• Carregando...
Jorge Kajuru
Segunda Turma do Supremo decidiu que críticas do senador Jorge Kajuru a outros políticos não são protegidas automaticamente pela imunidade| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Por 3 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta terça-feira (3) tornar réu o senador Jorge Kajuru (Podemos-GO). Ele responderá a um processo penal por suposto cometimento dos crimes de injúria e difamação contra o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e contra o ex-deputado e ex-ministro das Cidades Alexandre Baldy (PP-GO).

Na decisão, a maioria dos ministros da Segunda Turma considerou que ofensas proferidas por Kajuru contra eles em 2019 não estão protegidas pela imunidade parlamentar, regra da Constituição que diz que deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por “quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Na semana retrasada, o plenário do STF já havia relativizado essa proteção ao condenar o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) em razão de insultos e ameaças aos ministros da Corte – no dia seguinte, o presidente Jair Bolsonaro decretou o perdão de sua pena, por considerar que a liberdade de expressão é “pilar essencial da sociedade”.

O que Kajuru escreveu nas redes sociais

As queixas contra Kajuru, apresentadas por Vanderlan e Baldy, haviam sido inicialmente rejeitadas pelo ministro aposentado Celso de Mello, em decisões monocráticas. No final de 2019, seguindo parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR), que opinou pelo arquivamento das acusações, Mello disse que as declarações de Kajuru, divulgadas em redes sociais, tinham relação com o mandato e, portanto, não eram passíveis de punição.

Em maio daquele ano, Kajuru chamou Vanderlan de “pateta bilionário”, “cuja fortuna ninguém sabe de onde vem”. Disse ainda que fazia um “trabalho inútil” no Senado, que era um “senador turista”, que não trabalha e que “entrou na política por negócio”.

Sobre Baldy, Kajuru disse que ele comandaria uma quadrilha nos Detrans, o chamou de “vigarista”, “lixo”, “bandido”, “rei do toma lá dá cá”, “homem de bens”, “falso”. “Todo o patrimônio dele foi em função do casamento dele com um golpe de baú que ele deu com a filha de um dos maiores milionários do Brasil”, disse ainda. Acrescentou que ele teria ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e “faz parte do esquema de jogos de azar em Goiás”.

Na época, Baldy, então secretário de Transportes em São Paulo, era cotado para assumir uma pasta no governo Bolsonaro. Atualmente, ele é pré-candidato ao Senado.

Para Celso de Mello, a imunidade parlamentar eliminaria qualquer acusação por crimes contra a honra, ainda que as declarações tenham sido divulgadas nas redes sociais e não no Congresso. Avaliou que elas tinham ligação com o mandato do senador.

“O instituto da imunidade parlamentar em sentido material existe para viabilizar o exercício independente do mandato representativo, revelando-se, por isso mesmo, garantia inerente ao parlamentar que se encontre no pleno desempenho da atividade legislativa”, disse.

“Não obstante os doestos e as afirmações moralmente contumeliosas e socialmente grosseiras atribuídas ao querelado [Vanderlan e Baldy], a incidência tutelar da imunidade parlamentar material, no entanto, é suscetível de reconhecimento, no caso, em face da situação de antagonismo político que se registra, no plano regional”, afirmou depois Celso de Mello.

Gilmar Mendes abriu divergência

Vanderlan e Baldy recorreram contra essas decisões e o caso foi levado à Segunda Turma do STF. Nesta terça, o ministro Gilmar Mendes abriu a divergência e votou pelo recebimento da queixa, para tornar Kajuru réu. Ele foi seguido por Edson Fachin e Ricardo Lewandowski, que também entenderam que as declarações não tinham ligação com o mandato.

André Mendonça votou pelo arquivamento das queixas, reconhecendo que a imunidade parlamentar se aplicaria ao caso. Kassio Nunes Marques não votou, uma vez que substituiu Celso de Mello.

Em seu voto, Gilmar Mendes disse que nos Estados Unidos e em vários países da Europa, o entendimento predominante é que a imunidade parlamentar não é absoluta e protege apenas manifestações ligadas ao mandato. Afirmou que essa é uma tendência na jurisprudência do STF sobre o assunto e que, no caso de Kajuru, as ofensas contra adversários não se relacionavam com o debate público sobre assuntos políticos.

“Embora ainda se garanta ampla liberdade de expressão aos representantes do povo, por se tratar de prerrogativa essencial ao desenvolvimento de suas funções, nos casos de abuso ou de usos criminosos, fraudulentos ou ardilosos dessa prerrogativa, para ofensa aviltante a terceiros ou para incitar à prática de delitos, pode-se concluir pela não incidência pela cláusula de imunidade, já que o referido privilégio não pode ser utilizado de forma contrária à própria finalidade que gerou sua criação”, disse o ministro.

“Estamos diante de um caso de ofensa pura e simples, de ataques destinados a destruir reputações, do achaque, das ofensas claramente dolosas injuriosas e difamatórias, o que não se confunde com a crítica ácida ou contundente vinculada ao debate de questões de interesse público”, disse depois Gilmar Mendes.

Edson Fachin também considerou que as falas não tinham relação sequer com a “função fiscalizatória desempenhada pelos congressistas”. “São ofensas aparentemente gratuitas, que descambam da rivalidade política e apelam a promoção individual, por meio doo rebaixamento do outro”, afirmou em seu voto.

Ricardo Lewandowski apontou excesso, mesmo levando em conta o “contexto político eminentemente beligerante do estado de Goiás”. “As expressões ofensivas foram publicadas nas redes sociais do parlamentar, não se tratando, portanto, de discurso proferido no âmbito da casa legislativa, ao qual a jurisprudência tem prestado maior âmbito de proteção, no que concerne à imunidade material”, disse.

Em seguida, chamou a atenção para o fato de as ofensas terem sido veiculadas nas redes sociais e não em discursos no Congresso.

“Vossas excelências conhecem bem o alcance dessas mídias sociais, a capacidade que têm de influir em corações e mentes, sobretudo das pessoas mais ingênuas, mais crédulas. É uma suposta ofensa em relação à qual é muito difícil uma pessoa, ainda que seja uma autoridade, se defender adequadamente”, afirmou depois, defendendo a abertura de ação penal no Judiciário.

Único a divergir na sessão, André Mendonça disse que aplicou o mesmo entendimento que adotou no julgamento de Daniel Silveira, quando propôs uma pena menor para o deputado. Argumentou que só escapariam da imunidade parlamentar declarações com ameaças de agressão, o que não ocorreu no caso de Kajuru.

“Há evidente tolerância por parte da Constituição federal com o uso que normalmente seria considerado abusivo com o direito de expressar livremente suas opiniões, quando quem o estiver fazendo forem parlamentares no exercício de mandatos. Essa tolerância se justifica para assegurar um bem maior, que é a própria democracia. O caminho trilhado pela Constituição é o de conferir liberdade ao congressista. Caberia a casa legislativa a apuração de eventual quebra de decoro parlamentar”, disse Mendonça.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]