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Sede da Previdência Social em Curitiba
Reforma da Previdência será promulgada na próxima terça-feira (12) pelo Congresso Nacional.| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Após anos de discussões e tentativas frustradas, a Previdência Social brasileira sofreu mudanças profundas em 2019. Apesar de ter sido desidratado ao longo da tramitação no Congresso, o texto aprovado deve resultar em uma economia de R$ 800 bilhões em dez anos – um alívio para as contas do sistema, que enfrenta saldos negativo há tempos. De acordo com dados do Tesouro Nacional, a Seguridade Social – que reúne Previdência, Saúde e Assistência Social – teve R$ 281 bilhões de déficit só no ano passado.

A reforma aprovada em 2019 procura estancar a sangria ao estabelecer, por exemplo, a idade mínima para pedir o benefício. As alterações atacam, ainda, o problema da arrecadação, com medidas como o aumento da alíquota de contribuição no INSS.

O que a reforma não abrange, entretanto, é um problema estrutural que já está batendo à porta não só do sistema brasileiro, mas também da seguridade social em outros países do mundo. São as alterações no mundo do trabalho, ou seja, na base de arrecadação para os benefícios concedidos hoje e no futuro.

Informalidade reduz número de contribuintes da Previdência

Um relatório publicado pela OCDE em 2018 aponta os novos contratos de trabalho como um dos principais elementos que desafiam a seguridade social em vários países do mundo. Regimes como o trabalho autônomo, temporário e online estão se popularizando, sem que as regras dos sistemas de Previdência acompanhem essas alterações.

No Brasil, a reforma trabalhista, aprovada durante o governo de Michel Temer (MDB), criou novas modalidades de trabalho contribuindo para agravar um problema que já era estrutural. "A arrecadação no sistema brasileiro advém, primordialmente, da folha de salários, que está ligada a trabalhos formais – ou seja, aqueles que são contínuos, estáveis e sem previsão de término", explica Débora d'Arcanchy, pesquisadora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), em Brasília. Esse tipo de regime de trabalho, no entanto, vem perdendo espaço nos últimos anos.

Dados do IBGE divulgados no fim de outubro mostraram um recorde – em números absolutos – da população ocupada no Brasil desde o início da série histórica, em 2012. Segundo o IBGE, no trimestre que se encerrou em setembro de 2019 eram 93,8 milhões os trabalhadores ocupados, cerca de 459 mil mais que no trimestre anterior.

O recorde, porém, se relaciona ao aumento no emprego sem carteira assinada no setor privado (de 2,9% de um trimestre para o outro, somando 11,8 milhões de empregados) e também aos trabalhadores autônomos (que tiveram acréscimo de 1,2%, somando 24,4 milhões de pessoas).

"A partir de meados de 2014, quando entramos em uma crise econômica mais severa, houve um esvaziamento das contribuições por conta do desemprego e da informalidade", explica André Bittencourt, advogado e especialista em Direito Previdenciário. Veja no infográfico:

"É uma situação nova que teremos que administrar. Se vamos ter mais trabalhadores informais, vai ser fundamental fazer um esforço para que eles contribuam para a Previdência. Vai envolver uma mudança na nossa forma de pensar o mundo do trabalho e um esforço próprio para a aposentadoria", pontua Luis Eduardo Afonso, professor da Universidade de São Paulo (USP).

Mais desafios: automação, transição demográfica e jovens sem ocupação

Além do crescimento da informalidade, o mercado apresenta três desafios adicionais. Um deles também diz respeito às transformações no trabalho: a crescente automação dos processos, com a substituição de pessoas por ferramentas tecnológicas.

"São mudanças muito rápidas. É difícil entender tudo o que está acontecendo simultaneamente, mas certamente é um problema porque o sistema ser financiado por empregados implica na existência de vínculos mais estáveis e com duração maior", afirma Afonso.

Outro desafio se relaciona à força de trabalho já em atividade. "Muitos jovens não estão trabalhando. É uma quantidade de trabalhadores que deveria estar sendo tributada, mas não está. Mais tempo de estudo e o desemprego em alta contribuem para esse cenário", explica a pesquisadora Débora d'Arcanchy.

E não são poucos os jovens nessa situação: de acordo com o IBGE, 11 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos não estão nem trabalhando nem estudando. O número representa 23% dos brasileiros nessa faixa etária.

Mais um fator a ser incluído nessa conta, por fim, é a transição demográfica – o aumento no número de idosos (por conta da expectativa de vida mais alta) e a diminuição no número de jovens (já que as famílias estão tendo menos filhos).

"No Brasil, o sistema público pressupõe um pacto intergeracional. Você está contribuindo para que o governo pague a aposentadoria de alguém mais velho que você. Se a base da pirâmide, que são os jovens, diminuir, você vai ter um problema no futuro", explica o advogado André Bittencourt.

Educação, capitalização, CPMF... Possíveis soluções?

Não há respostas simples para todas essas questões. Em vários países do mundo, discussões e tentativas têm sido realizadas com o objetivo de enfrentar o assunto. Além da OCDE, outros organismos internacionais – como o Banco Mundial e o FMI – também estão com as atenções voltadas ao tema.

"Algumas sugestões que eles fazem incluem mudar a forma de tributação, cobrando menos na folha de salários e mais no patrimônio e na renda. Tributando a renda é possível alcançar os informais", explica a pesquisadora Débora d'Arcanchy.

No Brasil, especificamente na gestão do presidente Jair Bolsonaro, o governo tem aventado algumas possibilidades para enfrentar esses desafios. Entre elas estão o sistema de capitalização, em que cada trabalhador tem uma conta individual, de forma que ele financia a própria aposentadoria; e até a criação de uma nova CPMF, um imposto sobre transações que cobraria de toda sociedade a cobertura dos gastos com Previdência. As propostas, porém, não prosperaram: a capitalização foi derrubada no Congresso e a CPMF foi descartada por ordem de Bolsonaro.

Na visão dos especialistas, mais do que mudanças formais, a promoção de mecanismos de educação da população, que estimulem os cidadãos a contribuir com a Previdência, é essencial. "Os norte-americanos, por exemplo, sabem desde que se entendem por gente que, se quiserem ter uma vida melhor no futuro, terão que fazer contribuições não só para o sistema público, mas também para os fundos de pensão. Precisamos educar a população para contribuir, o que não vemos por aqui", avalia Bittencourt.

"Temos que lembrar, ainda, que a contribuição à Previdência dá ao trabalhador a qualidade de segurado. É um elemento importante, porque dá às pessoas a proteção contra elementos imprevisíveis (como doença e invalidez), mas que não é visto com importância pelos trabalhadores. É fundamental fazer campanhas para incentivar a contribuição previdenciária também entre os informais", acrescenta o professor Luis Eduardo Afonso.

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