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A circulação no Brasil da variante Delta, a cepa indiana do coronavírus, causa a preocupação de que ela possa se tornar predominante no país e de que isso leve a um novo aumento de casos e de mortes. As vacinas usadas atualmente são menos eficazes contra a Delta do que contra outras variantes. Em geral, os imunizantes só são eficientes contra a cepa da Índia após a aplicação de duas doses – para outras variantes, uma única aplicação de vacinas como a da AstraZeneca e da Pfizer, por exemplo, têm alto poder de combater o vírus. No caso da Coronavac, há ainda indicativos de que talvez seja necessária uma terceira dose para proteger contra a Delta.
Segundo o Ministério da Saúde, até a sexta-feira (16) havia 27 casos identificados no Brasil da variante Delta: seis isolados num navio estrangeiro que atracou no Maranhão, cinco no Rio de Janeiro, um em Minas Gerais, nove no Paraná, dois em Goiás, três em São Paulo e dois em Pernambuco. Desses casos, foram confirmados cinco óbitos, sendo um no Maranhão e quatro no Paraná.
São Paulo já admitiu que há casos de transmissão comunitária – ou seja, quando o infectado não teve contato com pessoas que viajaram ao exterior e quando não se pode mais identificar a origem da contaminação. Pelo menos um caso no Paraná também tem características de transmissão comunitária – embora o governo do estado não admita isso por enquanto.
Para tentar conter a variante Delta, alguns estados e prefeituras anunciaram que vão reduzir os intervalos entre uma dose e outra dos imunizantes da AstraZeneca e da Pfizer – que originalmente é de 12 semanas, mas que pode ser bem menor.
O Ministério da Saúde já discutiu o assunto, mas decidiu manter o espaçamento maior entre as doses. Essa estratégia foi adotada com base nas evidências de que a primeira dose da Pfizer e AstraZeneca (não da Coronavac) já garantia uma boa imunidade. Do ponto de vista sanitário, a medida de espaçar as doses ajudou países como a Inglaterra a conter mais rapidamente a pandemia quando a variante Delta ainda não havia se espalhado pelo mundo. Entidades médicas brasileiras defenderam nesta semana que essa estratégia se mantenha
Mas alguns especialistas alertam que o problema da atual estratégia brasileira de imunização é que, diferentemente de outros países, o país faz pouco sequenciamento genômico de amostras do coronavírus em circulação no território nacional. E os resultados demoram a sair – o que pode deixar as autoridades sanitárias sem a verdadeira dimensão do problema para tomar medidas.
Estudos indicam que variante Delta é mais transmissível
Pesquisa divulgada no fim de junho pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que a variante Delta apresenta apresenta inclusive maior risco de reinfecção. De acordo com o estudo recém-publicado, o sistema imunológico de pessoas já infectadas por outras cepas da Covid-19 é até 11 vezes menos eficaz contra a cepa indiana.
Segundo trabalho liderado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e publicado na revista científica Cell, o mesmo problema foi observado com as pessoas já vacinadas contra o coronavírus.
De acordo com boletim epidemiológico semanal da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado no dia 13 de julho, nos últimos dois meses 111 países de todos os continentes já confirmaram casos da variante Delta.
A organização também alertou para a maior transmissibilidade dessa nova cepa em relação às outras já identificadas, o que pode fazer com que ela se torne a de maior circulação em todo o mundo nos próximos meses. “O aumento da transmissibilidade associada à variante Delta provavelmente resultará em aumentos na incidência de casos e maior pressão sobre os sistemas de saúde, particularmente em contextos de baixa vacinação cobertura”, diz o documento.
Variante Delta pode não encontrar espaço por causa da cepa brasileira
O médico infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), diz que é preciso cautela a variante Delta. Mas ele afirma que ainda não é possível prever se ela entrará com força no país, como aconteceu em outros países da Europa onde o cenário era de baixa circulação do coronavírus.
Diferentemente da Europa, por exemplo, no Brasil a Delta pode encontrar uma forte concorrente: a própria variante brasileira (também chamada de amazônica, P1 ou Gama). A cepa amazônica, mais transmissível que o coronavírus original, é predominante em território nacional.
“Até agora a Delta não veio com a mesma velocidade como ocorreu na Europa. Em poucas semanas vimos poucos casos ainda no Brasil. Continuamos tendo um predomínio enorme de P1 por aqui. Mas precisamos observar”, diz Kfouri.
Ele afirma que ainda é cedo para saber se essa nova variante poderá ou não suplantar a brasileira: “Chance há. Mas precisamos observar. Ainda não temos tempo nem vigilância genômica suficiente. Não testamos tantos casos assim para saber qual a real magnitude da sua entrada”.
Segundo Kfouri, a Delta é uma variante mais contagiosa, consequentemente gera mais casos. "Aumenta o número de casos graves porque aumentam os casos – sejam leves, moderados ou graves. Não porque ela seja mais grave. Tem locais onde ela vai encontrar 'competidoras' mais competentes [outras cepas] e não irá se estabelecer. Outras vezes ela se estabelece. A gravidade não está relacionada com a variante e sim com a geração de novos casos."
