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Presidente do STF, Dias Toffoli, foi o primeiro a votar no julgamento sobre a legalidade do compartilhamento de dados.
Presidente do STF, Dias Toffoli, foi o primeiro a votar no julgamento sobre a legalidade do compartilhamento de dados.| Foto: Carlos Moura/STF

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o compartilhamento de dados bancários e fiscais, obtidos por órgãos de controle, com o Ministério Público foi interrompido nesta quarta-feira (20) ainda longe de um desfecho. Até agora, apenas o presidente do STF e relator do caso, ministro Dias Toffoli, concluiu seu voto – ainda faltam os outros 10 ministros.

Em seu voto, Toffoli impõe limites ao compartilhamento de dados, permitindo o acesso apenas a informações gerais, sem detalhamentos como a íntegra de extratos bancários e declarações de Imposto de Renda, por exemplo. O ministro também determinou que, ao receber os dados, o MP comunique imediatamente a Justiça, para fiscalização do processo de investigação. Toffoli também fez duras críticas ao Ministério Público e também se preocupou em defender decisões polêmicas.

Os ministros estão decidindo se há necessidade de autorização judicial prévia para que órgãos de controle, como a Unidade de Inteligência Financeira (UIF, o antigo Coaf) compartilhem dados bancários e fiscais detalhados com o MP para fins de investigação criminal. Em julho, Toffoli concedeu uma liminar a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) para paralisar todas as investigações do país com base em compartilhamento de dados detalhados sem autorização da Justiça.

Ao longo de seu voto, que durou cerca de quatro horas, Toffoli fez questão de defender sua decisão em vários momentos. O ministro argumentou que apenas seguiu o que está previsto no Código de Processo Penal (CPP) ao paralisar as investigações, já que o caso é de repercussão geral. O ministro ressaltou, ainda, que apenas investigações com dados detalhados compartilhados indevidamente foram paralisadas.

Toffoli também disse que a decisão tomada por ele, em julho, não ofende compromissos internacionais do Brasil com o combate à lavagem de dinheiro, à corrupção, ao terrorismo e ao tráfico de drogas. “Isso não se pode fazer às custas da supressão de direitos e garantias constitucionalmente previstos”, disse o ministro. “Temos que acabar com essas lendas urbanas”, repetiu Toffoli.

O presidente do STF também cutucou membros do MP que criticaram sua decisão, afirmando que ela inviabilizava o funcionamento da UIF. “Só pessoas mal intencionadas para fazer tal leitura, só pessoas que não respeitam as instituições”, afirmou.

O relator também tentou distanciar o julgamento do nome de Flávio Bolsonaro, alegando que o senador não é parte oficial no processo. Na prática, o STF julga um recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra uma decisão que anulou o processo contra um réu que tinha como indícios um relatório da Receita Federal que identificou irregularidades fiscais em um posto de combustíveis em São Paulo.

“Aqui não está em julgamento, em nenhum momento, o senador Flávio Bolsonaro”, disse Toffoli já no início do julgamento. Ele lembrou, ainda, que o relator do caso Flávio Bolsonaro no STF é o ministro Gilmar Mendes. “Temos que afastar essa outra lenda urbana”, disse.

Acesso a dados sigilosos

Outra decisão polêmica defendida por Toffoli em seu voto foi a que ele determinou que o Banco Central encaminhasse ao STF todos os relatórios produzidos pelo Coaf nos últimos três anos. A decisão causou controvérsia, porque o presidente do STF teria acesso a dados sigilosos de 600 mil pessoas, e ele acabou recuando. Mas defendeu no plenário a determinação. “Para chegar a esses dados foi necessário dar uma decisão bastante dura. Se não fosse aquela decisão, jamais teria obtido aqueles dados”, defendeu. Toffoli garantiu que não se cadastrou para acessar o conteúdo dos relatórios.

Segundo ele, nos últimos três anos, o Coaf encaminhou ao Ministério Público Federal 1.607 relatórios financeiros de ofício. Também encaminhou 1.165 a requerimento do MPF. Ele se dirigiu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, ao comentar os dados. “Em três anos, o Ministério Público, requereu, sim [dados ao Coaf]”, disse Toffoli. “Requerimento é uma solicitação que pode ou não ser acolhida”, defendeu o procurador-geral. “Na fala do senhor ficou parecendo que o MP não faz nenhum tipo de pedido. Faz sim. Pode não ser requisição, mas faz”, rebateu o presidente do STF.

Toffoli também destacou que o Coaf produziu mais relatórios a pedido dos Ministérios Públicos Estaduais e da Polícia Federal do que de ofício. A requerimento de MPs estaduais foram produzidos 2.880 relatórios, segundo Toffoli. De ofício, foram 2.300. Já a requerimento da PF foram produzidos 3.221 documentos, contra 2.845 de ofício. “Temos que acabar com essas lendas urbanas”, disse Toffoli.

Necessidade de supervisão judicial e críticas ao MP

Em seu voto, Toffoli também ressaltou reiteradamente a necessidade de controle judicial sobre as informações trocadas entre órgãos de controle e MP. “O fundamental é a necessidade de supervisão judicial. Se tivermos uma solução para isso, penso que estaremos engrandecendo o sistema de Justiça e protegendo as próprias instituições persecutórias de abusos, o que é nosso dever constitucional”, disse Toffoli. A supervisão judicial, segundo o ministro, evita “abusos de investigações de gaveta que servem apenas para assassinar reputações sem ter elementos ilícitos nenhum”.

Toffoli ressaltou em seu voto que a UIF/Coaf não pode ser obrigada a produzir relatórios a pedido do Ministério Público. O relator defendeu que o MP pode consultar a UIF sobre existência ou não de relatórios de inteligência envolvendo investigados, mas não pode pedir que se produza esses documentos.

Toda comunicação de movimentações suspeitas deve ser feita de forma voluntária e de ofício pela UIF, defendeu o ministro. Segundo Toffoli, esse procedimento na relação entre UIF e MP é recomendado pelo Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi), organismo internacional formado por países-membros da OCDE e outros associados.

Toffoli também reclamou que não há transparência por parte do Ministério Público sobre quem tem acesso aos relatórios produzidos pela UIF. “Não há um controle”, reclamou Toffoli, destacando que os dados são sigilosos. O PGR, Augusto Aras, tentou defender o procedimento, afirmando que o MP não exige a produção de relatórios da UIF. Segundo Aras, não há uma exigibilidade, mas o sistema, que não tem interferência humana, recebe a informação de que há procedimentos abertos contra alguém e envia, de ofício, relatórios ao MP.

Julgamento será retomado amanhã

O julgamento será retomado nesta quinta-feira (21) à tarde. Ainda faltam os votos dos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello. A sessão está prevista para começar às 14 horas.

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