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Centro de processamento de dados (datacenter) do Dataprev em Brasília
Centro de processamento de dados do Dataprev em Brasília: estatal faz o processamento de todos os benefícios do INSS e armazena registros civis, como nascimento, casamento e óbito, entre outros dados da população.| Foto: Mirian Fichtner/Divulgação/Dataprev

A agenda de privatizações do governo de Jair Bolsonaro (PSL) inclui, entre as 15 estatais que estão na mira para serem vendidas, duas empresas pouco conhecidas da maioria dos brasileiros. Ambas, entretanto, detêm informações sensíveis dos cidadãos, já que atendem com serviços de Tecnologia da Informação (TI) os principais órgãos governamentais.

Trata-se da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev) e do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). Ambas têm em comum a responsabilidade de gerenciar e proteger informações de milhões de contribuintes brasileiros. Entre os bancos de dados que estão na alçada das duas estatais estão, por exemplo, os que envolvem as declarações de Imposto de Renda dos contribuintes e o processamento dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

E não é só isso. Veja a lista com o que está sob responsabilidade das duas empresas:

Dataprev

  • Processamento do pagamento de benefícios do INSS;
  • Registros civis, como nascimento, casamento e óbito;
  • Gestão do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), que permite a concessão de aposentadorias e do salário-maternidade;
  • Manutenção de sistemas usados nas agências da Previdência Social e nos postos do Sistema Nacional do Emprego (Sine).

Serpro

  • Dados da declaração de Imposto de Renda dos brasileiros;
  • Informações sobre infrações de trânsito;
  • Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam);
  • Informações das carteira de habilitação;
  • Operações de importação e exportação de produtos;
  • Software de gestão do Orçamento da União;
  • Emissão do passaporte, em conjunto com a Polícia Federal e o Ministério das Relações Exteriores.

A justificativa do governo para vender Serpro e Dataprev

Criadas em 1974 e 1964, respectivamente, Dataprev e Serpro apresentaram resultados positivos no último ano. Em 2018, a primeira teve R$ 150,6 milhões de lucro, enquanto a segunda apresentou resultado positivo de R$ 459,6 milhões, apesar de ter registrado prejuízo em anos anteriores.

De acordo com o Ministério da Economia, porém, o fato de as estatais darem lucro é "algo relativo", já que o maior cliente dessas empresas é o próprio governo e os preços cobrados não são estabelecidos por meio de concorrência.

"O governo Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, têm uma clara orientação em relação à redução do tamanho do Estado, à desestatização e à privatização", informou a pasta, em nota. "A orientação é reduzir o tamanho do Estado privatizando o máximo de empresas e focando naquilo que o estado deveria cuidar, como saúde, educação, segurança e infraestrutura."

O Serpro tem 9.803 funcionários e a Dataprev, 3.594, segundo dados de maio de 2019. Ambas são consideradas "não dependentes" do Tesouro, isto é, não precisam da injeção de recursos públicos para cobrir suas despesas do dia a dia.

Lei que protege o cidadão entra em vigor só em 2020

Para além da questão financeira, a importância dos dados em poder das duas estatais fez com que o projeto de privatização acendesse o sinal de alerta entre especialistas.

Isso porque, se ocorrer antes de agosto do ano que vem, quando entra em vigor a Lei de Proteção de Dados, a venda pode deixar as informações dos cidadãos desprotegidas. Natália Brotto, especialista em direito constitucional e contratual, explica que, hoje, não há legislação que proíba especificamente a venda de dados.

"Os princípios constitucionais dizem que existe a necessidade de preservação da privacidade. Mas não há uma lei que diga, de forma concreta, que não é possível compartilhar essas informações", diz.

Com a vigência da nova lei, por outro lado, as exigências em relação às empresas se tornarão mais rígidas. As companhias não poderão, por exemplo, utilizar as informações fornecidas para outras finalidades que não aquelas com as quais houve concordância dos cidadãos.

Um exemplo: a partir da vigência da Lei de Proteção de Dados, se o contribuinte solicitar a aposentadoria, a empresa que gere as informações não poderá vendê-las (para financeiras, por exemplo) ou utilizá-las para outro fim que não seja relacionado ao benefício. A regra valerá também para bancos de dados antigos, com informações obtidas antes de agosto de 2020.

