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Luiz Fux e Jair Bolsonaro no STF
Ministros do STF avaliam que acusações de Bolsonaro contra Barroso e Moraes não vão andar no Senado; Luiz Fux está disposto a reconstruir ponte com o Planalto.| Foto: Marcos Correa/PR

A intenção do presidente Jair Bolsonaro de pedir ao Senado o impeachment dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso já despertou no Supremo Tribunal Federal (STF) planos para reagir à ofensiva. Se o chefe do Executivo apresentar as denúncias, a resposta será abrir uma nova frente de investigação contra ele, desta vez por suposta prática de denunciação caluniosa.

Este crime, previsto no Código Penal, consiste em dar causa a algum processo ou investigação contra alguém que o denunciante sabe ser inocente. A pena é de 2 a 8 anos de reclusão.

O cabimento dessa nova suspeita contra Bolsonaro depende, obviamente, do teor das denúncias a serem apresentadas contra Barroso e Moraes ao Senado, ainda desconhecidas.

Mas, qualquer que seja o conteúdo das acusações, já existe, na Corte, uma linha de defesa para cada um dos ministros (leia abaixo). Assim, eles não só poderão rebater as denúncias, como também revidar apontando denunciação caluniosa por parte de Bolsonaro.

Uma ideia em estudo é incluir a suspeita de denunciação caluniosa no inquérito das fake news, onde Bolsonaro, aliás, já é investigado por esse crime, por decisão do próprio Alexandre de Moraes. Ele é suspeito de ter cometido o crime por fazer acusações sem provas de fraude nas urnas eletrônicas. Mas também poderá ser investigado se a denúncia contra os ministros for considerada frágil. Essa avaliação também caberá à Procuradoria-Geral da República — Moraes poderá pedir ao órgão uma análise da iniciativa de Bolsonaro de acusar os ministros.

Dentro do STF, nenhum ministro acredita que o procurador-geral da República, Augusto Aras, vá denunciar Bolsonaro por isso, mas só o fato de enviar para ele mais essa suspeita aumenta o “passivo” do presidente na Justiça.

A intenção aqui é que, depois que Bolsonaro deixar a Presidência e perder o foro privilegiado, todas as investigações contra ele, em diversas frentes e inclusive com essa nova "suspeita", tenham andamento na primeira instância da Justiça, onde um procurador comum possa, enfim, apresentar as denúncias.

O objetivo, com isso, é fazer com que Bolsonaro recue e deixe de denunciar os ministros, cogitando o risco de ser condenado no futuro. A resposta do STF ao presidente da República parte de um acordo tácito, feito entre os próprios ministros, de, a partir de agora, reagir a afrontas dele.

Até o meio do ano, as críticas de Bolsonaro aos ministros e ao STF eram deixadas de lado — eles consideravam que o presidente fazia isso para agradar sua base eleitoral. O cenário mudou quando ele endureceu o tom e passou a insultar Barroso e Moraes na discussão sobre o voto impresso.

O que os ministros do STF esperam das denúncias

Entre os próprios ministros, a aposta é que o presidente acuse Barroso e Moraes por ao menos dois crimes de responsabilidade previstos na Lei 1.079, de 1950, que define os tipos de conduta puníveis com a destituição do cargo. São eles: exercer atividade político-partidária e proceder de modo incompatível com a honra, dignidade e decoro de suas funções.

Esses dois crimes de responsabilidade poderiam ser usados para acusar tanto Barroso quanto Moraes, pelo fato de os dois terem se reunido com deputados e presidentes de partidos para convencê-los a rejeitar, na Câmara, a proposta do voto impresso.

Em conversa com apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro chegou a acusá-los de chantagear os políticos. O presidente insinuou que eles poderiam retaliar os partidos em julgamentos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde também são ministros.

“Tirando os partidos de esquerda, que votaram contra, muita gente votou preocupada. Estão com problemas. Essas pessoas resolveram votar com o presidente do TSE. Os que se abstiveram, é sinal que também ficaram preocupados com retaliações”, disse Bolsonaro no último dia 12.

As reuniões de Barroso e Moraes com políticos também poderão motivar a acusação de quebra de decoro. Poderá ser usada, por exemplo, uma foto de um almoço, na última segunda-feira (9), de Alexandre de Moraes com o deputado Rodrigo Maia (sem partido-RJ) e o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), em uma churrascaria.

Situação de Alexandre de Moraes

Naquele mesmo dia, Moraes, na condição de ministro do TSE, subscreveu uma notícia-crime, assinada por todos os ministros da Corte Eleitoral, contra Bolsonaro, acusando-o de divulgação de segredo, por ter, na semana anterior, publicado nas redes sociais cópia do inquérito sigiloso da Polícia Federal sobre a invasão hacker aos sistemas das urnas eletrônicas.

O problema é que a notícia-crime foi destinada ao próprio Alexandre de Moraes, na condição de relator, no STF, do inquérito das fake news. Na quinta-feira (12), ele mesmo acolheu a peça e abriu nova investigação sobre o presidente pelo vazamento, na qual também será o relator.

“O membro do TSE que subscreveu a representação ao STF, não poderia, sendo ministro do STF, atuar naquele tribunal. Das duas uma: ou não subscreve a representação do TSE e atua lá no STF, ou ele faz a representação do TSE e não atua no STF. Se o ministro Alexandre de Moraes subscreveu a notícia-crime, não deveria atuar lá no STF, no inquérito das fake news. Não pode exercer duplo papel. Nisso reside o erro, a meu ver”, disse à Gazeta do Povo o advogado Eugênio Pacelli, mestre e doutor em direito penal e renomado autor na área.

