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Viagens secretas dos ministros do STF no ano passado custaram R$ 850 mil ao contribuinte.
Regra do empate vira brecha para políticos envolvidos na Lava Jato no STF| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A ausência do ministro Celso de Mello nos julgamentos da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tem facilitado a defesa de políticos envolvidos em processos criminais, como a Lava Jato. Desde que o ministro entrou em licença médica para passar por uma cirurgia, em 19 de agosto, seis julgamentos terminaram com empate, o que beneficia os réus. Metade dos casos envolve investigados na Lava Jato. A licença terminaria no dia 11 de setembro, mas o ministro estendeu o período até o dia 26.

Celso de Mello costuma ter o voto de minerva nos casos da Lava Jato na Segunda Turma do STF. De um lado, os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia costumam votar a favor das teses da operação. De outro, considerados ministros da ala garantista do STF, estão os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, críticos dos métodos de investigação da Lava Jato. Celso de Mello costuma ser o fiel da balança, votando ora com uma ala, ora com outra.

Com a ausência dele das sessões, os julgamentos têm terminado em empate, o que em matéria criminal favorece os réus. Isso acontece devido ao princípio in dubio pro reo, segundo o qual a dúvida dos julgadores beneficia o réu nos casos criminais. A condenação só pode ser imposta quando não houver dúvidas de autoria e materialidade dos crimes cometidos e, segundo esse princípio, um empate nos tribunais é a expressão maior da dúvida.

STF já decidiu que empate beneficia o réu

Em 2012, o próprio STF já decidiu que empates beneficiam réus quando julgou o caso do Mensalão. Sete julgamentos do caso terminaram empatados. A posição foi definida por 10 votos a 1 - apenas Marco Aurélio discordou da tese de que os empates deveriam ser convertidos em absolvições. Para ele, o presidente do STF tem a prerrogativa de desempatar a questão.

Na época, Celso de Mello concordou que os empates devem beneficiar os réus. Ele destacou que a regra “encontra apoio não só na lei, mas na Constituição Federal”. “Essa regra, ainda que ditada sob regime autoritário, do Estado Novo de Vargas, consagra o princípio da presunção da inocência”, afirmou Celso de Mello durante o julgamento.

Agora, o Supremo vai voltar a se debruçar sobre o tema. No início de setembro, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, propôs que o STF reveja a aplicação do princípio in dubio pro reo. Fachin sugere que a regra que determina que o empate beneficia o réu passe a valer apenas para julgamentos de habeas corpus, por ser uma ação de caráter urgente que implica na liberdade de ir e vir. Nos demais casos, o relator da Lava Jato recomenda que se aguarde o retorno do ministro ausente para conclusão do julgamento.

O caso será analisado pelo plenário do STF, mas ainda não há uma data prevista para a deliberação dos ministros.

Lava Jato já sofreu derrotas no STF durante ausência de Celso de Mello

Três julgamentos da Segunda Turma envolvendo a Lava Jato durante ausência de Celso de Mello terminaram em empate desde que o ministro saiu de licença médica.

No início de setembro, o empate levou ao retorno de um processo contra Marcos Antonio Pereira, ex-ministro da Indústria e Comércio do governo Dilma Rousseff, à Justiça Eleitoral do Distrito Federal.

A investigação teve início no STF, tendo como objeto a possível realização de pagamentos ilícitos da empresa Odebrecht a políticos da coligação “Com a Força do Povo”, da chapa Dilma Rousseff e Michel Temer, nas eleições presidenciais de 2014. Após Pereira deixar o cargo e perder o foro por prerrogativa de função, o caso foi remetido à Justiça Eleitoral do DF por haver indícios de crime eleitoral.

A Justiça Eleitoral, porém, remeteu o caso à Justiça Federal, o que foi contestado pela defesa. Fachin e Cármen Lúcia entenderam que o caso poderia ficar na Justiça Eleitoral. Já Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram no sentido contrário, tese que acabou prevalecendo por causa do empate.

Na mesma sessão, o empate também levou à suspensão de uma ação penal contra o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) e ex-senador Vital do Rêgo Filho e do o ex-deputado federal Marco Maia (PT/RS) na Justiça Federal de Curitiba.

