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Deputado Capitão Augusto (PL-SP), relator do pacote anticrime na Câmara dos Deputados: abandono.
Deputado Capitão Augusto (PL-SP), relator do pacote anticrime na Câmara dos Deputados: abandono.| Foto: Vinicius Loures/Agência Câmara

O relator do pacote anticrime na Câmara, deputado Capitão Augusto (PL-SP), desabafou nesta quinta-feira (19) ao ver a inclusão de mais um item – o juiz de garantias – no parecer do grupo de trabalho que analisa o projeto sem a sua anuência. Ele reclamou de ter sido abandonado pelo governo na defesa das propostas do ministro da Justiça, Sergio Moro.

“Cadê o governo aqui para ajudar e apoiar esse pacote”, questionou o deputado durante a reunião. No momento em que Augusto fez a reclamação, nenhum dos deputados aliados de Moro e do governo Jair Bolsonaro (PSL) estava no plenário. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) chegou pouco depois da crítica, mas só acirrou ainda mais os ânimos.

“Eu não tenho vindo nas últimas reuniões porque não quero nem validar, nem compactuar com o que está acontecendo aqui”, disse Zambelli. A deputada criticou os colegas que, segundo ela, estão desfigurando o pacote. “Esse grupo de trabalho não representa o plenário, a distribuição das bancadas nem o pensamento do ministro Sergio Moro quando montou isso”, disse.

Depois de esclarecer o motivo da ausência recorrente nas reuniões, a deputada se retirou, enquanto era criticada pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ). “Estou acostumado a ser minoria e perder, mas eu não me retiro quando estou perdendo um debate porque tenho apreço pela democracia”, disse Freixo.

A postura de Zambelli também incomodou outros colegas do grupo. “Lamento um pouco a posição dela, porque ficou parecendo que ela não quer debater, que ela quer politizar o pacote”, disse o deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG). “Eu lamento quando ficam alguns deputados puramente ideologizando o debate, porque está sendo um debate tão rico, tão acadêmico, tão profundo”, completou.

Freixo classificou a postura de Zambelli como “infantil e autoritária”. “Você não pode achar que um projeto é válido quando você tem maioria. Quando você não tem, ele para de valer. Isso é muito autoritário”, disse. “O Parlamento é um poder independente, tem que agir com dignidade, tem que aprovar o que é bom, discutir o projeto e mudar o que não é bom. O Parlamento não é lugar para capacho”, completou.

O deputado Fábio Trad (PSD-MS) também criticou o comportamento de Zambelli. “Não é fácil discordar do ministro Sergio Moro, isso é para poucos”, disse durante a reunião. “Mas existem situações em que eu me permito dizer: o ministro Moro não está com a melhor razão jurídica. Temos a liberdade de discordar dele? Podemos fazê-lo”, questionou o parlamentar.

"Acabei ficando sozinho nessa reta final"

Depois da reunião, o relator do projeto reforçou que esperava uma cooperação maior do governo. “Eu esperava uma participação maior de parlamentares do governo, de parlamentares pró-Lava Jato, pró-ministro Sergio Moro. E no fim, nessa reta final, acabei ficando sozinho contra os demais”, disse.

Zambelli explicou a decisão de não participar das reuniões. “Estar aqui presente e votar contra é um voto contra e acho que valida um posicionamento de desconfiguração do pacote”, argumentou.

“Eu preferia que eles estivessem aqui, que fôssemos para o embate. Obviamente temos que aceitar o jogo democrático, não dá para impor à força a nossa vontade, mas eu ressinto essa ausência do governo e dos aliados tanto da Lava Jato quanto do ministro Sergio Moro para estar defendendo o pacote aqui na comissão”, reforçou Capitão Augusto.

Relator é elogiado 

Depois da confusão em torno da declaração da deputada Carla Zambelli, o relator foi elogiado publicamente na reunião do grupo de trabalho.

