A determinação para a derrubada do X (antigo Twitter) no Brasil elevou significativamente o custo político de apoiar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), além de fortalecer argumentos para um eventual processo de impeachment contra ele. O embate direto e personalizado entre Moraes e o dono do X, o bilionário Elon Musk, culminou na determinação para o banimento da rede social, em meio à prolongada tensão que agregou mais desgaste à imagem do magistrado.
Essa piora se deve também à impressão de que suas decisões tendem a ser vistas como negativas não só por adversários conhecidos, mas também por alguns de seus aliados, que passaram a ser afetados direta ou indiretamente por elas. No momento, o maior ponto de apoio do ministro está no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo destacam que as denúncias de uso inadequado do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em investigações conduzidas pelo STF, reveladas por reportagens da Folha de S. Paulo, minaram ainda mais a credibilidade do Judiciário. Esse cenário gerou descontentamento não só entre grupos conservadores, principais prejudicados pelas ações do ministro, mas também em setores progressistas e até em colegas de tribunal. Assim, com a percepção de censura crescente e total descontrole sobre suas medidas, aumentou o “custo Moraes” para a imprensa, políticos, intelectuais e até o próprio STF.
Essa insatisfação ameaça romper o cordão de proteção institucional que tem amparado Moraes até agora. Parlamentares de oposição têm alertado que a esquerda e parlamentares do Centrão podem ser os próximos alvos de possíveis perseguições, como exemplificado pela censura à Folha de S. Paulo. O jornal, de linha editorial posicionada à esquerda, foi impedido por Moraes de entrevistar Filipe Garcia Martins, ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro, mesmo com a concordância dele.
Além disso, o ex-presidente do STF Nelson Jobim precisou rever críticas públicas que havia feito a Moraes. Jobim declarou em recente entrevista à CNN Brasil que Moraes estava incorrendo em abusos no inquérito das fake news e que não houve tentativa de golpe nos protestos de 8 de janeiro de 2023. Dias depois, ele se retratou por sua fala em uma nota e prestou solidariedade a Moraes. Com isso, especialistas acreditam que muitos começam a sair de suas zonas de conforto.
Derrubada do X exclui mundo político de importante canal de debate público
A derrubada do X não se resume ao conflito da plataforma com o Judiciário, mas também alcança o mundo político e a sociedade. Parlamentares de todas as ideologias, bem como o Executivo, correm o risco de perder um importante canal de comunicação com o público, que, por sua vez, ficará privado de um foro importante de debate na atualidade.
A suspensão do X deve afetar aproximadamente 20 milhões de usuários no país, segundo dados do portal Statista. Isso inclui ministros do STF, o presidente da República e praticamente todos os políticos. No próprio STF, apesar do apoio unânime recebido formalmente até agora, a posição de Moraes, visto como poderoso demais, cria desconforto, com juízes expostos ainda mais à pressão da sociedade e com justificativas fracas para as irregularidades do colega. Uma ala do Supremo vem chancelando todas as duas ações, mas nos bastidores o descontentamento cresce entre alguns ministros.
Do ponto de vista da reputação internacional, o banimento do X sinaliza uma imagem negativa do Brasil para investidores estrangeiros. A situação é agravada pelas declarações de Elon Musk, que expressou preocupação sobre o risco de investir no país. Musk, sendo um dos homens mais ricos do mundo e um dos maiores investidores em alta tecnologia, também vê outros de seus negócios no Brasil, como o serviço de internet por satélite Starlink, ameaçados. Moraes determinou o bloqueio das contas da empresa no Brasil.
Esse provedor de acesso é cada vez mais utilizado em áreas rurais e isoladas, como a Amazônia. A percepção de que investir no Brasil é arriscado afeta a credibilidade externa do país, emitindo sinal negativo em escala global e gerando possível fuga de capitais e projetos de investimento.
