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Por que Bolsonaro acabou com o Renda Brasil e o que ele ganha com isso
O presidente Jair Bolsonaro tenta não desagradar o mercado, seu eleitorado mais fiel e a população de um modo geral.| Foto: Marcos Correa/PR

O presidente Jair Bolsonaro respira mais aliviado após abortar o programa social Renda Brasil, que ia substituir o auxílio emergencial e o Bolsa Família. O que era para ser uma proposta positiva se transformou em dor de cabeça, com potencial para derrubar seus índices de popularidade, desagradar a base mais fiel do bolsonarismo e causar atritos com o mercado. Com uma única decisão, Bolsonaro eliminou esses três riscos.

Os estudos do Ministério da Economia para cortar ou congelar outros programas sociais como forma de financiar o Renda Brasil foram mal vistos em amplos setores da população – que haviam impulsionado o recente crescimento dos índices de aprovação de Bolsonaro. Já a proposta do governo de constitucionalizar o novo programa também pegou mal no seu eleitorado mais fiel e no mercado.

Agora, o presidente pretende ter mais tranquilidade para manter os índices de aprovação, pois não irá tomar medidas impopulares para criar o Renda Brasil. Também acalmou seus eleitores mais fiéis (e ativos nas redes sociais), bem como o setor produtivo e financeiro.

Além disso, Bolsonaro deu mais uma cartada: jogou para o Congresso a responsabilidade por "ressuscitar" o programa. Com isso, o presidente também repassou ao Legislativo o desgaste pela eventual adoção de medidas impopulares para financiar o programa. E, na mesma jogada, evita daqui em diante atritos que venham a desgastá-lo.

Outro elemento nessa decisão de Bolsonaro é que ele mantém a possibilidade de colher os frutos do Renda Brasil caso o programa venha a ser criado pelos parlamentares. Isso já ocorreu com a ampliação do valor do auxílio emergencial pelo Congresso em março, no início da pandemia de coronavírus. A ideia original do Ministério da Economia era de que o valor do auxílio fosse de apenas R$ 200 mensais, mas os parlamentares elevaram para R$ 600.

O peso da popularidade na decisão

A Gazeta do Povo ouviu membros da liderança do governo no Legislativo, interlocutores palacianos e de ministérios que participaram das conversas do programa. Todos reconhecem que a decisão do presidente da República em escantear o programa e manter de pé o Bolsa Família foi uma decisão correta.

A aposta entre aliados bolsonaristas e no Palácio do Planalto é de que o fim das discussões no governo sobre o Renda Brasil dá mais tranquilidade a Bolsonaro.

Bolsonaro chegou à conclusão que não poderia se dar ao luxo de chancelar algo tão impopular como o sugerido pela equipe econômica – a exemplo do congelamento de aposentadorias e pensões por dois anos e da restrição do Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos e deficientes.

Ainda na terça-feira (15), antes de publicar em suas redes sociais o vídeo em que confirmou o encerramento das discussões do Renda Brasil, o presidente conversou com alguns de seus ministros e conselheiros mais próximos. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, foi um deles.

O aconselhamento dado a Bolsonaro pelos ministros palacianos foi enterrar de vez as discussões internas sobre o Renda Brasil sob pretexto de causar desgaste na imagem do governo. Bolsonaro gostou da popularidade em alta e não quer voltar a ser visto como um gestor de nicho, que depende da polarização para manter os índices de aprovação.

A mais recente pesquisa PoderData, divulgada na quarta (16), mostra que 49% dos brasileiros aprovam o governo, índice superior aos 44% de desaprovação.

Por que o bolsonarismo e o mercado não gostavam do Renda Brasil

Mas a popularidade não foi o único fator que pesou na decisão de enterrar as discussões internas sobre o Renda Brasil. A ideia de incluir o programa na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 188/2019, que trata sobre o Pacto Federativo, pegou muito mal nos eleitores bolsonaristas mais fiéis.

Parlamentares bolsonaristas sentiram a reação deles nas redes sociais. Constitucionalizar um programa assistencialista foi recebido como uma política socialista na "raiz" do bolsonarismo.

O mercado, que também tem sido um pilar de sustentação do governo, igualmente não reagiu bem à possibilidade de constitucionalizar o Renda Brasil. Isso foi outro motivo a pesar na escolha de abandonar o programa. “Precisamos, hoje, do auxílio emergencial e de um programa assistencialista. Mas... e se amanhã o Brasil 'decolar' e criar muitos empregos? Quando falamos de tornar políticas assistencialistas de ajuda ao mais pobre alguma coisa constitucional, vamos dizer que o Brasil é um país socialista. E um governo liberal não pode aprovar isso”, afirma esse aliado.

Renda Brasil pode ser "ressuscitado" pelo Congresso; e governo avalia outro programa

Auxiliares e aliados de Bolsonaro ouvidos pela reportagem admitem, no entanto, que alguma proposta social voltará a entrar em pauta em breve.

Uma das possibilidades é o Congresso "ressuscitar" o Renda Brasil. O senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do projeto de lei orçamentária de 2021, adiantou na quarta-feira (16) que Bolsonaro o autorizou a incluir em seu parecer a criação de um programa social que possa atender “milhões de brasileiros identificados ao longo da pandemia e que estavam fora de qualquer programa social”.

A descrição lembra o Renda Brasil. Mas o Planalto não admite que será o mesmo programa. “O presidente não voltará a se dar a esse desgaste. Sem o Renda Brasil, ele ganha tranquilidade, e é disso que precisa para trabalhar”, afirma um interlocutor do Planalto.

Paralelamente, haverá discussões dentro do próprio governo para propor um novo programa social. Técnicos da Esplanada dos Ministérios sugerem que a alternativa será fortalecer e unificar ações já em vigor. “O caminho é pegar ferramentas para melhorar o que tem, que é o Bolsa Família, o programa Progredir, que é uma ideia brilhante”, resume um técnico do Ministério da Cidadania.

“Vamos montar, deixar do jeito que está hoje, corrigir o que for preciso, e estudar até que ponto é  possível melhorar alguma coisa ou não. E faz tudo com o que temos hoje. Roda as coisas com o que tem hoje e lá na frente junta. Mas já tudo amarrado e com condição política e orçamentária”, pondera outro interlocutor governista.

Mas disputa pelas verbas do orçamento e a briga interna no governo por protagonismo vão ser os principais entraves para propor um novo programa social ou a evolução dos que já existem.

É certo que a equipe econômica ainda vai insistir em ditar as regras do jogo. Mas, após o que ocorreu no Renda Brasil, técnicos do governo acreditam que o Ministério da Cidadania está respaldado a comandar o processo. Alguns se lembram que, quando ainda era ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, atualmente na Cidadania, já tinha uma queda de braço com Paulo Guedes (Economia). A previsão, agora, é de mais embates. “Tem muitas ações sociais que a equipe econômica não vê como importante”, desabafa um interlocutor.

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