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Presidente Jair Bolsonaro decidiu vetar compra de vacina chinesa após pressão do eleitorado e por insatisfação com protagonismo de Doria.
Presidente Jair Bolsonaro decidiu vetar compra de vacina chinesa após pressão do eleitorado e por insatisfação com protagonismo de Doria.| Foto: Marcos Corrêa/PR

A vacina chinesa CoronaVac escancarou de vez a disputa eleitoral de 2022. A decisão do presidente Jair Bolsonaro em vetar a compra de 46 milhões de doses do imunizante, produzido pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, tem como pano de fundo a próxima eleição presidencial. O presidente da República não quer dar palanque ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e sabe que incorreria no risco de desagradar parte de seu eleitorado e seu principal parceiro estratégico na geopolítica, os Estados Unidos.

No governo e no Congresso, o discurso é unânime: Jair Bolsonaro vetou a “vacina chinesa” por uma questão política. A disputa por protagonismo é evidente, e o próprio presidente da República não consegue disfarçar. Quando anunciou a decisão, pelas redes sociais, a primeira frase mencionada por Bolsonaro é: “a vacina chinesa de João Doria”.

“Para o meu governo, qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa [Associação Nacional de Vigilância Sanitária]”, declarou. Bolsonaro disse ainda que “o povo brasileiro não será cobaia de ninguém”.

A questão, no entanto, apontam aliados no Congresso com circulação no governo, é que o próprio presidente omite ter tomado conhecimento da compra das 46 milhões de doses antes do Ministério da Saúde ter oficializado a intenção de compra da CoronaVac, ainda na segunda-feira (19).

Como um bom militar, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, não toma nenhuma decisão estratégica sem o consentimento de seu superior. No caso, o presidente da República. Bolsonaro, disse um aliado na Câmara à Gazeta do Povo, sabia do ofício enviado ao diretor-geral do Instituto Butantan, Dimas Covas, que comunicava a ideia de comprar as doses. “Quem cala, consente. A bancada paulista mesmo sabia desse ofício. Todo esse estardalhaço se baseia na rivalidade com Doria”, afirmou o parlamentar de um partido de centro.

Outro parlamentar é mais crítico. “Desculpa, mas chega a ser patético, porque Bolsonaro passa a imagem de não estar preocupado com a população, mas, sim, em brigar com governador por protagonismo”, argumentou.

Na terça-feira (20), após reunião de Pazuello com os 27 governadores, quando o ministro detalhou o ofício de intenção de compra das doses, não demorou muito para as informações vazarem ao Congresso. A notícia foi amplamente comemorada em diversos partidos. “Ontem [terça], a alegria de todos era com o Pazuello. Dentro do meu partido, inclusive, e olha que nem somos do PSDB, mas ficamos contentes”, comentou um parlamentar do DEM.

O ofício enviado ao Butantan, na segunda-feira (19), dizia que o Ministério da Saúde compraria 46 milhões de doses ao preço estimado de US$ 10,30 a unidade. “Seguindo as especificações da vacina e o respectivo cronograma de entrega”, segundo trecho do documento. Em videoconferência com governadores, na terça, Pazuello disse que, mesmo a CoronaVac tendo sido desenvolvida na China, sua produção é nacional. O que se comenta dessa reunião é que havia uma expectativa de a compra das doses ocorrerem ainda em 2020 e o calendário de vacinação iniciar em janeiro de 2021.

A disputa política ficou ainda mais evidente após a troca de farpas entre Doria e Bolsonaro. O governador de São Paulo acusou o governo federal de não cumprir com a promessa. A jornalistas, no Senado, ao lado de parlamentares, o governador tucano chegou a dizer que “não é hora de fazer discussão de caráter político e ideológico”. “A vacina é que vai nos salvar, não é a ideologia, política ou processo eleitoral. Peço a compreensão do presidente e o seu sentimento humanitário para compreender que seu ministro agiu corretamente, baseado na medicina”, declarou.

Em visita ao Centro Tecnológico da Marinha, em Iperó (SP), Bolsonaro rebateu. “É um jogo político que, lamentavelmente, parece que ele [Doria] só sabe fazer isso. Parece que é a última cartada dele na busca de popularidade e de resgatar tudo aquilo que ele perdeu durante a pandemia”, disse a jornalistas.

Bolsonaro ainda garantiu estar “afinado” com Pazuello, que teve nesta quarta a confirmação de que pegou Covid-19, e frisou que vacinas sem comprovação científica estão descartadas, sustentando que informações além disso são “especulações”. Disse, ainda, que tem “zero” diálogo com Doria. “Não dá para conversar com esse tipo de gente”, criticou.

Pressão do eleitorado influenciou recuo de Bolsonaro sobre vacina chinesa

A justificativa ao veto à compra da CoronaVac teve por intenção, também, fazer um aceno à base bolsonarista mais ideológica. No Planalto, interlocutores contaram à Gazeta do Povo que ele se sentiu muito pressionado pelas “vozes” nas redes sociais. Tamanho foi o incômodo que o próprio Bolsonaro respondeu um apoiador pelo Facebook. “Não será comprada”, disse, em caixa alta. O presidente entende que, apesar dos seguidores mais críticos ao governo chinês nas redes sociais não representarem o maior volume de seu eleitorado, não poderia ficar sem dar uma resposta.

O eleitorado mais "raiz" de Bolsonaro ficou tão irritado que as redes do presidente não foram as únicas a serem inundadas de críticas. Os endereços de e-mail da Presidência da República, também. "Os apoiadores caíram 'matando', e isso deixou o presidente muito pressionado", diz um interlocutor. A leitura feita no Planalto é que, apesar da disputa eleitoral, a pressão dos eleitores foi o que mais pesou para o recuo do governo. "É óbvio que a briga com o Doria pesa, mas isso não é algo novo. Ao que parece, a cobrança do povo falou mais alto", ponderou outro auxiliar.

O posicionamento do governo à CoronaVac se mostra, contudo, um grande malabarismo da Presidência da República. Ainda em Iperó (SP), Bolsonaro disse que “toda e qualquer vacina está descartada por enquanto”. Ele explica que todo imunizante precisa de comprovação científica para ser usada, não sendo “como a hidroxicloroquina”.

Em nota, o Ministério da Saúde ressalta que não há intenção de compra de “vacinas chinesas”, mas informa que a intenção de compra das 46 milhões de doses é “mais uma iniciativa para tentar proporcionar vacina segura e eficaz, neste caso, uma vacina brasileira”. Ou seja, uma futura compra da vacina não está descartada. O Planalto apenas focou em construir uma retórica que agrade a claque.

Parte dessa narrativa tem explicação. Pegou mal o noticiário de que o Executivo compraria a “vacina chinesa” no mesmo dia em que o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Robert O’Brien, se reuniu com Bolsonaro. A reunião, que abordou parcerias para o setor de telecomunicações e, na prática, isola a China nessa guerra comercial, foi uma plataforma para o presidente norte-americano, Donald Trump, de conter o avanço chinês na América Latina.

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