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Presidente Jair Bolsonaro e o novo chefe da Polícia Federal Alexandre Ramagem: proximidade com a família Bolsonaro.
Presidente Jair Bolsonaro e o novo chefe da Polícia Federal Alexandre Ramagem: proximidade com a família Bolsonaro.| Foto: Carolina Antunes/PR

Depois de ter sido determinante para a demissão de Sergio Moro do Ministério da Justiça e Segurança Pública, na sexta-feira (24), a escolha do comando da Polícia Federal virou discussão judicial. Moro deixou o governo por não concordar com a exoneração do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, e acusou o presidente Jair Bolsonaro de interferência política na corporação. Nesta terça-feira (28), o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, nome preferido de Bolsonaro para o cargo, foi confirmado como novo chefe da PF.

A nomeação é alvo de contestação judicial e gera um questionamento: a Justiça pode interferir na escolha de um presidente da República e vetar nomes, como fez recentemente com ministros indicados pelos ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB)?

O PDT recorreu direto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que Alexandre Ramagem não tome posse como diretor-geral da Polícia Federal. Em um mandado de segurança, o partido de oposição ao governo alega que o novo chefe da PF faz parte do ciclo pessoal de amizade da família Bolsonaro. "A indicação de Ramagem representa abuso de poder por parte de Bolsonaro com o objetivo de controlar a atuação da Polícia Federal", disse o PDT, em nota oficial.

Dois senadores da Rede Sustentabilidade, Randolfe Rodrigues (AP) e Fafiano Contarato (ES), entraram com ação popular na 22ª Vara Federal do Distrito Federal, para anular a exoneração de Valeixo do comando da Polícia Federal. Eles também buscam impedir a nomeação de Ramagem no cargo. Argumentam que a exoneração e a nova nomeação facilitariam o acesso indevido do presidente Jair Bolsonaro a inquéritos e relatórios judiciais.

O deputado federal Marcelo Freixo (Psol-RJ) também ingressou na Justiça para impedir a nomeação de Ramagem. No Twitter, ele afirmou que protocolou ação popular na 13ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal.

A oposição perdeu o primeiro round dessa batalha judicial. Na segunda-feira (27), o juiz federal Ed Lyra Leal, da 22ª Vara do DF, negou a liminar solicitada pelos senadores da Rede Sustentabilidade. Segundo o juiz, atender o pedido poderia violar a separação dos Três Poderes, visto que representa "drástica intervenção" nas competências do presidente da República, do Ministério da Justiça e da Polícia Federal.

Afinal, o Judiciário pode interferir em nomeações do presidente?

Segundo o advogado André Portugal, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra, o presidente não precisa de respaldo judicial para nomear o diretor-geral da PF. “A nomeação de ministros e de outros cargos, como diretoria da PF, é prerrogativa privativa do presidente da República nos termos do artigo 84, inciso I da Constituição. É um ato discricionário do presidente. Ou seja, ele pode nomear quem ele entender e não cabe ao Judiciário interferir nesse tipo de decisão”, ressalta.

Além disso, por ser delegado de primeira classe, Alexandre Ramagem atende ao pré-requisito número um para chefiar a Polícia Federal. Para Portugal, qualquer decisão que interfira na prerrogativa do presidente em fazer nomeações é inconstitucional. “Eventual decisão do Judiciário que barrasse essa decisão seria constitucionalmente equivocada”, disse.

Já o advogado Pedro Henrique Costódio, especialista em Direito Administrativo, defende que qual'quer ato do presidente deve ser guiado pelos princípios da administração pública e a nomeação de Ramagem pode contrariar os princípios da moralidade e da impessoalidade.

“Embora seja uma nomeação de competência do presidente, ele precisa observar aqueles princípios que regem a administração pública”, explica Costódio. “Quando se fala em princípios da administração pública nós temos aplicados nesse caso, principalmente, dois deles que poderiam ser discutidos judicialmente. Primeiro o princípio da impessoalidade, que proíbe que os atos administrativos estejam destinados ao atendimento de interesse particular ou se confundam com interesses particulares. E outra das principais teses dos partidos políticos é o princípio da moralidade, aquele que o agente precisa estar atento não apenas à norma jurídica, que é a lei, mas precisa estar restrito a uma lei ética e com a moralidade desse ato que ele está proferindo”, completa o advogado.

Por que nomeação de Ramagem é polêmica?

A nomeação de Ramagem para o comando da PF causa polêmica devido à proximidade do delegado com a família Bolsonaro. Ele é amigo do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), que é investigado em um inquérito comandado pela PF que corre no STF sobre disseminação de fake news.

