A reforma do Código Eleitoral será discutida por meio de um Projeto de Lei Complementar (PLC) proposto pela deputada federal Margarete Coelho (PP-PI). Ela foi a relatora da matéria no grupo de trabalho que debateu o tema entre abril e junho. O parecer foi apresentado a Lira em 23 de junho.

A minuta do PLC a qual a Gazeta do Povo obteve acesso tem 903 artigos dispostos em 360 páginas. O texto propõe desde as normas fundamentais do direito eleitoral e suas aplicações, que vão do artigo 1º ao 7º, até a tipificação de crimes eleitorais e disposições transitórias, que começa no 890º.

Por ter sido discutido em um grupo de trabalho por 15 deputados, a ideia de Lira é propor a tramitação diretamente no plenário da Câmara, segundo afirmam deputados nos bastidores. Sendo um PLC, será necessária a maioria absoluta de votos favoráveis, ou seja, 257.

Quais as chances de aprovação da reforma do Código Eleitoral

Apoiada pelo Centrão, a reforma do Código Eleitoral tem todas as condições políticas para ser aprovada. Um dos principais motivos é o fato de a matéria propor temas que, na prática, reduzem atribuições do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Como informou a Gazeta do Povo anteriormente, lideranças articulam nos bastidores formas de limitar os poderes do TSE. É algo que se discute nas PECs 125/11, a que propõe o voto distritão, e a 135/19, a do voto impresso auditável.

Favoráveis a ampliar a independência partidária, as legendas propuseram, por exemplo, mecanismos que impeçam o TSE de inovar no ordenamento jurídico e contrariar legislação feita pelo Congresso Nacional.

Embora tenha base para ser aprovada, a proposta tem sido criticada por entidades defensoras da transparência, que acusam a matéria de representar retrocessos eleitorais. O PLC prevê brechas ao uso indiscriminado do fundo partidário e dificulta a fiscalização das contas partidárias, por exemplo.

Como a reforma do Código Eleitoral impede o TSE de "legislar"

A reforma do Código Eleitoral propõe medidas com objetivo prático de evitar que o TSE "legisle". O artigo 133 é o que impõe limites à função regulamentar da Corte. A redação estabelece nominalmente que o TSE poderá expedir regulamentos que versem sobre: estrutura e funcionamento interno dos órgãos; atendimento aos cidadãos e aos partidos políticos.

O tribunal também poderá regulamentar procedimentos necessários para: a realização das eleições; de habilitação temporária e funcionamento dos locais de instalação das sessões eleitorais; prestações de contas das campanhas eleitorais e dos exercícios financeiros dos partidos políticos; de vigência limitada aos períodos e circunstâncias de desastres sociais e naturais.

Os parágrafos primeiro e segundo deixam claro, contudo, o alcance dos limites do TSE para regulamentar. Eles estabelecem que, na "hipótese de regulamentação que exorbite os limites e atribuições" previstos no artigo, o Congresso poderá "sustá-lo com eficácia imediata" mediante decreto legislativo.

"O TSE não poderá editar regulamentos em contrariedade com a Constituição e com este Código, tampouco restringir direitos ou estabelecer sanções distintas daquelas previstas em lei", diz o segundo parágrafo do artigo 133. A Constituição já permite o Congresso em sustar efeitos e decisões por decreto legislativo, mas os deputados decidiram dar mais segurança jurídica ao reforçar isso na reforma.

Fidelidade partidária: quando o TSE "legislou" contra os partidos

A fidelidade partidária é citada por algumas lideranças do Congresso como um exemplo de quando o TSE "legislou". Em 2007, a Corte estabeleceu por resolução regras sobre a troca de partido, deixando claro que a possibilidade de mudança de legenda sem perda de mandato só valeria para as eleições proporcionais, ou seja, de vereador, deputado estadual e deputado federal.