“Penso diferente de vossa excelência em boa parte do que debatemos aqui, mas fizemos isso com fraternidade, em alguns momentos de forma acirrada, mas sempre dentro do campo democrático, do campo civilizatório. É isso que está em jogo no país hoje, uma questão civilizatória”, disse Freixo ao Capitão Augusto. “É muito triste que na reta final um grupo de maneira infantil e autoritária se comporte dessa forma. Quero, na contramão dessa posição, elogiar vossa excelência”, completou.

Freixo e Capitão Augusto protagonizaram debates intensos ao longo das reuniões do grupo para a discussão do pacote.

Deputados aprovam inclusão de juiz de garantias no pacote

Os deputados decidiram, por maioria, incluir no pacote anticrime a figura do juiz de garantias. A proposta da deputada Margarete Coelho (PP-PI) é diferenciar o juiz que instrui os processos e produz provas do juiz que julga os acusados.

“A operação Lava Jato consagrou informalmente o juiz de garantias. Como vamos dizer não à operação Lava Jato?”, defendeu o deputado Fábio Trad (PSD-MS). O parlamentar se refere à divisão de atribuições entre os juízes da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba, Gabriela Hardt e Luiz Antônio Bonat, que assumiram as investigações e processos, respectivamente, depois da exoneração de Moro para integrar o governo Bolsonaro.

O relator do pacote criticou a inclusão e chamou o tema de jabuti. “Não dá nem para avaliar a questão do mérito, porque não foi debatido, não teve audiência, não ouvimos as partes interessadas, que seriam os juízes, promotores, desembargadores, OAB”, reclamou Capitão Augusto.

Ele também defende que o tema não tem relação com o pacote analisado no grupo. “Depois de 120 dias, incluir um tema estranho, que não estava no pacote, para ser votado dessa forma em apenas uma única sessão, em duas horas, incluir, ler, votar e aprovar, sem ouvir as partes interessadas, sem saber o impacto que isso terá, se é possível fazer com que isso funcione no sistema orçamentário, é algo no mínimo temerário”, afirmou.

Zambelli também criticou o projeto. “Juiz de garantias, já diz o nome, é um direito garantista. O Brasil está em um processo de construção de pensamento totalmente contrário à essa posição de garantista do criminoso”, argumentou. Outro problema, segundo a deputada, é orçamentário. “Se aprovar isso, será uma previsão orçamentária para duplicar muitas comarcas, porque tem que ter um juiz na comarca e um juiz de garantia”, afirmou.

A proposta, porém, foi elogiada pela maior parte dos integrantes do grupo. “Foi um passo gigantesco que foi dado na direção da boa Justiça, da boa organização judiciária. O juiz de garantias é utilizado hoje em praticamente todas as democracias do mundo. O Brasil é um dos poucos países que ainda não tem”, disse Lafayette.

“Existe juiz de garantia nos países que mais avançaram em termos de justiça criminal. Ele é muito simples, o juiz que acompanha uma investigação não é o mesmo que julga”, explicou Freixo. “Garante mais a isenção do juiz, que é um tema tão relevante hoje sobre o Poder Judiciário”, ressaltou.

Grupo de trabalho

O grupo de trabalho foi criado por ordem do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para analisar dois projetos com medidas de combate ao crime. Um deles foi apresentado por Moro em fevereiro e o segundo pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, em 2016.

O relator do grupo é o deputado Capitão Augusto (PL-SP), que incorporou todas as sugestões de Moro ao seu relatório. Desde que foi instalado, o grupo já impôs derrotas significativas ao ministro da Justiça. Os deputados retiraram, por exemplo, a previsão de prisão após condenação em segunda instância do pacote.

Veja as principais mudanças feitas pelo grupo no relatório

As alterações ainda precisam passar por aprovação final no plenário da Câmara. Em seguida, segue para análise do Senado.

Prisão em segunda instância

O grupo retirou do pacote a proposta de Moro que previa a autorização para prisão após condenação em segunda instância. Os deputados entenderam que o tema deve ser tratado em forma de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), não como projeto de lei ordinária, como é o caso do pacote anticrime. Essa era uma das principais bandeiras de Moro ao apresentar o pacote.

