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Servidores públicos federais, em protesto em 2015, em Brasília
Servidores públicos federais, em protesto em 2015, em Brasília| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

A comparação dos servidores públicos a “parasitas” que estão matando o “hospedeiro”, feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, prejudicou o caminho a ser trilhado pela reforma administrativa do governo federal. As mudanças no regime de trabalho e remuneração de funcionários públicos fazem parte do ajuste fiscal ao qual a União precisa se submeter. Aliada ao teto de gastos e à reforma da Previdência, é a medida que falta para encaminhar o reequilíbrio das contas públicas.

A reforma administrativa é, também, uma das pontas mais complexas desse processo. O setor público tem de prestar bons serviços, o que implica ter funcionários qualificados. Por outro lado, os servidores formam uma categoria muito organizada, com capacidade de pressão e mobilização capazes de dificultar ou mesmo impedir mudanças na lei.

Esses fatores tornam mais difícil a tramitação de qualquer proposta de reforma administrativa, seja sugerida pelo governo ou pelos parlamentares. E o próprio Executivo dá sinais flagrantes de indecisão. Por ordem de Bolsonaro, a equipe econômica desistiu de enviar a proposta ao Congresso ainda em 2019. Depois, o governo chegou a sinalizar que encaminharia o projeto nesta semana, mas na terça (11), em questão de horas, mudou duas vezes de opinião sobre a forma como trataria do assunto – primeiro, deu a entender que poderia apoiar o texto de PEC que tramita no Congresso, para depois reconsiderar e afirmar que vai mandar sua própria proposta.

Independentemente de qual proposta vai avançar, algumas coisas são certas: o projeto será polêmico, haverá resistência e desidratações e a discussão é cheia de nuances. Por isso, a Gazeta do Povo separou sete pontos que ajudam a entender o panorama do serviço público no Brasil.

1. Salário dos servidores públicos versus iniciativa privada

Um estudo do Banco Mundial divulgado em 2019 revelou que os servidores públicos federais recebem salários, em média, 96% maiores que os pagos a trabalhadores da iniciativa privada em funções semelhantes.

Esse dado ilustra uma particularidade brasileira: o órgão comparou os chamados "prêmios salariais" de outros 53 países, e a maior diferença entre setor público e iniciativa privada ocorre mesmo no Brasil. Em outros países, o setor público paga um "prêmio salarial" médio de 21% em relação ao setor privado. Nos estados, os servidores públicos recebem em média 36% mais que seus equivalentes no setor privado.

A exceção está no funcionalismo municipal, onde o salário médio é praticamente igual ao pago por empresas privadas, segundo o estudo.

O diagnóstico do Banco Mundial é de que o problema brasileiro não é a quantidade de funcionários, mas sim seus altos salários. E é no funcionalismo federal em que há a maior disparidade.

2. Centenas de carreiras e tabelas de progressão salarial

Parte do “problema” do funcionalismo público brasileiro vem da estrutura complexa: são pelo menos 300 carreiras diferentes, com 117 tabelas de progressão salarial distintas, conforme diagnóstico do Banco Mundial.

Um exemplo dessa complexidade do Estado é o do caso das estatais que foram extintas: como tinham estabilidade no emprego, muitos funcionários não foram reaproveitados em outras empresas públicas porque seus concursos de ingresso eram específicos demais. Por isso, a União tem um Departamento de Órgãos Extintos.

A sugestão é para que o Estado brasileiro diminua o número de carreiras, buscando a consolidação em carreiras transversais com atribuições amplas. Esse foi o caminho seguido por Portugal, que trocou mais de mil carreiras por três tipos mais genéricos e algumas específicas, como professores, médicos e enfermeiros, por exemplo.

3. Estabilidade sem avaliação de desempenho

A estabilidade no serviço público acabou tornando quase impossível demitir um funcionário público, a não ser em casos de adesão a programas de demissão voluntária ou em privatizações. Há razão de ser na estabilidade: os servidores não podem estar sujeitos aos humores da política para fazer a máquina andar. Por outro lado, o arranjo atual permite que servidores com mau desempenho recorrente sigam na ativa.

