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Procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba
Deltan Dallagnol, ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

O Tribunal de Contas da União (TCU) julgará nesta terça-feira (9) a regularidade de gastos da extinta força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. No centro das acusações, estão o ex-coordenador do grupo, Deltan Dallagnol, e o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, além de oito membros do Ministério Público Federal (MPF) que trabalharam na operação.

Em caso de condenação, eles poderão ser obrigados a ressarcir os cofres públicos em aproximadamente R$ 2,8 milhões, que seria a diferença entre o que foi efetivamente gasto com diárias e passagens aéreas, e o que, hipoteticamente, teria sido despendido, caso fosse adotado outro modelo para formação e funcionamento da equipe.

A suposta falta de “economicidade” da força-tarefa é a principal base da fiscalização, aberta em abril deste ano a pedido de deputados do PT e conduzida pelo ministro Bruno Dantas – ele é acusado por Deltan de perseguição, por ser “apadrinhado” do senador Renan Calheiros (MDB-AL), investigado pela força-tarefa.

Um dos motivos para a perseguição é a chance de uma eventual condenação servir de base para tornar Deltan e Janot inelegíveis – os dois querem disputar uma vaga de deputado federal. A defesa do ex-procurador, no entanto, diz que a manobra não deve prosperar.

A área técnica do TCU e o Ministério Público de Contas recomendaram o arquivamento do processo, pois concluíram que não houve qualquer irregularidade. Eles reconheceram que os gastos foram altos – mais de R$ 4 milhões –, mas concluíram que não há garantia que outro modelo de atuação sairia mais barato, e que a complexidade das investigações e os resultados alcançados, ao longo de seis anos, justificam as despesas efetuadas. Além disso, isentaram Deltan de qualquer acusação, uma vez que não recebeu diárias e passagens, nem autorizou o pagamento desses benefícios para outros ex-integrantes da força-tarefa.

A decisão sobre a regularidade dos gastos caberá aos ministros Bruno Dantas, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz, Antonio Anastasia e aos ministros-substitutos Marcos Bemquerer Costa e André Luís de Carvalho, integrantes da Segunda Câmara do TCU. A sessão está marcada para as 10h30.

Quais são as suspeitas do TCU sobre os gastos da Lava Jato

A fiscalização foi pedida por deputados do PT a partir de uma entrevista dada pelo atual procurador-geral, Augusto Aras, ao Prerrogativas, grupo de advogados ligados ou simpáticos ao partido que militam contra a Lava Jato. Ele mesmo apontou, na época, supostas irregularidades no modelo da força-tarefa para justificar sua extinção e substituição por Gaecos, outro modelo de equipe que acabou enfraquecendo as operações contra a corrupção.

Dados enviados pela própria PGR ao TCU apontam que, entre 2013 e 2020, os procuradores lotados em Curitiba gastaram R$ 4,8 milhões em diárias e passagens.

“A opção adotada – independentemente da finalidade da operação Lava Jato e dos resultados alcançados com os acordos de leniência – não representou o menor custo possível para a sociedade brasileira, ao tempo que resultou em interessante ‘rendimento extra’ em favor dos beneficiários, a par dos elevados valores das diárias percebidas”, disse, em sua manifestação, o subprocurador Lucas Furtado, que pediu a fiscalização.

Um dos problemas apontados é que, apesar de terem passado a residir em Curitiba, alguns procuradores continuaram a receber diárias e passagens para seus locais de origem, como se ainda lá estivessem trabalhando. Uma opção mais barata teria sido transferi-los para o capital paranaense, através de ato chamado na burocracia interna de “remoção”.

Foram destacados, por exemplo, o caso do procurador Diogo Castor de Mattos, que recebeu R$ 387 mil em diárias para atuar na Lava Jato de 2014 a 2019 em Curitiba, mesmo residindo na cidade quando atuava na força-tarefa. Orlando Martello Júnior, oficialmente lotado em São Paulo, mas casado com uma procuradora que morava em Curitiba, recebeu, de 2014 a 2021, R$ 461 mil em diárias e R$ 90 mil em passagens.

