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Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes durante sessão do STF
Além de avalizar medidas duras em inquéritos, Fux também poderá travar acordo que aliviaria pagamento de precatórios pelo governo| Foto: Nelson Jr,/SCO/STF

O duro discurso do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, nesta quarta-feira (8), em resposta à declaração do presidente Jair Bolsonaro de que não vai cumprir ordens judiciais de Alexandre de Moraes, não encerra a reação da Corte. Há um acordo tácito entre os ministros que as respostas mais efetivas devem se dar dentro dos quatro inquéritos abertos contra o presidente em andamento no tribunal.

Três deles são conduzidos pelo próprio Alexandre de Moraes: o que investiga a suposta interferência na Polícia Federal; o que apura as acusações de fraude nas urnas eletrônicas, dentro do inquérito das fake news; e o que trata do vazamento da investigação sigilosa da PF sobre a invasão hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018. Um quarto inquérito, sobre suposta prevaricação ante suspeitas de irregularidades na encomenda da vacina indiana Covaxin, é relatado por Rosa Weber – a ministra é vice-presidente do STF e, internamente, tem se mostrado bastante alarmada com as declarações de Bolsonaro.

Na noite desta terça, após o discurso de Bolsonaro na Avenida Paulista, os ministros fizeram uma reunião por videoconferência para avaliar as declarações e combinarem o teor da resposta dada por Fux. Consideraram "inaceitáveis" não só a intenção de descumprir uma decisão judicial – que, se concretizada, configura crime de responsabilidade, previsto no artigo 85, inciso VII, da Constituição – como também o que entenderam como uma "ameaça" ao próprio STF, expressa na seguinte declaração de Bolsonaro: "Ou o chefe desse Poder [Fux] enquadra o seu [Moraes] ou esse Poder vai sofrer aquilo que não queremos".

Para os ministros, com essas palavras, Bolsonaro acabou produzindo mais provas contra si. A tendência é que o próprio Moraes – que já tem fama de ser o ministro mais linha-dura do STF – dobre a aposta e endureça a investigação contra o presidente no inquérito das fake news.

Neste inquérito, ele tem determinado prisões e buscas e apreensões somente a partir de pedidos da PF, no caso, da delegada Denisse Ribeiro, que tem confiança e relação estreita com ele. Se alguma diligência for pedida contra Bolsonaro, o ministro consultará a Procuradoria-Geral da República (PGR), mas já deixou claro que não depende do aval do órgão para autorizar a coleta de provas.

Não está no horizonte, porém, medidas mais duras, como prisão ou um afastamento do cargo. Há o entendimento na Corte que o STF tem limites e não pode agir de maneira mais dura sem o aval da PGR. Nas entrelinhas, o discurso de Fux buscou demonstrar que, se Bolsonaro levar a cabo a intenção de descumprir decisões judiciais, o maior responsável por reprimi-lo deve ser o Congresso, num processo de impeachment. Ao deixar claro que a conduta configuraria crime de responsabilidade, o presidente do STF também demonstrou que, por parte dos ministros, não haveria qualquer objeção de caráter jurídico.

Reação também pode vir do TSE

O TSE, composto em parte por ministros do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), também pode endurecer. Chamaram a atenção deles as novas críticas de Bolsonaro ao presidente da corte eleitoral, Luís Roberto Barroso, que trabalhou contra a aprovação do voto impresso na Câmara, o que contribuiu para a rejeição da proposta.

O presidente disse que uma eleição sem o mecanismo de auditagem seria uma "farsa". "Não podemos ter eleições que pairem dúvidas sobre eleitores. Nós queremos eleições limpas, auditáveis e com contagem pública. Não posso participar de uma farsa, como essa patrocinada ainda pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral", afirmou.

Declarações do tipo são encaradas como uma tentativa de desacreditar o processo eleitoral como um todo. Entre os ministros, cresce o entendimento de que isso poderia configurar abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação – delitos que podem tornar um político inelegível –, porque, com base na falsa premissa de que a eleição será necessariamente fraudada, elas teriam o potencial de afetar a livre vontade do eleitor na escolha dos candidatos.

As novas declarações de Bolsonaro poderiam, assim, constituir novas provas dentro da investigação aberta pelo corregedor-geral eleitoral, ministro Luís Felipe Salomão. No ano que vem, elas poderiam ser aproveitadas por partidos e candidatos adversários para processar e condenar o presidente, o que colocaria em risco seu registro de candidatura.

É um caminho que pode contar também com o aval do próprio Alexandre de Moraes, que assume a presidência do TSE no ano que vem. Quando incluiu Bolsonaro no caso, ele reprovou declarações de Bolsonaro com "o nítido objetivo de tumultuar, dificultar, frustrar ou impedir o processo eleitoral, com ataques institucionais ao Tribunal Superior Eleitoral e aos seu ministro presidente [Luís Roberto Barroso]".

Outras frentes

Não é apenas nos inquéritos que Bolsonaro pode receber más surpresas do STF. Há a possibilidade de prejuízo à área econômica com o travamento de uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que aliviaria o caixa da União no pagamento de precatórios. Desde julho, Luiz Fux dizia que estava disposto a mediar uma solução, para a conta de R$ 89 bilhões prevista para o ano que vem no pagamento dessas dívidas, já reconhecidas pela Justiça.

Na semana retrasada, o vice-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, enviou ao CNJ uma proposta para que o governo federal pague somente R$ 39 bilhões em 2022 e os outros R$ 50 bi em 2023. Em tese, essa solução dispensaria o caminho mais difícil da aprovação de uma proposta de emenda à Constituição no Congresso, que também parcelaria os pagamentos ao longo dos próximos anos.

Mas, ainda antes das declarações desta terça (7) de Bolsonaro, vários ministros do STF rechaçavam uma mediação feita exclusivamente pelo CNJ. Consideram agora que o órgão só poderá atuar no assunto após a aprovação da PEC pelo Congresso e se assim for autorizado.

Ainda nos bastidores, há quem cogite no STF um risco político para o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), que aguarda o julgamento, na Segunda Turma, de um recurso do Ministério Público que busca devolver à primeira instância da Justiça o inquérito da rachadinha, esquema de desvio de salários de funcionários de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. No ano passado, ele conseguiu levar o caso para a segunda instância, no Tribunal de Justiça, o que facilitaria a anulação de praticamente todas as provas colhidas pelo juiz que tocou o caso.

O recurso do MP seria julgado na semana passada, e uma vitória de Flávio era dada como certa. A pedido da defesa, a análise ficou para o dia 14 e, agora, já se fala num resultado desfavorável para Flávio. Essa chance aumenta se Alexandre de Moraes migrar da Primeira para a Segunda Turma, possibilidade que também já circula entre os ministros.

Uma terceira retaliação, fora dos inquéritos contra Bolsonaro, também começa a ser aventada. Está no gabinete do ministro Ricardo Lewandowski uma ação da oposição para forçar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a analisar pedidos de impeachment de Bolsonaro. A jurisprudência do STF sempre foi pacífica no sentido de que cabe somente a ele a prerrogativa de decisão pela abertura do processo, inclusive mediante avaliação política. Mas cresce uma tese de estipular um prazo para isso, com base numa interpretação da Lei de Processos Administrativos.

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