O Congresso analisa um projeto de lei há alguns anos que regulamenta um dispositivo previsto na Constituição: a avaliação de desempenho dos servidores. Esse sistema estabelece critérios de produtividade e qualidade, além de outros que seriam definidos para cada funcionário. Só seria demitido o servidor que tivesse um desempenho muito baixo – menos de três pontos em duas avaliações seguidas ou média inferior a cinco pontos nos últimos cinco anos.

4. Bônus de produtividade para aposentados

Os governos, especialmente o federal, pagam uma série de penduricalhos que incrementam os vencimentos dos servidores, até mesmo dos que já se aposentaram. O governo já teve gasto mensal de quase R$ 700 milhões pagando bônus de produtividade para funcionários públicos que já estão aposentados.

Em contrapartida, servidores que já preencheram os requisitos para aposentadoria mas seguem trabalhando recebem o chamado abono de permanência. É uma iniciativa que prolonga o período de atividade de servidores experientes e gera economia para os cofres públicos, pois adia a substituição por novos funcionários. Segundo o Banco Mundial, até 2030 pelo menos 40% dos servidores públicos vão parar de trabalhar.

5. O tamanho do gasto público com pessoal

O gasto com pessoal é a segunda conta que mais pesa dentro do Orçamento primário da União, ficando atrás apenas da Previdência – cerca de 20% das despesas da União são com salários do funcionalismo, na soma de ativos e aposentados. Em 2019, as despesas com servidores equivaliam a 4,4% do PIB. Um mês da folha de pagamento dos funcionários públicos federais – da ativa, aposentados e pensionistas – banca o equivalente a um ano do programa Bolsa Família.

Essa despesa pode ser ajustada compulsoriamente, caso o teto de gastos seja rompido. Se o teto de gastos estourar, os gatilhos que seriam acionados pela Emenda Constitucional 95 produziriam um congelamento dos gastos de pessoal. As regras estabelecem que não haverá mais reajuste para o funcionalismo e não poderão ser realizados concursos públicos até que as contas entrem em ordem.

Medidas semelhantes estão nas PECs Emergencial e do Pacto Federativo, que também trazem mecanismos de controle de gastos com o fim das promoções e reajustes.

Uma alternativa para o governo federal promover um ajuste fiscal é a redução dos salários iniciais dos servidores públicos. Uma estimativa do Banco Mundial mostra que limitá-los a R$ 5 mil para o início de carreira, aliado a um aumento do tempo necessário para se chegar ao topo da função, pode gerar uma economia de R$ 104 bilhões até 2030.

6. Servidor público não é tudo igual

Servidor público não é tudo igual e existem castas dentro dessa grande categoria. O Atlas do Estado Brasileiro 2019, do Ipea, analisou a evolução do setor ao longo das últimas três décadas, entre 1986 e 2017, e explicitou essa relação.

Dentro do funcionalismo público, há uma escala clara em relação à remuneração que se manteve nessas três décadas: a do Executivo federal é superior à do Executivo estadual, que por sua vez é maior que a do municipal.

Maioria absoluta no funcionalismo – eles são 57% do quadro total –, os servidores municipais recebem, em média, um terço do rendimento dos federais. E os funcionários das prefeituras têm grande contato com o público: cerca de 40% são ocupadas por profissionais do chamado "núcleo-duro" dos serviços de educação e saúde: professores, médicos, enfermeiros e agentes de saúde.

Na divisão por Poderes, quem ganha mais são os que trabalham para o Judiciário. Em valores corrigidos, a remuneração na esfera federal passou de R$ 7,4 mil em 1986 para R$ 14,1 mil em 2017, um crescimento anual médio de 2%.

7. Aposentadoria antes e depois da reforma da Previdência

Às vésperas da aprovação da reforma da Previdência no Congresso, houve uma disparada nos pedidos e concessões de aposentadorias de servidores públicos federais. As antigas regras previdenciárias dos servidores públicos eram bem mais generosas do que as aprovadas na reforma da Previdência. Essas mudanças reduziram a diferença do regime próprio de aposentadoria dos servidores em relação aos dos demais trabalhadores, mas só valem de imediato para os servidores federais. Estados e municípios terão de fazer suas próprias reformas.

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