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Presidente do STF, Dias Torroli, teve acesso a dados sigilosos de 600 mil pessoas.
Presidente do STF, Dias Torroli, teve acesso a dados sigilosos de 600 mil pessoas.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar na próxima quarta-feira (20) mais um tema importante para a Lava Jato e outras investigações de corrupção no país. O plenário vai analisar se há necessidade de autorização judicial prévia para compartilhamento de dados bancários e fiscais, obtidos pela Receita Federal, com o Ministério Público.

O caso interessa tanto à Lava Jato quanto ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que teve investigações contra ele paralisadas por causa de uma liminar do presidente do STF, Dias Toffoli, em julho. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também acompanha o caso de perto e alerta para possíveis prejuízos no combate à corrupção no país.

Os 11 ministros do STF vão analisar se órgãos de controle, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), rebatizado de Unidade de Inteligência Financeira (UIF), e a Receita Federal podem enviar ao Ministério Público relatórios detalhados com movimentações financeiras para investigações penais sem autorização judicial. Em julho, ao atender o pedido da defesa de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), Toffoli paralisou todas as investigações no país com origem nesse tipo de relatório.

O argumento para proibir o compartilhamento dos dados é que essa seria uma forma de driblar a necessidade de autorização judicial para quebra de sigilo bancário de investigados.

Recentemente, o presidente do STF determinou que o Banco Central (BC) encaminhasse a ele cópia de todos os relatórios produzidos pelo Coaf nos últimos três anos. A justificativa de Toffoli ao fazer a solicitação é a necessidade de entender o procedimento de elaboração desses relatórios. Com isso, o ministro teve acesso a dados sigilosos de cerca de 600 mil pessoas – 412,5 mil pessoas físicas e 186,2 mil pessoas jurídicas.

Os dados obtidos por Toffoli com a determinação envolvem pessoas com prerrogativa de foro e familiares de políticos. Ao todo, são 19.441 relatórios nas mãos do presidente do STF. A Procuradoria-Geral da República estuda como questionar a decisão do ministro.

Flávio Bolsonaro tem interesse no julgamento do STF

Um dos principais interessados no julgamento de quarta-feira (20) é o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Foi a pedido dele que Toffoli concedeu a liminar que paralisou todas as investigações do país.

O filho do presidente é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro pela prática de “rachadinha” quando era deputado estadual. A prática consiste na devolução de parte dos salários de servidores contratados no gabinete para a conta do senador. As investigações apontam que o operador do suposto esquema seria o ex-assessor Fabrício Queiroz, que fazia parte da equipe do gabinete de Flávio.

Essa investigação teve origem em um relatório do Coaf, que mostrou movimentações suspeitas nas contas bancárias de Fabrício Queiroz e seus familiares. O relatório também mostrou depósitos de Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. O presidente Jair Bolsonaro afirmou que o depósito se tratava da devolução de um empréstimo feito por ele ao ex-assessor do filho. Só depois de iniciadas as investigações, com base nos dados obtidos pelo Coaf, a Justiça autorizou a quebra de sigilo bancário de Queiroz.

Lava Jato também está entre os interessados no julgamento do STF

A operação Lava Jato também está entre as partes interessadas no julgamento. Órgãos como Coaf e Receita Federal foram essenciais para as investigações do esquema de corrupção na Petrobras.

Em 2015, o então presidente do Coaf, Gustavo Rodrigues, disse à CPI da Petrobras na Câmara que o órgão deu origem à operação a partir do envio de 267 relatórios de movimentação financeira suspeitas desde 2011.

Segundo Rodrigues, esses relatórios continham um total de 8,9 mil comunicações de operações financeiras suspeitas, que envolveram 27,5 mil pessoas e um valor total de R$ 55 bilhões.

Não foi só a Lava Jato que contou com o auxílio do Coaf. O órgão teve um papel importante em grandes investigações, como no mensalão e em operações como a Lava Jato, Greenfield (que investiga desvios nos fundos de pensão de bancos públicos e estatais), Cui Bono? (que apurou um esquema de fraudes na liberação de créditos junto à Caixa Econômica Federal), além de ter ajudado a polícia em investigações envolvendo o crime organizado em São Paulo.

Segundo dados atualizados pelo Coaf até junho deste ano, desde 2014 foram produzidos e enviados à autoridades competentes quase 16 mil relatórios. Destes, pelo menos 9,4 mil sobre corrupção. O Coaf também colaborou com 4,3 mil investigações sobre tráfico de drogas; 397 investigações sobre tráfico de armas; e 1,5 mil investigações envolvendo facções prisionais, como PCC e Comando Vermelho, por exemplo.

Missão da OCDE aponta prejuízos no combate à corrupção

Em missão no Brasil para avaliar possíveis riscos no combate à corrupção, um grupo de trabalho da OCDE demonstrou preocupação com decisões como a tomada por Toffoli, ao vetar o compartilhamento de dados fiscais e bancários entre órgãos de investigação sem prévia autorização judicial.

Se a decisão de Toffoli for mantida no julgamento da semana que vem, segundo o presidente do grupo antissuborno da OCDE, o esloveno Drago Kos, "serão necessárias medidas mais fortes". "Ainda vamos pensar no que fazer, mas a nossa reação vai ser forte", disse Kos, em entrevista coletiva na quarta-feira (13). Ele chegou a ter uma conversa com Dias Toffoli sobre o tema.

Outras “derrotas” no combate à corrupção

A lei de abuso de autoridade, aprovada pelo Congresso, e a proibição da prisão em segunda instância – decisão tomada pelo Supremo na semana passada – também foram citadas pelo grupo da OCDE como medidas que podem atrapalhar os esforços contra corrupção e o combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo.

Da mesma forma, o grupo acompanha com preocupação a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre acordos de leniência, a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que suspendeu procedimentos da Receita contra autoridades federais e parentes, bem como a decisão do Supremo que anulou sentença em um processo da Lava Jato para que o réu alvo de delação premiada pudesse se manifestar depois do réu colaborador.

O Brasil quer ingressar na OCDE como membro permanente e já fez uma requisição formal, ainda não atendida. A entrada no "clube dos países ricos", como é conhecido, é uma das principais aspirações do governo Bolsonaro na área internacional. A vantagem seria facilitar o ambiente de negócios.

O presidente do grupo de trabalho antissuborno disse que a situação do Brasil no mercado financeiro internacional ficará prejudicada se o Supremo mantiver a decisão sobre o compartilhamento de dados da Unidade de Inteligência Financeira (UIF) - antigo Coaf.

O fim da prisão em segunda instância, segundo o presidente da missão antissuborno, é preocupante porque faz os brasileiros "começarem a pensar que a impunidade voltou".

"O problema que eu vejo agora e o primeiro que eu mencionei é que, depois da Operação Lava Jato, a pessoa começou a entender que a lei será aplicada igualmente para todos os cidadãos. E agora eles vão começar a pensar que isso não é o caso. Aí as pessoas terão grande problema de novo", disse Kos.

O representante da OCDE demonstrou preocupação também com o possível desvirtuamento do pacote anticrime no Congresso. As propostas legislativas foram apresentadas pelo governo sob iniciativa do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. O risco, segundo Drago Kos, é que parlamentares façam alterações nos projetos para incluir medidas que, em vez de favorecer, dificultem o combate ao crime.

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