O perito em crimes cibernéticos Eduardo Tagliaferro, ex-servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), afirmou que parte das denúncias apuradas pelo ministro Alexandre de Moraes nos inquéritos em que comanda no STF vinham do próprio magistrado. Por outro lado, ele destacou que não tinha contato com Moraes e que as ordens eram dadas por Moraes a Airton Vieira, juiz auxiliar do ministro no Supremo, e então Vieira pedia a ele a produção dos relatórios. A declaração foi dada em entrevista à Revista Oeste.
Mensagens reveladas pela Folha de S. Paulo mostram que Tagliaferro, ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), era responsável pela apuração, investigação e elaboração de relatórios encomendados pelo então presidente do TSE.
"O trabalho era muito rápido. O relatório, de minha parte, era oficial. Se havia mensagens de ódio, informava. Havia denúncias anônimas, mas também houve denúncias que vinham do próprio ministro", disse Tagliaferro durante a entrevista.
E acrescentou: “É exatamente o que está nas reportagens. Falava sempre com Airton Vieira. Jamais tratei com Alexandre de Moraes. Pessoalmente, conversei com o ministro três ou quatro vezes na minha vida".
Questionado sobre o desespero das vítimas que foram alvos das investigações do ministro do STF, o ex-servidor do TSE afirmou que não teve “opção”.
“Sei que meu trabalho fez parte disso, mas não tive opção. Eu era um funcionário. É como se fosse um cozinheiro e o dono do restaurante falasse assim: “Quero que você faça feijoada hoje; coloque beterraba na feijoada”. Suponha que respondi: “Ah, mas beterraba não”. E o chefe respondeu: “Não. Põe beterraba”. Está bem, colocarei a beterraba”, disse o ex-chefe da AEED.
Celular
Sobre os vazamentos revelados pela Folha, Tagliaferro negou que tenha sido o autor. Ele argumentou que havia documentos importantes em seu celular sobre outros tribunais e que perdeu os dados após a primeira apreensão do equipamento, em 2023. Em maio do ano passado, Tagliaferro foi exonerado do cargo após ser preso em flagrante por violência doméstica no interior de São Paulo. Após a prisão, o celular do ex-assessor foi entregue à Polícia Civil de São Paulo por seu então cunhado.
Mas, nesta semana, Moraes mandou apreender o celular do ex-assessor novamente. O delegado que conduziu o depoimento de Tagliaferro à Polícia Federal na última quinta-feira (22) solicitou o aparelho e, diante da recusa da defesa, apresentou a ordem de busca pessoal assinada por Moraes.
Assim, o celular foi confiscado durante a oitiva. “Após o depoimento, o investigado, orientado pelo seu advogado, teria disponibilizado o aparelho celular que portava para consulta da autoridade policial, se recusado, porém a fornecer seu aparelho de telefone celular para perícia técnica”, disse Moraes na decisão.
Inquérito
Diante dos vazamentos, Moraes abriu um inquérito contra Eduardo Tagliaferro, perito criminal e ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Ao determinar a investigação do caso, Moraes disse que "o vazamento e a divulgação de mensagens particulares trocadas entre servidores dos referidos Tribunais se revelam como novos indícios da atuação estruturada de uma possível organização criminosa que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas".
Em outro trecho, o ministro diz que os objetivos da suposta “organização criminosa” seriam a “cassação” dos ministros do STF, o “fechamento da Corte Máxima do país”, o "retorno da ditadura” e o “afastamento da fiel observância da Constituição Federal”.
“Essa organização criminosa, ostensivamente, atenta contra a Democracia e o Estado de Direito, especificamente contra o Poder Judiciário e em especial contra o Supremo Tribunal Federal”, escreveu Moraes.
O advogado Eduardo Kuntz, que representa Tagliaferro, disse que seu cliente acredita que o vazamento pode ter ocorrido quando o celular foi apreendido pela Polícia Civil em 2023.
Entenda o caso
Trocas de mensagens entre servidores do STF e do TSE, obtidas pela Folha de S. Paulo, mostraram que o gabinete de Alexandre de Moraes teria ordenado informalmente à Justiça Eleitoral a produção de relatórios contra apoiadores de Bolsonaro e comentaristas de direita para embasar decisões do ministro em inquéritos em andamento na Corte.
A troca de mensagens sugere que houve supostamente adulteração de documentos, prática de pesca probatória, abuso de autoridade e possíveis fraudes de provas. Os alvos escolhidos sofreram bloqueios de redes sociais, apreensão de passaportes, intimações para depoimento à PF, entre outras medidas. Todos os pedidos para investigação e produção de relatórios eram feitos via WhatsApp, sem registros formais.
As conversas vazadas envolveram Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete de Moraes no STF, Marco Antônio Vargas, juiz auxiliar de Moraes durante sua presidência no TSE, e Eduardo Tagliaferro, então chefe da AEED (Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação), órgão que era subordinado a Moraes na corte eleitoral.
As mensagens e áudios ocorreram entre agosto de 2022 e maio de 2023 e mostram perseguição aos jornalistas Rodrigo Constantino e Paulo Figueiredo, à Revista Oeste, ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), entre outros nomes de direita.
O que Moraes disse sobre as mensagens
A reportagem solicitou na manhã deste sábado (24) ao STF o posicionamento do ministro Alexandre de Moraes sobre as afirmações feitas por Eduardo Tagliaferro. Se o retorno for enviado, esse texto será atualizado.
Antes disso, Moraes se manifestou no início da sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 14 de agosto para se defender das revelações de que seu gabinete teria pedido à Justiça Eleitoral para elaborar relatórios para embasar decisões em inquéritos que tramitavam na Suprema Corte sob sua relatoria. Moraes disse que seria "esquizofrênico" se auto-oficiar ao justificar pedidos de informações ao Tribunal Superior Eleitoral.
"Obviamente o caminho mais eficiente era solicitar ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), já que a Polícia Federal, num determinado momento, pouco colaborava com investigações", alegou Moraes. "Seria esquizofrênico eu, como presidente do TSE me auto-oficiar, até porque como presidente do TSE, no exercício do poder de polícia, eu tinha o poder de determinar a feitura dos relatórios", explicou.
O ministro disse ainda lamentar que "interpretações falsas" acabem produzindo o que se pretende combater no Brasil, que são notícias fraudulentas, e assim desacreditar o Judiciário e a democracia brasileira.
Além disso, em nota enviada à Gazeta do Povo em 13 de agosto, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes negou quaisquer irregularidades nas requisições dos relatórios. Moraes argumentou que o TSE, "no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas".
"Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais", diz o comunicado.
O gabinete do ministro reforçou que "todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República".
A Gazeta do Povo pediu ao STF e ao TSE esclarecimentos dos juízes e auxiliares de Moraes, mas não obteve retorno naquela oportunidade.
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