Primeiro impacto do banimento da rede de Musk é na reputação do país
Para o cientista político Leonardo Barreto, diretor da consultoria I3P, o debate em torno do desligamento do X no Brasil, embora envolto por questões ideológicas, adentra o tema da liberdade de expressão e do controle judicial sobre conteúdos e opiniões políticas. E o risco imediato envolvido disso é o comprometimento da reputação do país.
“O primeiro impacto do fechamento do X é o início de uma reclassificação do país no rol de nações não democráticas. De maneira geral, investidores estrangeiros sabem pouco sobre o Brasil e formam opinião em análises de terceiros. O banimento do X, no entanto, é um evento com condições de furar a barreira de desinformação e não apenas virar assunto mundial, mas ser usado como indicador sobre o grau de democracia do Brasil”, observa.
Governo figura como segmento mais resistente no apoio a Moraes
O cientista político Ismael Almeida destaca que a imprensa, no geral, mudou de postura e passou a criticar de forma mais incisiva as ações de Alexandre de Moraes, embora de maneira pontual. A figura de Moraes, antes celebrada como “herói que salvou a democracia” por impor limites à direita, começou a enfrentar resistência com editoriais em grandes jornais e críticas, como as relacionadas à censura de conteúdos da Folha de S. Paulo e portal UOL, incluindo a proibição de entrevistas com investigados.
Almeida observa que o governo ainda vê Moraes como "mal necessário", já que a sua atuação rigorosa se concentra principalmente nos opositores do presidente Lula. No entanto, setores da esquerda mais independentes do PT já vêm criticando as ações do ministro há algum tempo.
“É possível que esses grupos intensifiquem suas críticas a Moraes se também se tornarem alvos de suas decisões. De modo geral, o governo tem se beneficiado da postura do STF em questões importantes, como no recente confronto com o Congresso sobre as emendas parlamentares. Assim, entre aqueles fora dos principais alvos de Moraes, o governo se encontra na posição mais confortável no momento”, observou Almeida.
Quanto aos colegas de STF, o especialista entende que eles se encontram em uma situação complicada. “Ao validarem inicialmente o inquérito das fake news, em um movimento corporativista compreensível, acabaram concedendo a Alexandre de Moraes carta branca para agir sem restrições desde então. Acredito que a maioria deles não imaginava que a situação chegaria ao ponto em que estamos”, comentou.
Ele ressalta que há, nos bastidores do STF, um movimento - ainda discreto - para encerrar os inquéritos e tentar acalmar os ânimos. “Eles estão cientes de que ultrapassaram um ponto de não retorno e, agora, continuam a apoiar Moraes mais por uma questão de sobrevivência individual do que por defesa institucional. Se Moraes cair, nada impede que um deles seja o próximo”, salientou.
Intimação de Moraes foi entregue a Musk pela própria plataforma X
Alexandre de Moraes intimou Elon Musk na quarta-feira (28) à noite por meio de uma publicação no perfil oficial do STF na própria plataforma do empresário. Em sua publicação no X, a Corte também marcou a conta oficial de Musk. Nela, o ministro ordenou que, em até 24 horas, fosse informado o nome e a qualificação do novo representante legal da X Brasil no país, sob pena de suspender as operações da plataforma no Brasil. A rede social disse na quinta-feira (29) que não iria cumprir a decisão.
O escritório do X no Brasil foi encerrado por Musk em 17 de agosto, sob a justificativa de que a rede estava sendo censurada devido às exigências de Moraes para bloquear perfis de pessoas investigadas por disseminar fake news e ameaçar a democracia.
O dono da rede comentou a decisão: “Fechar o escritório do X no Brasil foi uma decisão difícil, mas, se tivéssemos cedido à censura secreta (ilegal) de Alexandre de Moraes e às exigências de entregar informações privadas, não teríamos como justificar nossas ações sem nos envergonharmos.”
Musk está sendo investigado em um inquérito que apura possíveis crimes de obstrução à Justiça, formação de organização criminosa e incitação ao crime. Ele também é mencionado em um inquérito relacionado à atuação de milícias digitais.
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