Ao aprovar a fiscalização, o ministro Bruno Dantas disse que o modelo de força-tarefa servia a “fins particulares” e que viabilizou uma “indústria de pagamento de diárias e passagens a certos procuradores escolhidos a dedo”.

O que dizem a área técnica do TCU e o MP sobre os gastos da Lava Jato

Os analistas do TCU e o Ministério Público de Contas acolheram as defesas de todos os ex-integrantes da força-tarefa e recomendaram o arquivamento da fiscalização. Concluíram que, à época da formação da equipe, não havia uma regulamentação clara do funcionamento das forças-tarefa, mas que era a opção usual para investigar casos complexos.

Além disso, registraram que todos os atos ligados à concessão de diárias e passagens foram autorizados pela própria cúpula do MPF ou aprovados pela corregedoria do órgão. Quanto a Deltan, não caberia puni-lo porque não recebeu os benefícios nem autorizou os pagamentos; Janot, por sua vez, teria até adotado medidas para reduzir os custos.

“A formação de grupos de força-tarefa era considerado o melhor sistema para a persecução penal e combate à organizações criminosas, e sua operacionalização seguia os ritos e regras vigentes à época”, disse a assessora Angela Brusamarello, responsável pelo caso na área técnica do TCU.

Em seu parecer, ela destacou o volume de trabalho e os resultados da operação: mais de 25 mil manifestações judiciais, mais de 100 denúncias oferecidas, mais de 30 ações civis públicas propostas, mais de 630 cooperações internacionais, mais de R$ 4 bilhões recuperados.

O procurador Rodrigo Medeiros de Lima, por sua vez, disse não haver garantias que o modelo alternativo, de Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos), não ficaria necessariamente mais em conta para os cofres públicos, colocando em xeque a principal suposição de Dantas, nem teria o mesmo desempenho.

Acrescentou que Janot não tinha como prever o “agigantamento das investigações” e que houve “inequívoca preocupação” de sua gestão em economizar nas despesas, citando decisão de 2016 na qual ele reduziu de dez para oito o número máximo de diárias pagas por mês a membros que não eram de Curitiba. Quanto aos casos de Diogo e Orlando, afirmou que eles foram devidamente justificados e aprovados como regulares pela PGR, uma vez que ambos acumulavam trabalho em suas cidades de origem, para onde tinham de se deslocar.

Deltan pode ficar inelegível se for condenado pelo TCU?

Deltan Dallagnol sempre disse que a fiscalização é uma forma de persegui-lo, como retaliação pelas investigações contra políticos e uma tentativa de tirá-lo das eleições. Mas ele rechaça a hipótese de que uma eventual condenação o impediria de disputar uma vaga na Câmara Federal neste ano – o julgamento ocorre uma semana antes do prazo final para o registro de candidatura junto à Justiça Eleitoral.

A Lei da Ficha Limpa prevê que ficam inelegíveis agentes públicos que “tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa”.

A fiscalização empreendida por Bruno Dantas não apura suposta prática de improbidade administrativa, que deve ser aferida na Justiça, e não num órgão administrativo como o TCU. Uma eventual condenação, no entanto, poderia suscitar um processo do tipo contra Deltan.

Além disso, o processo no TCU não aponta indícios de que a suposta irregularidade teria sido praticada com a intenção de lesar os cofres públicos e provocar enriquecimento ilícito, requisitos para uma condenação dolosa por improbidade.

Além disso, Deltan diz que caberia recurso ao plenário do TCU contra uma eventual condenação pela Segunda Câmara – essa apelação teria efeito suspensivo, o que permitiria sua candidatura, pelas próprias regras da Ficha Limpa. Ele também já conseguiu liminares na Justiça comum para suspender o processo no TCU, o que daria mais respaldo para a Justiça Eleitoral aprovar seu registro.

“Diante da inviabilidade jurídica da inelegibilidade, Deltan Dallagnol acompanha com estarrecimento as notícias, que teriam por fontes Ministros do TCU, de que o órgão pretenderia torná-lo inelegível no julgamento desta terça, o que confirma a existência de um ambiente de falta de isenção para o julgamento”, diz nota divulgada por sua assessoria nesta segunda-feira (8).

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