Ramagem atualmente é diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e foi chefe da segurança de Bolsonaro em 2018, durante a campanha presidencial.

Nas redes sociais, o presidente rebateu uma internauta que apontou os laços de amizade de Ramagem com a família Bolsonaro. “E daí? Antes de conhecer meus filhos eu conheci o Ramagem. Por isso, deve ser vetado? Devo escolher alguém amigo de quem?”, escreveu, em tom irônico.

STF já barrou nomeações de Dilma e Temer

Apesar da prerrogativa para montar como bem entender o time de ministros, dois presidentes tiveram nomeações barradas pelo STF recentemente. Em 2016, o ministro Gilmar Mendes acatou um pedido dos partidos PSDB e PPS e barrou a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como ministro da Casa Civil da então presidente Dilma Rousseff (PT).

A  nomeação foi barrada depois que o então juiz da Lava Jato, Sergio Moro, tornou públicas conversas telefônicas interceptadas pela Polícia Federal. Em um dos diálogos, Lula e Dilma conversavam sobre a nomeação e a conversa foi interpretada como obstrução de Justiça. Mais tarde, Moro foi repreendido pelo STF por divulgar o diálogo, já que Dilma tinha prerrogativa de foro e ele era juiz de primeira instância — a decisão só poderia ter partido do Supremo.

Em sua decisão, Gilmar Mendes argumentou justamente com os princípios da moralidade e da impessoalidade para justificar o veto ao nome de Lula para assumir a Casa Civil de Dilma.

Outro precedente ocorreu em 2018, no governo Michel Temer (MDB). O então presidente tentou nomear a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o Ministério do Trabalho e enfrentou uma longa batalha judicial. A posse dela foi suspensa por decisão da ministra Cármen Lúcia, então presidente do STF.

Filha do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), Cristiane tinha no "currículo" uma condenação por dívidas trabalhistas e, por isso, sua indicação ao Ministério do Trabalho foi contestada.

Com base nesses precedentes, segundo o advogado André Portugal, é possível acreditar que o STF possa barrar a nomeação de Ramagem para a diretoria-geral da Polícia Federal. “A julgar por esses precedentes é possível que haja alguma decisão barrando essa nomeação. Mas reitero que seria uma decisão equivocada, em todo o caso, como era equivocado no caso da nomeação pela Dilma e na nomeação pelo Temer”, defende.

Para o advogado Pedro Henrique Costódio, porém, não há nada de errado em o Judiciário se manifestar sobre a nomeação, uma vez provocado. “Legalmente essa nomeação é possível, não tem nenhum impedimento legal, mas o Judiciário pode, a depender dos elementos que forem utilizados e do poder de convencimento da petição, entender que houve violação a esses princípios que regem a administração pública”, ressalta.

Outros caminhos para barrar a nomeação

Para Portugal, a aposta no Judiciário para resolver questões como essa é perigosa e pode abrir precedentes negativos. “As pessoas, às vezes, obviamente ficam inconformadas com decisões que são discricionárias do âmbito do Poder Executivo e acabam apostando no Judiciário, atribuindo um poder, como se o Judiciário fosse um salvador da pátria. Só que é problemática essa ideia porque os ministros do STF não foram eleitos. Você autorizar a um poder que não foi democraticamente eleito que interfira em decisões administrativas nesses moldes é algo muito perigoso”, opina o advogado.

Portugal ressalta que há outros caminhos institucionais para evitar interferência política na PF. “O sistema oferece outros caminhos institucionais para que decisões como essas não sejam aceitas e sejam eventualmente objeto de uma punição. Esse caminho seria essencialmente o impeachment [do presidente da República], uma vez que se comprovada a hipótese de uma nomeação para fins de interferência na Polícia Federal, isso é causa evidente para impeachment, é um crime de responsabilidade”, destaca.

Delegados querem lista para nomeação

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) divulgou carta aberta ao presidente, neste domingo (26), pedindo que a escolha dos próximos diretores seja mediante lista apresentada pelos delegados federais, com sabatina, por meio de um projeto de lei com previsão de mandato para o cargo.

“Há uma crise confiança instalada por parte dos delegados de Polícia Federal”, afirma a entidade, que destaca a necessidade de distância para evitar que atos sejam interpretados como tentativa de intervir politicamente no órgão.

Também foi solicitado uma proposta de emenda constitucional (PEC) prevendo autonomias à PF. “O contexto da exoneração impõe ao próximo diretor um desafio enorme. Existe o risco de enfrentar uma instabilidade constante em sua gestão. O último comandante da PF que assumiu o órgão em contexto semelhante teve um período de gestão muito curto", diz a carta.

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