Os dois são acusados de terem solicitado e recebido vantagem indevida para a obstrução dos trabalhos da CPMI da Petrobras, da qual eram presidente e relator, respectivamente. A investigação aponta que, em troca de doações para a campanha eleitoral de 2014, os parlamentares favoreciam empresários ligados a empreiteiras para que não fossem convocados para depor ou para que deixassem de submeter a votação pedidos de quebra de sigilo.

Na sessão da última terça-feira (8), o empate tirou da Justiça Federal de Curitiba parte do inquérito em que os ex-senadores Romero Jucá Filho e Valdir Raupp são investigados pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro relativos a irregularidades na Transpetro.

Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), os ex-parlamentares teriam recebido vantagem indevida sob a forma de doações eleitorais oficiais feitas por empresas a diretórios do PMDB (atual MDB), a pedido do então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, em troca de apoio político para sua permanência no cargo.

Nos recursos, as defesas questionavam decisão do relator, ministro Edson Fachin, de encaminhar as investigações ao juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), que julga os casos relacionados à Operação Lava-Jato, após a perda de prerrogativa de foro. Segundo os advogados, os eventuais ilícitos investigados não têm relação com a operação, pois a suposta prática de corrupção passiva teria sido consumada em Brasília, o que atrairia a competência da Justiça Federal no Distrito Federal para o processamento do caso.

Com os votos de Gilmar e Lewandowski, o caso foi remetido à Justiça Federal do Distrito Federal. Cármen Lúcia e Fachin foram voto vencido.

Não é só a Lava Jato

Não são apenas casos da Lava Jato que têm terminado com um impasse na Segunda Turma. Outros três julgamentos na ausência de Celso de Mello também acabaram empatados.

Ainda em agosto, a Segunda Turma reintegrou ao cargo um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT) investigado pela suposta prática de corrupção passiva no exercício da função pública.

O empate também levou o colegiado a anular a condenação contra o doleiro Paulo Roberto Krug por crimes financeiros no caso Banestado. Gilmar e Lewandowski concluíram que houve quebra da imparcialidade do então juiz Sérgio Moro, que atuou na causa. Na fase de celebração do acordo de colaboração premiada, Moro tomou o depoimento de colaboradores, inclusive do doleiro Alberto Youssef, e, dessa forma, participou da produção da prova na fase investigativa.

No início de setembro, um julgamento na Segunda Turma que terminou empatado assegurou a concessão de prisão domiciliar a uma mulher presa por tráfico de drogas. Ela havia sido beneficiada pelo HC coletivo em que o STF concedeu o direito a gestantes e mães de filhos de até 12 anos, quando foi presa novamente.

Suspeição de Moro no caso Lula será julgada no STF

Um dos casos que pode voltar à pauta da Segunda Turma é o pedido da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para que o ex-juiz Sergio Moro seja considerado parcial para julgar o petista. 

O voto de Celso de Mello é visto como essencial no julgamento. Fachin e Cármen Lúcia já votaram para negar o pedido. De outro lado, Gilmar e Lewandowski tendem a concordar com a tese da defesa.

Se o julgamento terminar empatado, a sentença do caso do tríplex no Guarujá pode ser anulada, o que também poderia ter efeitos em outros processos contra Lula iniciados por Moro.

O caso está paralisado por um pedido de vistas de Gilmar Mendes, que pode devolver o caso para julgamento a qualquer momento.

Aposentadoria de Celso de Mello

Além da licença médica de Celso de Mello, outro fator pode gerar mais empates nos julgamentos da Segunda Turma do STF. O ministro vai se aposentar compulsoriamente no início de novembro, quando completa 75 anos.

O lugar dele deve ser ocupado pelo ministro indicado para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Mas o processo de escolha é longo e o indicado precisa passar por uma sabatina no Senado antes de ser nomeado. Enquanto isso, a Segunda Turma ficaria apenas com quatro ministros.

Uma possibilidade é que algum outro ministro peça transferência da Primeira para a Segunda Turma depois da aposentadoria de Celso de Mello. Nos bastidores, há uma tentativa de convencer o ministro Dias Toffoli, que deixou recentemente a presidência do STF, a pedir a transferência. Toffoli tende a se alinhar aos ministros garantistas do colegiado, o que pode causar ainda mais derrotas para a Lava Jato. O ministro, porém, tem resistido a ideia de trocar de Turma. 

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