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Como está o debate sobre o voto impresso para auditar as eleições
Debate sobre a implementação do voto impresso ainda está longe do fim| Foto: TSE/divulgação

O debate sobre a volta do voto impresso – ao menos para auditagem da votação eletrônica – voltou à tona após a demora na apuração dos resultados do primeiro turno das eleições de 2020.

O fato é que o Brasil já teve uma experiência em que houve a coleta de cédulas impressas juntamente com a votação da urna eletrônica com o objetivo de verificar se não houve fraude eleitoral. Foi na eleição de 2002. À época, a experiência teve uma série de problemas. Mas especialistas afirmam que, se houver correções no modelo, é possível aperfeiçoar o sistema eleitoral no Brasil para evitar questionamentos sobre a licitude das eleições.

Na experiência de 2002, ocorreram uma série de falhas no voto impresso, que era colhido juntamente com a votação eletrônica. Participaram da experiência 7,13 milhões de eleitores de 150 municípios – o equivalente a 6,18% do eleitorado na época.

Basicamente, o sistema era composto por uma impressora que imprimia o voto dado na urna eletrônica. Ou seja, havia o registro eletrônico e uma cédula para posterior verificação dos resultados.

Ao votar, o eleitor também tinha de conferir se a cédula impressa coincidia com o voto que ele havia digitado na urna eletrônica. Essa cédula, por sua vez, entrava automaticamente em uma urna física. Ao fim da votação, os votos eletrônicos eram contabilizados, mas havia as cédulas impressas para verificar se havia coincidência.

Um relatório da Justiça Eleitoral sobre as eleições de 2002 apontou vários problemas do voto impresso. Havia demora para votar nas sessões com esse modelo, pois muitas vezes as impressoras apresentaram panes mecânicas e travavam. As falhas de travamento de papel na impressora tiveram de ser resolvidas por meio da intervenção dos mesários – o que imediatamente levantou a discussão sobre a violação do sigilo do voto.

A Justiça Eleitoral também verificou desinteresse dos eleitores para verificar se houve coincidência entre a votação eletrônica e a cédula impressa; muitos eleitores simplesmente saíram da cabine sem confirmar o voto impresso.

Outro problema foi o alto custo do sistema, que exigia impressoras e urnas físicas, além de uma estrutura para transportar e guardar com segurança os votos impressos para posterior auditoria. E a Justiça Eleitoral também detectou a possibilidade de tentativa de fraude por meio da porta de conexão da impressora.

Devido às falhas, a experiência do voto impresso foi abortada para as eleições seguintes – até mesmo porque não se verificou fraude naquele pleito.

Em outubro de 2003, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº. 10.408, aprovada pelo Congresso Nacional, que instituiu o Registro Digital do Voto (RDV). Essa lei revogou os dispositivos legais que determinavam a impressão do voto para auditagem das urnas eletrônicas.

Apesar disso, o Congresso, em outras ocasiões, voltou a votar leis para reinstituir o voto impresso para auditar as eleições. E o tema foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2009, o Congresso aprovou a Lei 12.034/2009, que estabelecia, a partir de 2014, “o voto impresso conferido pelo eleitor, garantido o total sigilo do voto". À época, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) emitiu nota técnica classificando o projeto como “retrocesso”. E sugeriu o veto. Mas o então presidente Lula sancionou a proposta.

A constitucionalidade da lei foi questionada no STF. Em 2011, o Supremo concedeu uma medida cautelar suspendendo a volta do voto impresso. O plenário da Corte julgou o mérito do caso em 2013, derrubando a lei em definitivo, por unanimidade.

O principal argumento, usado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e que foi acatado pelos ministros do STF, foi de que o problema do travamento das impressoras, com a intervenção humana para consertá-lo, comprometia o direito constitucional ao sigilo e inviolabilidade do voto.

Esse, aliás, também foi o principal argumento da PGR para questionar trecho de outra legislação – a Lei 13.165, aprovada pelo Congresso em 2015 – que previa o voto impresso para auditagem a partir das eleições de 2018.

Pouco antes das eleições de 2018, o STF derrubou o voto impresso para o pleito daquele ano, invalidando o artigo da lei que dizia que a "urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.” O placar do julgamento no STF foi de 8 a 2.

A discussão sobre a inconstitucionalidade do voto impresso

A discussão sobre a volta do voto impresso, contudo, pode voltar tanto no Congresso quanto na Justiça. Em 2019, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) apresentou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/2019. Diferentemente das tentativas anteriores, que mudavam leis, a ideia da deputada é mudar a Constituição para impedir questionamentos ao STF.

A PEC insere um parágrafo no artigo 14 da Constituição para determinar que, na votação, seja obrigatória a impressão de cédulas físicas e conferíveis pelo eleitor, “a serem depositadas em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”.

Há, contudo, o entendimento de alguns juristas de que essa PEC violaria o artigo 60 da Constituição, uma cláusula pétrea. Segundo essa interpretação, o “voto direto, secreto, universal e periódico” é inalterável até mesmo por emenda à Constituição. Isso faria com que, mesmo aprovada, a PEC possa ser questionada no Supremo.

Alguns especialistas em Direito Eleitoral, entretanto, tem argumentos a favor da constitucionalidade do voto impresso.

O advogado Mauro Prezotto, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), não entende que a adoção do voto impresso possa comprometer o sigilo do voto. “O STF decidiu, está decidido. Mas não consigo alcançar a inconstitucionalidade enxergada pelos ministros”, diz. Na opinião dele, resgatar o debate é válido. “Me parece que é uma discussão legítima, desde que não permeada pelo aspecto de desconfiança de alguém que deixou de ser eleito.”