Outro fato que torna a condição de Moraes mais delicada é a ordem de prisão do presidente do PTB, Roberto Jefferson, na última sexta-feira (13). Vários advogados criticaram a medida, pois consideram que a decisão não tem fundamentos sólidos. Moraes mandou prender o ex-deputado a pedido da delegada Denisse Ribeiro, da Polícia Federal, que disse que a prisão era a única forma de interromper ofensas e ameaças que Jefferson vinha fazendo aos ministros em entrevistas e nas redes sociais.

O fundamento da prisão preventiva, portanto, foi cessar a “continuidade delitiva”, o que é permitido pelo Código de Processo Penal. A dúvida, no entanto, é se realmente a conduta de Jefferson configura crime — até porque parte das suspeitas sobre ele são baseadas na Lei de Segurança Nacional, que acaba de ser revogada pelo Senado. Assim que ela for sancionada por Jair Bolsonaro, ele não poderá mais ser investigado e processado por esses delitos. Os outros crimes supostamente cometidos — calúnia, injúria, difamação e até mesmo ameaça — são considerados de menor potencial ofensivo, que não levam ninguém à prisão, mesmo após uma condenação.

Ainda pesa contra Moraes outro fato relacionado à prisão de Roberto Jefferson: o ministro do Supremo pode ser considerado suspeito no caso porque também é autor de uma ação particular por danos morais movida contra o presidente do PTB. No último dia 21 de julho, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou decisão da primeira instância que condenou Jefferson a indenizar o ministro em R$ 50 mil, justamente em razão de insultos e acusações sem provas contra Moraes.

O Código de Processo Penal diz que um juiz deve declarar-se suspeito — e se não fizer, pode ter sua atuação questionada — se for “inimigo capital” ou credor da parte. Com base nisso, a defesa de Roberto Jefferson já disse que vai pedir a suspeição de Moraes.

"A prisão é arbitrária, isso é fato, fundamentada em opinião, por mais dura que seja. A ordem constitucional foi quebrada, o ministro é suspeito porque processa civilmente o Roberto Jefferson. E ele não tem foro privilegiado para ser investigado no STF”, disse o advogado do presidente do PTB Luiz Gustavo da Cunha à reportagem, na última sexta-feira (13).

A lei do impeachment, por sua vez, também diz que um ministro do STF comete crime de responsabilidade se “proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa”. Trata-se de outra acusação, portanto, que Bolsonaro poderá fazer especificamente contra Moraes.

Situação de Barroso

Se a situação de Moraes é mais delicada, quanto a Luís Roberto Barroso, a projeção, dentro do STF, é de que as acusações de Bolsonaro sejam mais frágeis.

Como já vem fazendo, ele deverá alegar que se reuniu e conversou com deputados sobre o voto impresso a convite da própria comissão especial da PEC na Câmara. Em junho, o ministro debateu o assunto numa audiência pública, transmitida ao vivo pela internet e realizada no plenário principal, onde foi recebido pelo próprio presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Em relação a Barroso, os ministros avaliam também que Bolsonaro não poderá denunciá-lo, por exemplo, em razão de seus votos e posicionamentos no STF — como a defesa do aborto, por exemplo, objeto de constantes críticas do presidente — e tampouco por ser considerado um magistrado progressista e indicado pela ex-presidente Dilma Rousseff, do PT.

Isso porque a jurisprudência da Corte é pacífica no sentido de que não cabe acusar um juiz em razão de suas convicções e dos fundamentos que adota em uma decisão judicial. O próprio Barroso foi relator de uma decisão de 2019 que livrou de punição o desembargador Rogério Fravreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Ele foi acusado de prevaricação por ter tentado soltar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante um plantão judicial, em julho de 2018.

O Ministério Público Federal o acusou de agir com motivações pessoais no caso — ele já foi filiado ao PT e ocupou diversos cargos por indicação do partido. Mas, ao julgá-lo, a Primeira Turma do STF entendeu que isso não era motivo para denunciá-lo.

“O vínculo pessoal do prolator da decisão, anterior aos fatos, não é suficiente para afirmar que a decisão tenha sido proferida para satisfazer sentimento pessoal, justamente porque o indiciado se utilizou de fundamentos jurídicos minimamente plausíveis”, afirmou a decisão de Barroso, ratificada, em 2019, por Moraes, Marco Aurélio, Luiz Fux e Rosa Weber.

O que esperar do Senado

Mesmo com todos esses problemas, os ministros do STF consideram que, no Senado, não há condições políticas para a deflagração de um processo de impeachment contra Moraes e Barroso.

Depois das declarações de Bolsonaro, no sábado (13), o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), fez chegar a alguns deles que, por enquanto, não tomará qualquer decisão sobre o assunto — cabe a ele deflagrar, ou não, processos de impeachment contra ministros do STF.

Há quem considere que, por ter esse poder de decisão, Pacheco assumirá, a partir de agora, o papel de “moderador” na crise institucional entre o Planalto e o STF. Essa missão já coube a Arthur Lira, mas não vingou porque, mesmo após a derrota do voto impresso na Câmara, Bolsonaro não recuou da postura de enfrentamento em relação aos ministros.

A ponte do Planalto com o STF, no entanto, ainda poderá ser reconstruída. Da parte do presidente da Corte, Luiz Fux, há boa vontade. Na próxima quarta-feira (18), ele receberá, em seu gabinete, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), que pediu o encontro. Na quinta-feira (19), receberá a deputada Bia Kicis (PSL-DF), presidente da CCJ da Câmara e uma das maiores aliadas de Bolsonaro na Casa.

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