O ministro Luís Roberto Barroso assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) prometendo retomar, em até três semanas, o julgamento de uma das ações que pedem a cassação da chapa eleitoral de Jair Bolsonaro à Presidência da República em 2018. O TSE vai decidir se abre ou não um processo de investigação contra a chapa.
“A regra geral é seguirmos a ordem cronológica dos pedidos de liberação pelos relatores. Há uma que já teve início do seu julgamento. O relator é o corregedor [geral eleitoral do TSE], o ministro Og Fernandes. Houve um pedido de vista do ministro Luiz Edson Fachin e, provavelmente, nas próximas semanas, uma, duas, três no máximo, essa ação deve estar voltando”, afirmou Barroso, em coletiva de imprensa por videoconferência na terça-feira (26).
O anúncio sobre a intenção de pautar essa ação ocorreu um dia antes da quebra dos sigilos bancário e fiscal de empresários que apoiam Bolsonaro, determinada na quarta-feira (27) pelo ministro Alexandre de Moraes. Eles são acusados de financiar o disparo de mensagens em massa em aplicativos como o WhatsApp. A coleta de evidências de eventuais irregularidades dos empresários no âmbito do inquérito das fake news, que tramita no STF, abrange o período de julho de 2018 a abril de 2020, o que engloba a época da campanha eleitoral.
Moraes, visto agora como algoz do bolsonarismo, vai assumir nos próximos dias um assento no TSE e a avaliação é de que provas colhidas no inquérito das fake news podem influenciar as ações na Corte Eleitoral que investigam supostas irregularidades cometidas pela campanha de Bolsonaro em 2018. Um ministro do TSE ouvido pelo jornal O Estado de S. Paulo disse não ter dúvida de que haverá reflexos.
Se uma dessas ações chegar a ser investigada e, depois, julgada procedente pelo plenário do TSE, Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão, terão seus mandatos cassados imediatamente sem passar por um processo de impeachment, e novas eleições serão realizadas.
A possibilidade de que isso aconteça, no entanto, é remota. Só uma vez na história, em 2017, o TSE chegou a julgar um pedido de cassação de chapa eleitoral contra um presidente da República – à época, Michel Temer. Na ocasião, a chapa Dilma-Temer foi absolvida por 4 votos a 3.
Já o compartilhamento de provas do Supremo com o TSE não seria um movimento inédito. As ações do TSE que investigaram suposto abuso de poder político e econômico na chapa de Dilma-Temer foram incrementadas com depoimentos de delatores da Odebrecht, que tiveram o acordo de colaboração premiada homologado pelo STF.
Processo no TSE é demorado e está em fase embrionária
Acácio Miranda, especialista em Direito Constitucional e Eleitoral, esclarece que o processo ainda está em uma fase embrionária. No caso da chapa Dilma-Temer, essa etapa do processo foi concluída em 2015, dois anos antes de que a matéria da ação em si fosse julgada.
“É uma ação preliminar para que sejam apurados os fatos. Se, eventualmente, esses fatos forem apurados, aí vai reverberar numa ação de cassação”, explica.
Antes de julgar a matéria em si, o plenário do TSE julgaria se deve haver ou não investigação. Há pouco tempo, segundo Miranda, para que todo esse processo se conclua até o fim deste mandato de Bolsonaro, e os elementos investigados seriam menos objetivos que os do caso de Dilma.
“Demora bastante. Dificilmente isso vai acontecer nesse mandato. E, mais do que isso: até cravo que essa ação não vai para a investigação, porque eu acho que os elementos agora são menos concretos, dependem de apuração de internet, disparos de mensagens do WhatsApp… Isso é um pouco mais complexo. Nem acho que o TSE tenha musculatura para apurar isso”, afirma.
Do que a chapa Bolsonaro-Mourão é acusada e por quem?
Há várias ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão no TSE, apresentadas por grupos opositores do governo e ex-candidatos à presidência como o PT, o PDT, Ciro Gomes, Marina Silva e Guilherme Boulos. As ações se relacionam principalmente com crimes do mundo digital, como a veiculação de fake news e o uso de hackers para atacar adversários.
O julgamento mencionado por Barroso, que começou em novembro de 2019 e foi interrompido por causa de um pedido de vista de Fachin, diz respeito a duas ações apresentadas por Marina e Boulos. A de Marina também pede a cassação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.
Os autores das ações suspeitam da responsabilidade da chapa no ataque hacker a um grupo de Facebook chamado “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, que teve seu nome modificado para “Mulheres COM Bolsonaro #17”.
Como elemento para embasar essa suspeita, citam um tuíte do presidente em que ele afirma: “Obrigado pela consideração, mulheres de todo o Brasil!”. O tuíte foi publicado logo depois do ataque, e o presidente incluiu na publicação uma imagem da página modificada.
O que a defesa da chapa Bolsonaro-Mourão argumenta ao TSE?
Os advogados de defesa reconheceram que houve ataque cibernético, como afirmam as ações, mas negaram que Bolsonaro ou Mourão tivessem ciência ou participação nesse ataque.
Um dos argumentos apresentados pela defesa é que, nos dias 15 e 16 de setembro de 2018, quando os ataques teriam ocorrido, Bolsonaro estava internado depois de ter sido ferido com uma faca no atentado cometido por Adélio Bispo.
A defesa do presidente também afirmou que os autores das ações tiveram o objetivo de “criar fato político inverídico” e “produzir celeuma midiática”.
No julgamento de novembro de 2019, o ministro Og Fernandes, relator das ações, mostrou-se contrário ao início de uma investigação no TSE. Para ele, uma invasão do tipo poderia até repercutir em outras áreas do Direito, mas não tem gravidade suficiente para afetar a legitimidade das eleições.
O que acontece se o TSE realmente cassar a chapa do presidente
Embora as chances de uma cassação da chapa Bolsonaro-Mourão sejam muito remotas, uma eventual decisão do TSE nesse sentido teria como consequência o término imediato do mandato do presidente e de seu vice e a realização de eleições. Temporariamente, assumiria o presidente da Câmara, que hoje é Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Se a cassação ocorresse até dois anos antes do fim do mandato, a vacância do cargo de presidente se resolveria por eleições diretas. Se ocorresse depois disso, há uma divergência entre os juristas sobre o que aconteceria.
A Constituição Federal, em seu artigo 81, afirma que, em caso de vacância do cargo faltando menos de dois anos para o fim do mandato, a eleição ocorre via Congresso Nacional.
Por outro lado, o artigo 224 do Código Eleitoral diz que, em caso de cassação do mandato, a eleição para o cargo vacante será “indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato”.
Ou seja, as eleições só seriam indiretas, do ponto de vista do Código Eleitoral, se a cassação ocorresse até junho de 2022. Na época da possível cassação da chapa Dilma-Temer, alguns juristas argumentavam que a Constituição deveria ser obedecida, enquanto outros diziam que, no caso de uma cassação via TSE, valeria a regra do Código Eleitoral.
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