De acordo com Brotto, a principal questão é, justamente, como será a utilização das informações que estão em posse da Dataprev e do Serpro em caso de privatização. "Se houver a venda, todas essas informações, que hoje estão em poder do governo, serão controladas por empresas privadas, que têm como principal objetivo o lucro. O que esses grupos podem fazer com os dados de todos esses brasileiros?", questiona.

Por isso, ela aponta que, se a privatização ocorrer antes da entrada em vigor da Lei de Proteção de Dados, o ideal é que o Ministério da Economia elabore um modelo de venda que contemple essas preocupações, limitando o uso dos dados pelas empresas compradoras.

A manutenção dos sistemas de Serpro e Dataprev após a venda

Diretora de políticas sindicais da Fenadados (Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Processamento de Dados, Serviços de Informática e Similares), Telma de Castro Dantas ressalta outro aspecto que merece a atenção do governo. Ela aponta que, em caso de privatização, pode ocorrer uma descontinuidade nos sistemas geridos pelas duas empresas, o que causaria transtornos para o poder público e para os cidadãos.

"Um dos casos mais sensíveis é o do Imposto de Renda. O Serpro processa 30,5 milhões de declarações anuais. É uma das bases de sustentação fiscal do poder público. Se ocorrer algum problema, o governo deixa de arrecadar", diz.

Outro exemplo é o do sistema que processa as transações de importação e exportação no país. "Um dia sem funcionar já geraria caos e prejuízo", afirma Dantas.

O que diz o Ministério da Economia

O Ministério da Economia, por outro lado, afirma que a manutenção dos dados por empresas públicas "não garante a sua proteção mais do que sob a guarda de empresas privadas". Diz, ainda, que as críticas são "especulações defendidas por aqueles que são contra a privatização dessas empresas". "Em outros países da OCDE, empresas privadas fazem o mesmo que as nossas estatais e não houve problemas com vazamento de informações", completa a nota.

Veja, na íntegra, a resposta encaminhada pela pasta:

O fato dessas estatais darem lucro é algo relativo, na medida em que o maior cliente destas empresas é o próprio governo sendo que os preços dos serviços não são estabelecidos em ambiente de concorrência. De acordo com o Art. 173 da Constituição Brasileira, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo.  O governo Bolsonaro e seu Ministro da Economia Paulo Guedes têm uma clara orientação em relação à redução do tamanho do Estado, à desestatização e à privatização.

O atual governo federal recebeu 134 empresas estatais nos mais diferentes segmentos da economia como bancos, financeiras, cartões de crédito, meios de pagamento, chips, refinarias de petróleo, transportadoras e em muitos outros setores.

Até agora 8 empresas já foram privatizadas (BR Distribuidora, Refinaria de Pasadena, Amazonas Energia, Distribuidora do Paraguai, TAG, Belém Bioenergia, Uirapuru Transmissora, Lote H01/2018) e temos um pipeline de 17 em estudos para privatização ( Telebras, Correios, Codesp, ABGF, Emgea, Casa da Moeda, Serpro, Dataprev, Ceasaminas, Ceagesp, CBTU, Trensurb, Eletrobras, Ceitec, Codesa, Porto de São Sebastião e o excedente de ações do Banco do Brasil ) Além destes 17 ativos haverá uma concessão da Lotex. A orientação é reduzir o tamanho do Estado privatizando o máximo de empresas e focando naquilo que o Estado deveria cuidar como saúde, educação, segurança e infraestrutura.

O governo entende que a manutenção de dados da população sob a guarda dessas empresas não garante sua proteção mais do que sob a guarda de empresas privadas. O cidadão insatisfeito com a guarda de seus dados tem melhor oportunidade de recorrer à Justiça contra uma empresa privada do que contra um empresa do Governo. Além disso, a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados vai reforçar esta condição. Isso são especulações defendidas por aqueles que são contra a privatização destas empresas. O governo tem que focar no social, na qualidade de vida do cidadão.

A LGPD regula a relação entre os donos dos dados e os entes que os manipulam, independentemente se este ente é privado ou governamental. Como colocado acima, a entrada e vigor da LGPD vai tornar mais resilientes os processos de guarda de dados. Em outros países da OCDE empresas privadas fazem o mesmo que as nossas estatais Serpro e Dataprev e não houve problemas com vazamento de informações.

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