Prezotto afirma que, se o voto impresso efetivamente for depositado em “urnas indevassáveis para fins de auditoria”, sem que o eleitor possa levar essa impressão consigo, não haveria inconstitucionalidade, tampouco prejuízo ao sistema eleitoral. “Se o eleitor saísse com a cédula, estaríamos instrumentalizando a possibilidade de compra de voto – que hoje pode acontecer, mas com uma restrição um pouco maior. Agora, depositado o voto impresso em urna para depois ser realizada auditoria, não enxergo retrocesso ou inconstitucionalidade.”

Urnas modernas são diferentes das utilizadas em 2002

Há também argumentos técnicos para implantar um sistema seguro de voto impresso para auditar a votação eletrônica.

Membro do subcomitê de tecnologias eleitorais da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e professor de Engenharia da Informação da Universidade Federal do ABC (UFABC), Mário Gazziro defende a adoção de um sistema híbrido de votação: eletrônico e impresso simultaneamente. Ele trabalha com a construção e programação de urnas de voto impresso. E, em 2017, ele foi convidado para participar de testes que encontraram vulnerabilidades nas urnas eletrônicas.

Gazziro afirma que a tese da violabilidade do sigilo do voto ao usar cédulas impressas é uma falácia usada para camuflar a falta de orçamento para a substituição das atuais urnas por outras mais modernas, com capacidade para impressão do voto.

“A alegação de que um mesário poderia comprometer o conteúdo do voto se for ajudar um eleitor com dúvidas no meio da votação é um argumento pífio. Porque, se isso valer de forma generalizada, nem mesmo a eleição pode ocorrer”, diz o professor.

Segundo Gazziro, os instrumentos de fiscalização são suficientes para evitar a inviolabilidade do voto. “Se a gente não pode confiar no mesário, não podemos confiar na autoridade eleitoral e não poderíamos nem sequer realizar as eleições. A mesma fiscalização que monitora o mesário tem que monitorar se ele está ali olhando o voto de todo mundo, ou se ele se propõe a ajudar toda hora para ver o voto de todo mundo.”

Quanto a questões de segurança, ele explica que as urnas mais modernas, tanto as produzidas por algumas empresas quanto as que são protótipos acadêmicos, dispõem de chaves computacionais avançadas na emissão do voto impresso. Em síntese, essas chaves são uma forma de assegurar maior segurança contra fraudes.

Segundo o professor, esses modelos mais avançados de urnas imprimem o voto com uma criptografia em código QR que evita fraudes, como a anotação de um código numérico simples. São modelos híbridos, ou seja, são registrados o voto eletrônico e o impresso. A impressão serve para garantir maior segurança e auditagem. A impressão de um código de segurança impede a troca do voto em papel, bem como a recontagem do mesmo voto duas ou mais vezes na apuração eletrônica, explica Gazziro.

A segurança do voto impresso é um dos principais diferenciais das urnas modernas em relação ao modelo das urnas usado em 2002. Há 18 anos, o voto impresso era um mero registro de acontecimentos e não garantia a segurança para o processo eleitoral. Por esse motivo, a impressão de um código de segurança impede a troca do voto em papel, bem como a recontagem do mesmo voto duas ou mais vezes na apuração eletrônica, explica Gazziro.

“Mesmo porque, em 2002, não era permitido aos fiscais de partido o acesso a esses votos para conferir o resultado da eleição. Sem esses códigos de segurança atuais, a eleição iria incorrer nos mesmos problemas de segurança do voto em papel no passado, que eram a substituição de votos ou má interpretação do conteúdo escrito”, diz ele. O caráter complementar do voto impresso ao eletrônico nessas urnas híbridas evita, assim, panes em urnas eletrônicas que deixam de computar votos.

Especialista rebate outros argumentos contra o voto impresso

O especialista Mário Gazziro rebate ainda outros argumentos contra a volta do voto impresso para auditagem das eleições.

Segundo ele, a demora para votar nas sessões por causa do novo sistema poderia ser superada com o tempo. “Em 1996 [quando as urnas eletrônicas começaram a ser implantadas] também se imaginou que haveria muita demora, principalmente por causa do eleitorado analfabeto. Isso se resolveu com instrução e campanhas educativas, e deixou de ser um problema. A população tem que ser educada a votar com o advento do voto impresso e suas vicissitudes”, diz Gazziro.

Já o desinteresse dos eleitores por verificar se o voto impresso coincide com o que for digitado na urna eletrônica não vai ser um problema em 2022, avalia o especialista. “Esse argumento pode ter sido válido no passado. Mas hoje em dia, o interesse [pela segurança das eleições e recontagem de votos] é muito maior. As fake news relacionadas a tecnologias eleitorais têm despertado o interesse da população, e certamente hoje temos um cenário no qual o eleitor se preocupa muito mais com o voto impresso do que no passado inicial das urnas eletrônicas.”

Quanto ao grande número de panes nas impressoras por travamento do papel dentro do equipamento, Gazziro afirma que equipamentos mais modernos podem solucionar o problema. A possibilidade de tentativa de fraude por meio da porta de conexão da impressora também é descartada por ele. “A porta de impressora só permite saída de dados. Se, eventualmente, alguém quiser pendurar algum dispositivo para ‘coletar votos’, isso deve ser fiscalizado pela autoridade eleitoral presente [na sessão eleitoral].”

O alto custo para implantar o voto impresso para auditagem das eleições, para o especialista, é o único empecilho para a efetiva implementação do modelo. De toda forma, Gazziro entende que isso pode ser mitigado por uma proposta de evolução progressiva, de substituição das atuais urnas por outras modernas de forma escalonada.

Para o especialista em tecnologia eleitoral, o mais importante é modernizar a democracia. “O voto impresso é uma ferramenta que garante ao cidadão a integridade da eleição mesmo contra uma possível interferência da própria autoridade eleitoral.”

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