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Maioria do STF votou para restringir alcance de medida que livra agentes públicos de processos na pandemia.
Maioria do STF votou para restringir alcance de medida que livra agentes públicos de processos na pandemia.| Foto: Rosinei Coutinho/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (21) que agentes públicos poderão ser responsabilizados se não observarem “normas e critérios científicos e técnicos” e os “princípios constitucionais da precaução e da prevenção” no enfrentamento da pandemia do coronavírus.

A decisão foi tomada no julgamento de ações que pediam a suspensão da Medida Provisória (MP) 966, assinada em 13 de maio de pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A MP continua valendo e não foi considerada inconstitucional pelo STF, mas seu funcionamento passa a obedecer a critérios estabelecidos pelo relator do julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso.

Acompanharam Barroso os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Marco Aurélio Mello foi o único que divergiu e votou pela suspensão da MP.

A MP diminui a possibilidade de responsabilizar agentes públicos por erros ou omissões relacionados à Covid-19, com a finalidade de facilitar medidas de emergência contra a crise. Estabelece que o agente só poderia ser punido, no contexto da pandemia, por “erro grosseiro”. Os critérios fixados pelo STF esclarecem que tipo de erro poderia ser considerado grosseiro.

O ministro Luiz Fux, em seu voto, definiu como erro grosseiro “o negacionismo científico voluntarista”. “Nós temos diversos órgãos que informam aquilo que é eficiente e aquilo que não é eficiente. O agente público que atua no escuro o faz assumindo os riscos de produzir severos resultados”, disse Fux.

"Não podemos receitar cloroquina e tubaína", diz Gilmar Mendes

Gilmar Mendes, ao contrário dos outros ministros, citou diretamente o presidente Jair Bolsonaro ao falar sobre a necessidade de critérios científicos no enfrentamento da pandemia.

"Quero ressaltar a importância das decisões tomadas pelos gestores durante a pandemia de fiarem ao máximo possível em estândares técnicos, em especial aqueles decorrentes de normas e critérios científicos aplicáveis à matéria, entre eles as orientações da Organização Mundial da Saúde [OMS]. Nós não podemos é sair aí a receitar cloroquina e tubaína", afirmou o ministro.

"A Constituição não autoriza ao presidente da República ou a qualquer outro gestor público a implementação de uma política genocida na questão da saúde", acrescentou Mendes.

Que erros poderiam responsabilizar agente público na pandemia, para o STF?

A MP 966 considera erro grosseiro como “o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”. Barroso considerou subjetiva essa definição e decidiu fixar critérios mais objetivos na sessão plenária da quarta-feira (20).

O ministro estabeleceu que “configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente”. Estariam incluídos entre esses atos a inobservância “de normas e critérios científicos e técnicos” ou “dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção”.

A finalidade da MP, segundo os seus autores, é garantir liberdade para que agentes públicos tomem as medidas de emergência que a pandemia exige. Críticos da MP e opositores do presidente Bolsonaro alegam que ela é uma carta branca para que os agentes públicos sejam eximidos de responsabilidade por suas ações durante a crise.

Os ministros buscaram, em seus votos, expressar a necessidade de um meio termo entre a liberdade para agentes públicos tomarem medidas de enfrentamento à pandemia e a possibilidade de responsabilizá-los por má conduta na crise.

A ministra Cármen Lúcia resumiu esse dilema dizendo que não se pode aprovar "nem sequer a impunidade de agente público", "nem sequer a imobilidade decorrente do temor do agente público honesto que quer praticar atos dentro da lei".

Pedido de suspensão da MP é negado pelo STF

Só o ministro Marco Aurélio Mello acatou em seu voto o pedido original das sete ações que foram protocoladas no tribunal, pedindo a suspensão da MP. Elas acusavam inconstitucionalidade no documento e foram ajuizadas pela Associação Brasileira de Imprensa e pelos partidos Rede Sustentabilidade, Cidadania, PSOL, PCdoB, PDT e PV.

O relator do julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso, não enxergou caráter inconstitucional na MP 966 e foi acompanhado pelos colegas, à exceção de Marco Aurélio.

O ministro Alexandre de Moraes sugeriu a remoção do advérbio “somente” no artigo 1º da MP 966, que estabelece que “agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro” na pandemia. As ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia concordaram com a sugestão, mas Barroso não abriu o julgamento para essa mudança na MP.

Barroso tentou corrigir o caráter subjetivo da MP 966, principal motivo de crítica ao documento, fixando critérios para definir o que caracteriza o “erro grosseiro” de que a MP fala.

O ministro sugeriu estabelecer que “configura erro grosseiro o ato administrativo que ensejar violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente”. Estariam incluídos entre esses atos a inobservância “de normas e critérios científicos e técnicos” ou “dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção”.

Conforme a proposta de Barroso, o agente público deve assegurar que “as opiniões técnicas em que baseará a sua decisão” tratam de “normas e critérios científicos e técnicos” estabelecidos por “organizações e entidades médicas e sanitárias internacional e nacionalmente reconhecidas”. Além disso, as autoridades públicas devem observar os “princípios constitucionais da precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos”.

Críticos da MP consideram que ela tenta livrar agentes públicos de responsabilidade

A MP 966 dispõe que “agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”.

Críticos da MP 966 afirmam que o objetivo de sua publicação é proteger o governo federal de eventuais acusações de improbidade administrativa no enfrentamento do coronavírus.

Sete ações diferentes pedindo a suspensão da MP foram ajuizadas no STF, uma pela Associação Brasileira de Imprensa e as outras seis pelos partidos Rede Sustentabilidade, Cidadania, PSOL, PCdoB, PDT e PV.

A expressão “dolo ou erro grosseiro”, usada na MP, é considerada subjetiva demais pelos autores das ações. Em suas sustentações orais, os advogados representantes dos partidos que entraram com as ações afirmaram que a MP 966 tem como principal objetivo livrar de responsabilidade os agentes públicos, aproveitando-se dessa subjetividade.

Mesmo não acatando diretamente o que pediam os partidos e a ABI, Barroso fixou critérios que parecem atender aos objetivos dos proponentes das ações. Com a decisão do STF, a MP 966 perde, ao menos em parte, o efeito de imunizar agentes públicos contra acusações de improbidade.

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