Plea bargain

Também já foi retirado do relatório de Capitão Augusto a criação do plea bargain - espécie de acordo em que o réu confessa os crimes cometidos e negocia uma pena menor.

Banco Nacional de Perfis Genéticos

Os deputados aprovaram, por unanimidade, alterações ao texto proposto por Moro. Pelo texto, o perfil genético será recolhido de pessoas condenadas por crimes graves contra a pessoa e crimes contra a vida praticados com violência. Moro queria que fosse colhido o perfil genético de todos os condenados por crimes dolosos.

Interrogatório por videoconferência 

Os deputados retiraram da proposta a previsão de realização de interrogatórios de presos por videoconferência. Atualmente, o Código de Processo Penal (CPP) prevê que réus têm direito a interrogatório presencial, frente a frente com o juiz do caso. No CPP, há previsão para realização de videoconferência, em casos excepcionais, “quando fundamentado” pelo juiz.

Multa só depois de trânsito em julgado

O grupo retirou do relatório a previsão de pagamento de multas processuais antes do trânsito em julgado da condenação - quando não cabem mais recursos. O dispositivo, previsto no pacote de Moro, permitia que a multa pudesse ser cobrada a partir de iniciada a execução provisória da sentença, que pelo entendimento recente do STF pode começar a partir da segunda instância.

Criação do juiz sem rosto

O grupo também aprovou a criação da figura do “juiz sem rosto”, para proteção de magistrados que condenem organizações criminosas. A proposta foi feita, originalmente, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. A proposta prevê  a criação de varas colegiadas para instrução, julgamento e execução das penas de delitos cometidos por organizações criminosas. A medida serve para dar proteção a magistrados que atuem contra grandes grupos criminosos, como facções e milícias.

Rejeitada proposta de mais poderes para relatores

Os deputados também decidiram retirar do relatório a previsão para que relatores de inquéritos e andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pudessem decidir sozinhos sobre aceitação ou arquivamento de denúncias. Atualmente, a decisão precisa passar por um colegiado de ministros e os deputados entenderam que a tramitação de denúncias deve permanecer como está.

Instalação de escutas

O grupo retirou do relatório do deputado Capitão Augusto (PL-SP) a autorização para instalação de escutas e câmeras em locais abertos ao público sem autorização judicial, como igrejas, hospitais e comércio. O texto, proposto por Moro, também previa que a “captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos” poderia ser feita sem conhecimento prévio do Ministério Público, mas o grupo de trabalho retirou essa previsão do texto. A gravação sem conhecimento prévio do MP só poderá ser feita para matéria de autodefesa. Os deputados também retiraram do relatório a possibilidade de instalação de dispositivos de escuta e monitoramento em casas de investigados. O texto, porém, autoriza a instalação de dispositivos no período noturno ou por meio de operação policial disfarçada.

Penas para tráfico, posse e comércio ilegal de armas de fogo

O grupo decidiu alterar penas previstas para crimes relacionados à armas de fogo. A pena prevista para quem pratica o comércio ilegal de armas de fogo para a ser de 6 a 12 anos de prisão. O relatório do deputado Capitão Augusto (PL-SP) previa penas maiores, de 8 a 16 anos, mas o deputado concordou com a modificação. A pena para posse ilegal de arma de fogo também foi alterada pelo grupo: passou para 4 a 12 anos. O relatório previa uma pena de 6 a 12 anos nesse caso. O relator também concordou com a alteração. Já a pena prevista para tráfico internacional de armas de fogo passou para 8 a 16 anos de prisão, também alterando a previsão inicial do relator, que previa uma pena de 10 a 20 anos. O grupo segue analisando outros pontos dos projetos.

Juiz de garantias

O grupo resolveu incluir no pacote a criação da figura do juiz de garantias. Pela proposta, o juiz que conduz as investigações não é o mesmo que profere a sentença contra os acusados. O argumento é que o juiz de garantias vai trazer mais isenção aos magistrados na hora de decidir sobre absolvições e condenações nos processos. 

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