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Ministro Alexandre de Moraes disse que Estado não pode ser surpreendido com nova lei de improbidade se atuou de forma regular no passado| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quinta-feira (4) pela não retroatividade da nova Lei de Improbidade Administrativa. Relator de uma ação que discute o assunto e que começou a ser julgada no dia anterior, ele considerou que as regras mais benéficas da nova lei – no caso, o fim da possibilidade de acusar um gestor público por lesão aos cofres públicos quando não há intenção de causar prejuízo; e também prazos de prescrição antecipados ou mais curtos no processo – não devem ser aplicadas antes da sanção da lei, em outubro de 2021, o que poderia arquivar ações ainda em tramitação.

Por outro lado, Moraes considerou que, em processos ainda em andamento, sem trânsito em julgado (sentença definitiva), não será mais possível condenar, no futuro, gestores que tenham causado prejuízos ao erário sem o dolo – ou seja, intenção, má-fé ou consciência da possibilidade de lesão –, uma vez que a nova lei suprimiu a modalidade culposa deste tipo de ato – que implica a responsabilização objetiva, em que o gestor poderia ser punido apenas por assinar aquela decisão que causou prejuízo, em razão do cargo que ocupava na administração.

“Poderá ele [gestor] continuar a ser processado por um ato de improbidade que não mais existe? Até aquele momento tudo vale, mas daqui a dois meses, poderá o juiz condená-lo por ato de improbidade culposo que não mais existe, porque no momento da prática do ato existia? Entendo que não. Aqui não se trata de retroatividade, se trata de não ultratividade da lei revogada”, afirmou o ministro no julgamento.

Para ele, nesses processos, todas as provas continuam válidas, de modo que a Justiça possa analisar, até a decisão final, se pode ter ocorrido “dolo eventual”. “Se se comprovar que uma conduta, mesmo que imprudente, negligente, foi feita com má-fé, ou no mínimo o gestor falou um ‘dane-se’, vislumbrou o resultado, mas não se preocupou, é um dolo eventual. Esses casos devem ser analisados caso a caso”, disse, admitindo, nessa situação, a condenação.

Já em relação a um processo transitado em julgado, na qual o gestor tenha sido condenado por prejuízo ao erário, mesmo sem intenção, Moraes não falou na possibilidade de absolvição.

Moraes foi o primeiro a votar no julgamento, realizado no plenário do STF. Depois dele, na sessão desta quinta, André Mendonça votou pela possibilidade de reversão de uma condenação por lesão culposa (sem intenção), mesmo após o trânsito em julgado, por meio de uma ação rescisória. A decisão final sobre essas questões, contudo, depende de uma maioria de ao menos seis votos entre os 11 ministros. O julgamento foi interrompido e será retomado na próxima quarta (10).

O caso interessa de perto a políticos, sobretudo aos que foram condenados por improbidade em segunda instância, o que os torna inelegíveis, por imposição da Lei da Ficha Limpa. Vários deles querem se livrar dos processos e anular as condenações não apenas alegando ausência de dolo – intenção de causar prejuízos –, mas também pleiteando que os novos e menores prazos de prescrição sejam aplicados para trás. A nova lei diz que a ação deve ser extinta se não for ajuizada em até 8 anos após o fato considerado ímprobo. O mesmo acontece se tramitar por mais de 4 anos numa mesma instância.

Em relação a esse ponto, Moraes rechaçou a retroatividade, mantendo os prazos maiores previstos anteriormente para os fatos ocorridos antes da lei (cinco anos para ajuizar a ação após a descoberta do ato ímprobo e sem a prescrição intercorrente de 4 anos em cada instância).

“Para mim, a prescrição precisa de inércia do Estado. Como pode o Estado, em termos importantíssimos de combate à corrupção, ser surpreendido sobretudo com uma prescrição intercorrente, dizendo olha: ‘Estado, você atuou dentro do tempo legal, não se quedou inerte, você atuou regularmente, mas agora diminuiu o tempo, então o que foi atuação regular agora é irregular e está prescrito? Não é possível”, argumentou o ministro.

De qualquer modo, ele ressaltou que, nos casos em que há dolo, aquelas ações que buscam o ressarcimento dos cofres públicos são imprescritíveis, conforme jurisprudência já consolidada do próprio STF.

Como votou André Mendonça na ação da Lei de Improbidade

Em seu voto, André Mendonça admitiu a possibilidade de que, mesmo nos casos com trânsito em julgado, a pessoa condenada por prejuízo ao erário sem dolo, mas somente por culpa – situações de imperícia, imprudência ou negligência – possa reverter a condenação.

“As alterações promovidas pela nova lei, em relação ao elemento subjetivo, apto a configurar o ato de improbidade, aplicam-se aos processos em curso e aos fatos ainda não processados. Em adição, agrego um elemento. Diante da proteção constitucional à coisa julgada, a aplicação da referida tese, quando cabível, aos processos já transitados em julgado, dependerá do manejo da ação rescisória. Se houver ainda uma ação transitada em julgado, há a possibilidade de manejo, em relação à questão de culpa, de ação rescisória”, disse no julgamento.

Na segunda parte do voto, assim como Moraes, Mendonça rejeitou a ideia de aplicar em processos iniciados antes da nova lei o chamado prazo intercorrente, pelo qual uma ação é extinta se ficar mais de quatro anos numa mesma instância – essa regra não existia anteriormente.

“As autoridades públicas tinham o dever desse prazo [novo]? É como se houvesse um campeonato onde alguém se sagrou campeão com um gol aos 90 minutos e vem uma nova regra dizendo que só são 80 minutos. Vamos tirar o título agora e mudar? Não tenho como fazer isso. Então, o Estado tinha o dever de agir num prazo determinado, em relação à prescrição intercorrente? Não tinha. Posso responsabilizá-lo ou trazer um efeito jurídico em relação a um dever não cumprido quando não havia esse dever? Sob a minha ótica, não.”

Em relação ao prazo geral da prescrição – que estabelece o máximo de 8 anos para ajuizar a ação após o ato considerado ímprobo – Mendonça diz que ele deverá ser aplicado para os casos em andamento, contando o tempo de tramitação transcorrido antes da nova lei. Assim, se um fato suspeito ocorreu em 2000, o Ministério Público terá até 2028 para ajuizar a ação de improbidade. Antes da lei, o órgão tinha 5 anos para processar o gestor após a descoberta do caso, mesmo que ela tenha ocorrido em qualquer período de tempo após o ato suspeito.

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