Qual é a eficácia das vacinas usadas no Brasil contra a cepa indiana
Segundo a Fiocruz, dados preliminares de estudos realizados no Reino Unido apontam que a vacina da AstraZeneca, com duas doses, tem 92% de efetividade para prevenir hospitalizações causadas pela variante Delta. Já a vacina da Pfizer demonstrou uma efetividade de 96% com as duas doses.
Um estudo mais recente, feito por cientistas franceses e publicado na semana passada na revista Nature, indicou dados parecidos para duas doses: 95% de resposta imune tanto para a Pfizer quanto para a AstraZeneca. Mas a pesquisa também avaliou a resposta imune de quem tomou apenas uma dose dos dois imunizantes. E ela foi de apenas 10%. Foi isso que acendeu o alerta no mundo inteiro de que, para conter a variante Delta, seria preciso acelerar a segunda dose.
No caso da Coronavac, o diretor do Butantan, Dimas Covas, afirmou em entrevista coletiva no dia 7 de julho que testes de laboratório realizados na China demonstraram a efetividade das duas doses do imunizante produzido pelo instituto paulista contra a Delta. “Os resultados foram muito animadores. A vacina apresenta uma resposta adequada contra a variante em laboratório”, disse Dimas.
Mas cientistas do Chile, país que tem a Coronavac como sua principal vacina contra a Covid, recomendaram na quinta-feira (15) a aplicação de uma terceira dose do imunizante como estratégia de combate à pandemia de uma forma geral e a variante Delta em particular. Segundo o estudo, o nível de anticorpos cai a partir do sexto mês da aplicação da segunda dose da Coronavac. Além disso, ensaios in vitro indicaram que o imunizante tem uma eficácia de apenas 25% para neutralizar a variante Delta.
Já a Johnson & Johnson, fabricante da vacina Janssen, informou no início de julho que seu imunizante é eficaz contra a variante Delta. Mas não foi divulgado o percentual dessa eficácia.
Estados adiantam doses da vacina, mas entidades não recomendam
Ao menos dez estados e o Distrito Federal anunciaram recentemente que pretendem reduzir o intervalo entre as vacinas aplicadas para adiantar a imunização completa da população e, com isso, tentar reduzir as chances de contaminações pela nova variante Delta.
Além de Brasília, decidiram antecipar as doses: Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Roraima, Espírito Santo, Acre, Goiás, Pernambuco, Santa Catarina e Piauí. Algumas prefeituras também anunciaram que vão reduzir o intervalo, apesar de os estados em que elas estão não ter feito isso.
No Rio de Janeiro, a redução do prazo para aplicação da AstraZeneca, por exemplo, caiu de 12 para 8 semanas, segundo orientação da Secretaria de Estado de Saúde. O estado, porém, não reduziu o intervalo para a Pfizer. A medida, porém, não deve ser seguida por todos os municípios do estado. Na capital fluminense, a prefeitura decidiu manter o intervalo original de 12 semanas.
Ao menos duas entidades médicas se manifestaram contra a nova abordagem dos dez estados e do Distrito Federal. Em nota conjunta divulgada na terça-feira (13), a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e a Sociedade Brasileira Pediatria (SBP) manifestaram posição contrária à redução no intervalo entre as doses das vacinas contra a Covid-19 da AstraZeneca e Pfizer com forma de tentar minimizar a propagação da variante Delta.
De acordo com as entidades, o número de mortes e hospitalizações que serão evitadas caso mais pessoas recebam a primeira dose, em especial em um cenário de estoques de vacinas limitados, supera substancialmente os eventuais prejuízos acarretados pelo prazo estendido.
Renato Kfouri, que integra a SBIm, também acredita que a medida adotada por alguns estados é equivocada. Para ele, o avanço da campanha de vacinação, mesmo com a primeira dose, já garante uma proteção adequada e previne a propagação da nova variante.
“À medida que a gente avança na vacinação da população em geral, atinge um maior número de vacinados, especialmente com a primeira dose, utilizando esses intervalos máximos e promovendo uma vacinação mais rápida, com pelo menos uma dose de toda a população. Assim, a chance [da variante Delta] se estabelecer no país fica reduzida", diz Kfouri.
Ministério da Saúde diz que monitora casos
A reportagem da Gazeta do Povo entrou em contato com o Ministério da Saúde para saber se a pasta vem tomando alguma medida específica para evitar a propagação da variante Delta.
Em nota, o órgão informou que os casos confirmados da cepa indiana e seus respectivos contatos são monitorados pelas equipes de Vigilância Epidemiológica e Centro de Informações Estratégicas em Vigilância e Saúde (CIEVS) locais.
“Os dados coletados até o momento não demonstram circulação comunitária, no entanto, é importante ressaltar que as investigações estão em andamento”, informou a pasta.
O ministério diz ainda que tem orientado estados e municípios sobre todas as ações necessárias, como intensificar o sequenciamento genômico das amostras positivas para a Covid-19 e a vigilância laboratorial, rastreamento de contatos, isolamento de casos suspeitos e confirmados, notificação imediata e medidas de prevenção em áreas de suspeita de circulação de variantes.
Sobre a redução no intervalo de aplicação das vacinas, a pasta diz que acompanha a evolução das diferentes variantes do coronavírus no país e está atento à possibilidade de alterações no intervalo recomendado entre doses das vacinas em uso no Brasil. No momento, após discussão do tema na Câmara Técnica de Imunizações, o parecer foi a de manutenção do atual intervalo.