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Planos de saúde batalham para não serem obrigados a cobrir tratamentos fora da lista da ANS| Foto: Agência Brasil

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomará, nesta quarta-feira (8), um julgamento que mexe diretamente com os quase 50 milhões de usuários de planos de saúde no país. A Segunda Seção da Corte, formada por 10 ministros, vai definir se o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é "taxativo" ou "exemplificativo".

Se a decisão for de que é taxativo, será firmada uma jurisprudência para que os planos só sejam obrigados a cobrir os tratamentos que constam da lista da ANS. Nesse caso, os clientes que se sentem prejudicados terão mais dificuldade para conseguir que a Justiça obrigue as operadoras de saúde a custear outros procedimentos.

Publicado a cada dois anos, a lista da ANS tem atualmente cerca de 3 mil tratamentos e medicamentos que todo plano deve obrigatoriamente cobrir no tratamento de saúde de seus clientes. Ocorre que, muitas vezes, pacientes são orientados por seus médicos a realizar terapias fora dessa lista que eles consideram mais eficazes ou modernas.

Os planos se recusam a pagar e a pessoa tem de recorrer à Justiça para forçá-lo a bancar o tratamento. Em geral, juízes e tribunais obrigam o plano a pagar, porque consideram o rol exemplificativo – ou seja, lista a cobertura mínima que deve ser oferecida. Julgam que, se houver um tratamento eficaz e seguro para uma doença, a operadora deve arcar. Os planos, no entanto, argumentam que o rol é taxativo, ou seja, não pode obrigá-los a bancar o que está fora da lista da ANS, embora possam oferecer tratamentos adicionais se o cliente pagar uma mensalidade mais cara.

A controvérsia se intensificou em 2019 depois que a Quarta Turma do STJ, colegiado menor, formado por cinco ministros, acolheu o argumento das operadoras para definir que o rol é taxativo, o que desobrigaria os planos de cobrir o que está além da lista da ANS. A decisão, no entanto, entra em choque com o entendimento da Terceira Turma do STJ, que considera o rol exemplificativo, uma base de referência que não esgota o que deve ser bancado pelos planos.

Impasse sobre planos de saúde levou caso para colegiado maior do STJ

Por causa do impasse, a questão passou a ser discutida na Segunda Seção do STJ, que junta os ministros das duas turmas que têm entendimentos diferentes sobre os planos de saúde. O julgamento começou em setembro de 2021, quando o ministro Luís Felipe Salomão, defensor do rol taxativo na Quarta Turma, reafirmou essa posição. Ele argumenta que o rol beneficia os clientes porque prevê tratamentos seguros e eficazes e, além disso, garante sustentabilidade financeira para os planos de saúde. “A submissão ao rol da ANS, a toda evidência, não privilegia nenhuma das partes da relação contratual, pois é solução concebida e estabelecida pelo próprio legislador para harmonização da relação contratual", afirmou em seu voto.

Salomão sustenta que, se o rol for considerado exemplificativo, a lista, na prática, ficará sempre flexível e indefinida, o que levará os planos a pressionar a ANS por aumentos uniformes na mensalidade para todos os clientes, que terão de pagar mais para compensar custos maiores gerados por uma parcela deles, que demanda tratamentos especiais não listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar. O ministro concluiu que isso prejudica os mais pobres, que assim não teriam condição de pagar por um plano básico.

Segundo ele, se não houver aumento para todos, uma operadora poderia quebrar, tonando o mercado mais concentrado, o que também não contribuiria para redução de preços. Salomão acrescentou que o rol é taxativo em países como Inglaterra, Itália, Japão e Estados Unidos. Ele defendeu a competência da ANS no Brasil para definir a lista de tratamentos médicos – a agência, segundo ele, tem competência técnica para verificar periodicamente o respaldo científico e a viabilidade dos procedimentos.

Ainda em setembro, a ministra do STJ Nancy Andrighi, que lidera a corrente contrária, a favor do rol exemplificativo, interrompeu o julgamento da Segunda Seção com um pedido de vista. Em fevereiro, ela levou ao colegiado seu voto contra a posição de Salomão. Argumentou que a lista não pode se sobrepor a situações individuais, em que o médico prescreve o tratamento mais adequado para aquela pessoa, considerando, inclusive, novas tecnologias que a ANS pode demorar a incorporar ao rol. O direito à saúde, no caso, deve prevalecer, segundo Nancy Andrighi.

Ela acrescentou que a Lei dos Planos de Saúde, norma superior às resoluções da ANS, já estabelece que as operadoras devem tratar obrigatoriamente de todas as moléstias listadas na Classificação Internacional de Doenças (CID). A lei também elenca tipos de procedimentos de cobertura não obrigatória, como tratamentos experimentais e estéticos.

“Não cabe à ANS estabelecer outras hipóteses de exceção da cobertura obrigatória pelo plano-referência, além daquelas expressamente previstas nos incisos do artigo 10 da Lei 9.656/1998, assim como não lhe cabe reduzir a amplitude da cobertura, excluindo procedimentos ou eventos necessários ao pleno tratamento das doenças listadas na CID, ressalvadas, nos termos da lei, as limitações impostas pela segmentação contratada”, afirmou.

Ela ainda citou estudos recentes que mostram que as operadoras têm lucros altos e não correm o risco de quebrar. Também disse que não é razoável exigir do cliente que conheça previamente os milhares de procedimentos listados na ANS, que, segundo ela, estão descritos numa linguagem técnica. O consumidor não teria como saber de antemão se vai precisar contratar um plano mais completo com tratamentos mais novos não listados no rol.

Após o voto de Andrighi, Luís Felipe Salomão esclareceu que seu voto admitia exceções. Ou seja, continuaria possível à Justiça obrigar os planos a cobrir tratamentos fora do rol, especialmente para casos de câncer, ou outros casos graves. No caso em análise, por exemplo, ele deu a um paciente com esquizofrenia e depressão o direito de ser tratado com Estimulação Magnética Transcraniana (EMT), prescrito pelo psiquiatra e não listado pela ANS, mas já aprovado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

Ainda assim, associações de familiares de pacientes e entidades de defesa do consumidor temem uma decisão em favor do rol taxativo. Apontam riscos para tratamentos prolongados e caros, como de crianças com autismo ou pessoas com deficiência. Desde o ano passado, esses grupos têm promovido protestos em Brasília pela manutenção do rol exemplificativo.

Qual é a perspectiva do julgamento no STJ

Na Segunda Seção do STJ, composta por 10 ministros e onde o julgamento é realizado, quatro ministros já votaram, em outro julgamento na Terceira Turma, a favor do rol exemplificativo, seguindo o voto de Nancy Andrighi. Se eles mantiverem esse entendimento na Segunda Seção, é provável que a tese prevaleça, porque, em geral, o presidente do colegiado, Antonio Carlos Ferreira, não vota. Assim, já haveria maioria de cinco votos entre os nove julgadores.

Mas alguns ministros podem mudar de posição ou ajustá-la para a solução de meio-termo proposta por Salomão. De qualquer modo, a decisão não terá um efeito vinculante para todos os processos – os juízes e tribunais não são obrigados a segui-la. Mas, ainda assim, será firmada uma jurisprudência que servirá de orientação.

O mais provável, no entanto, é que futuramente a questão acabe chegando ao Supremo Tribunal Federal (STF), por envolver garantias constitucionais fundamentais, como os direitos à vida e à saúde.

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