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Big techs dizem que conteúdo só pode ser obtido pela Justiça americana| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar uma ação que opõe diretamente as grandes plataformas digitais – como Facebook, Google e Yahoo – às autoridades brasileiras que atuam em investigações criminais – Ministério Público e Justiça, principalmente. A Corte deverá decidir se as big techs que oferecem seus serviços no Brasil e têm sede no exterior são obrigadas a atender ordens judiciais de obtenção de conteúdos trocados por seus usuários. O julgamento originalmente estava marcado para esta quinta-feira (12), mas foi adiado para que ações pendentes da quarta sejam julgadas.

Em geral, a pedido do Ministério Público ou da polícia, juízes determinam que as empresas forneçam e-mails, conversas, mensagens e arquivos trocados por seus usuários quando eles podem provar crimes como tráfico de drogas, homicídio, roubo, organização criminosa, etc. Mais recentemente, magistrados têm exigido das empresas, a pedido de procuradores, comunicações privadas relacionadas à divulgação de fake news e discurso de ódio, “ataques” a instituições e propagandas irregulares em campanhas eleitorais.

O problema é que as empresas vêm se recusando a entregar o conteúdo das comunicações de seus usuários, alegando, em geral, que quem controla esses dados são suas sedes, que devem atender apenas a ordens em seus países de origem. Uma das principais interessadas na controvérsia é o Facebook, controladora do WhatsApp, aplicativo de mensagens mais popular no país.

As filiais, agências ou subsidiárias das big techs instaladas no Brasil dizem que não possuem acesso direto aos e-mails, mensagens e arquivos que trafegam em suas redes, mas apenas a dados cadastrais dos usuários e de acesso aos seus serviços – esses sim, alegam, podem ser entregues à Justiça brasileira assim que requisitados por qualquer juiz brasileiro.

Big techs dizem que juízes devem respeitar acordo internacional

As empresas alegam que, para obtenção de conteúdo, os juízes brasileiros devem recorrer a um acordo internacional firmado entre Brasil e Estados Unidos em 2001. Esse acordo, conhecido como MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty), impõe uma série de regras para a assistência jurídica entre os dois países em matéria penal. Possibilita, basicamente, que cada um obtenha provas localizadas no outro país, desde que atendidas uma série de requisitos (detalhamento do caso, especificação das provas, justificativa para acesso, etc).

O país que recebe o pedido, no entanto, pode recusá-lo se a solicitação “prejudicar a segurança ou interesses essenciais”. Em relação às comunicações nas redes, a legislação americana impede que as empresas forneçam material de seus usuários para autoridades estrangeiras – a ordem tem de vir de órgãos ou juízes dos Estados Unidos.

De acordo com o MLAT, um juiz brasileiro não pede diretamente a um juiz americano para obter os dados. Eles têm de enviar o pedido ao Ministério da Justiça, subordinado ao governo federal, que repassa o pedido ao Departamento de Justiça dos EUA (equivalente à Procuradoria-Geral da República nos EUA), que avalia o caso e, caso considere o pedido aceitável, só então manda um juiz americano fornecer os dados.

Trata-se de um caminho considerado “tortuoso” e “penoso” pelo Ministério Público e criticado também pelo Departamento de Recuperação de Ativos de Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), o órgão interno do Ministério da Justiça que faz essa intermediação. Ambos os órgãos defendem, com base no Marco Civil da Internet, que a Justiça pode determinar diretamente à representação da empresa no Brasil que forneça as comunicações, desde que ela ofereça serviços no Brasil ou tenha agência, filial ou subsidiária no país.

As empresas de tecnologia, no entanto, reclamam. Dizem que suas controladoras estão sujeitas a pesadas multas caso forneçam o conteúdo privado que trafega em suas plataformas, em razão de uma legislação mais protetiva à privacidade e à liberdade de expressão vigente nos Estados Unidos. Só podem fazer isso mediante ordem judicial americana e, daí, a defesa do MLAT como instrumento para isso.

E, no âmbito da ação no STF, elas protestam contra multas milionárias que já vêm sendo aplicadas por juízes no Brasil quando não conseguem entregar os dados requisitados pelo MP. Além das multas, os magistrados também têm autorizado processos judiciais contra os administradores brasileiros das empresas. Na ação que será julgada no STF, elas pediram uma liminar para impedir essas medidas, mas isso foi negado pelo relator do caso, Gilmar Mendes.

Em 2019, ele apenas proibiu que os valores já recolhidos das multas fossem movimentados e usados para outros fins, como políticas públicas, por exemplo. Na prática, deverão ficar congelados em contas judiciais para serem devolvidos, caso a Corte decida que as subsidiárias brasileiras não têm a obrigação de fornecer comunicações privadas à Justiça brasileira.

Recentemente, a polêmica sobre a forma de obtenção dos dados envolveu o próprio STF num caso concreto. No final de 2020, o ministro Alexandre de Moraes determinou que o Facebook entregasse, a pedido de uma delegada da Polícia Federal, comunicações privadas de pessoas investigadas no inquérito dos “atos antidemocráticos”.

A empresa diz que o ministro violou o devido processo legal, pois deveria ter obtido os dados por meio do MLAT. Exigir que sua sede americana forneça os dados seria violar a soberania americana. O Facebook pediu a Gilmar Mendes para derrubar a decisão, mas ele se negou, dizendo que um ministro não pode anular ato de outro, algo que caberia somente ao plenário, mediante recurso.

Empresas brasileiras de mídia têm interesse no julgamento

A controvérsia também interessa a empresas de mídia brasileiras. Em 2019, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) pediu para participar da ação, defendendo a possibilidade de a Justiça exigir as comunicações de usuários em poder das big techs dentro do Brasil, sem necessidade de usar o acordo internacional, como defende o MP.

As emissoras brasileiras argumentaram que elas estão sujeitas ao mesmo procedimento, pois também podem guardar dados privados de usuários. Isentar as empresas de tecnologia dessa obrigação, diretamente perante a Justiça brasileira, quebraria a igualdade na competição.

“A concorrência entre as empresas do setor, que a Constituição Federal pretende justa e limpa, restaria profundamente conspurcada, caso, conforme pretendido pelo autor, se imunizassem certas empresas da abrangência imperativa da atuação dos juízes e tribunais brasileiros, isentando-as do ônus de atender e cumprir os seus comandos, ao passo que outras – justamente as empresas nacionais, que impulsionam o crescimento do país – permaneceriam sujeitas ao jugo”, disse a Abert.

Na ação, a Presidência, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República se manifestaram pela rejeição do pedido das big techs, de restringir a obtenção das comunicações por meio do acordo internacional. Repetiram que o Marco Civil da Internet já sujeita elas à legislação brasileira e que o uso do MLAT atrasa a entrega das provas.

A PGR disse, por exemplo, que as sedes nos EUA podem dificultar ainda mais a entrega das comunicações, ao transferir o controle sobre para filiais em outros países que não têm acordo de cooperação com o Brasil.

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