A resolução, que ainda disciplinou o processo de perda de cargo eletivo e de justificação de desfiliação partidária, foi alvo de crítica pelos partidos. A ponto de que estar sendo alvo de reforma na PEC 125. A relatora, deputada Renata Abreu (Podemos-SP), diz que a pauta "está a reclamar aperfeiçoamentos, sobretudo pelo fato de ter sido resultante de uma construção pretoriana [ativismo judicial]".

O parecer mantém a fidelidade partidária para vereadores, deputados estaduais e federais, mas abre uma brecha para que esses legisladores deixem seus partidos na hipótese de anuência do partido ou de "outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei" — ou seja, não em uma resolução do TSE. O dispositivo impede, contudo, que o legislador leve consigo recursos do fundo partidário na troca de sigla.

Quais os retrocessos eleitorais ao processo de transparência

Entidades defensoras da transparência alertam para os riscos da reforma do Código Eleitoral. O inciso IV do artigo 69, que dispõe sobre a aplicação dos recursos do fundo partidário, traz em sua redação a possibilidade de gastos em "demais processos judiciais e administrativos de interesse partidário".

O texto é tão abrangente que entidades como a Transparência Internacional e o Movimento Transparência Partidária entendem que permite o uso do fundo partidário para quaisquer despesas. O texto também acaba com o sistema da Justiça Eleitoral usado para a prestação de contas partidárias e dificulta a fiscalização pelos técnicos.

A reforma propõe, ainda, que recursos públicos usados irregularmente pelos partidos serão devolvidos apenas "em caso de gravidade". Também estabelece o teto de R$ 30 mil como valor máximo para multar partidos que tiverem suas contas rejeitadas. Ambos são pontos destacados pelas entidades, que elencam cerca de 20 retrocessos.

O PLC diminui o prazo para que a Justiça Eleitoral analise as contas dos partidos políticos de cinco para dois anos e retira o caráter jurisdicional e atribui caráter administrativo às prestações de contas, o que dificulta a aplicação de penalidades aos partidos e facilita a prescrição.

A reforma ainda possibilita os partidos contratarem empresas privadas de auditoria para fiscalizar suas próprias contas e retira o poder consultivo dos tribunais eleitorais e o poder regulamentar do TSE sobre os procedimentos para prestação de contas partidárias e de campanha.

O texto também retira da Justiça Eleitoral a análise das contas das fundações partidárias, que recebem recursos do fundo partidário e a transfere para o Ministério Público, em contrariedade a uma decisão do TSE.

Reforma do Código Eleitoral também blinda candidatos políticos

As observações de retrocessos ao processo de transparência são apontados por 34 entidades que se uniram para alertar os riscos e fazer observações às reformas eleitoral e do Código Eleitoral. O manifesto pode ser consultado em www.reformaeleitoral.org.br.

Além dos retrocessos à transparência, também são alertados riscos de blindagem de candidatos políticos. A proposta sugere que, após o registro da candidatura, os candidatos não podem responder por quaisquer causas de inelegibilidade infraconstitucionais.

O crime de caixa dois, que, hoje, é enquadrado como "falsidade ideológica", passa a ser tipificado, mas com pena máxima passível de acordo de não persecução penal com o Ministério Público. O texto também restringe a aplicação de multa no caso de propaganda eleitoral aos casos em que ocorrer "acusações inverídicas graves e com emprego de gastos diretos". Para as entidades, isso pode levar a um aumento dos discursos de ódio e ofensas pessoais.

A proposta também descriminaliza o transporte irregular de eleitores, que passa a ser infração cível, punida com multa de R$ 5 mil a R$ 100 mil. Ela revoga crimes como o uso de alto-falantes, comício ou carreata e boca de urna no dia da eleição.

O texto também passa a condicionar a cassação de mandato à presença cumulativa de alguma forma de violência e a demonstração de "probabilidade de nexo causal entre a conduta ilícita e o resultado da eleição". Tal condicionamento inviabilizaria a pena em caso de compra de votos.

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