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A dicotomia vazia
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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

Este é um daqueles momentos em que quase ninguém no planeta pode dizer estar passando os instantes mais aprazíveis de sua existência. A quadra histórica, com um drama que nos atravessa de surpresa, suscita angústias, paixões e receios do desconhecido. A certeza das dores e das dificuldades não tem sido uma companheira saudável para a tranquilidade e a serenidade de raciocínio – para nenhum de nós.

Não é segredo para ninguém que, assim como todas as sociedades do orbe, atônitas, incorreram em improvisações, discordâncias, discussões intensas e nem sempre judiciosas, os liberais no Brasil estão divididos. Passam longe de sugerirem o mesmo caminho ou as mesmas soluções. O contexto desafiador nos suscita uma oportunidade ímpar de exercitar a discordância sadia, a capacidade de divergir civilizadamente, mesmo quando o tópico em exame é tão sério e de tão graves implicações, cientes de que nenhum de nós detém a chave para todos os seus aspectos.

Pessoalmente, o que me parece é que se criou uma dicotomia completamente vazia em assunto que não é e não poderia ser dicotômico. De um lado, aqueles que consideram haver uma insofismável tirania nas medidas de isolamento social, que há uma conspiração oportunista contra o governo brasileiro como único objetivo por detrás do recurso a essas medidas, que a economia será destruída e isso ceifará muito mais vidas do que o vírus. Para eles, ou há que se “liberar” todo mundo ou adotar o isolamento vertical, sem que fique claro de que forma sua prática seria realmente possível. De outro lado, os que dizem que a preocupação com a economia é “dinheirismo” imoral e que deveríamos todos ficar em casa até o ano que vem.

Ao menos, o primeiro grupo diz que o segundo grupo existe. Pessoalmente, confesso, vi um ou dois influenciadores digitais propondo, ao começo da crise, essa segunda alternativa de mais de um semestre de confinamento, a que, de fato, é difícil conceber que a sociedade conseguiria resistir colocando comida na mesa. A forma como enxergo a questão não me parece ajustada a nenhum dos dois extremos. Pretendo, para estar em paz com a minha consciência, seguir o que se me afigura a atitude mais equilibrada – e a atitude mais equilibrada é pensar nas pessoas, mas também ser técnico quando o problema o exige e aprender com as experiências alheias. Mais vale pecar por excesso na tentativa de não cometer os mesmos erros que outros países já cometeram que pecar por usar alegações sem comprovação para agir de modo diverso daquele que trouxe resultados, mesmo correndo o risco de, ao final, essas alegações estarem com a razão.

O meu posicionamento nessa questão, até aqui, é o alinhamento com as políticas deliberadas pelo corpo técnico do ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta. Sim, ele é um político do DEM. Entretanto, até que o presidente da República, de maneira flagrantemente irresponsável, à diferença de praticamente todos os chefes de Estado do mundo que procuram evitar o tensionamento político e a cizânia em suas equipes, resolveu repreender seu subordinado em público através de uma entrevista radiofônica, os militantes governistas da Internet não estavam promovendo campanhas de linchamento contra a sua reputação, nem se incomodavam com sua nomeação para o cargo. Não serei eu a dar-lhes ouvidos neste momento, em que nada disso é relevante. Não quero saber se ele é honesto pessoalmente, se é um santo ou um ídolo de barro. Quero agora apenas saber de seu trabalho hoje.

O ministro está se destacando porque sua pasta é a pasta central no enfrentamento de uma crise que afeta o globo terrestre inteiro e já provocou cenas lamentáveis em outros países, mas alguns entre nós preferem insistir em fingir que é uma “marolinha” – filme que já vimos e de que não gostamos. Se ele se beneficia politicamente disso, é, para qualquer cidadão preocupado com o desfecho da crise, uma questão de absoluto segundo plano. O que importa é que o problema seja conduzido de maneira séria, por quem entende, não levianamente, atendendo a demagogias e populismos.

O mundo inteiro está adotando medidas de isolamento social, acompanhadas ou não – idealmente, sim, e é o que estamos aguardando que se viabilize por aqui – de testes em grande quantidade. Minha irmã está sofrendo restrições sociais na Coreia do Sul. Não é concebível que o Brasil queira cerrar os olhos para o problema do possível colapso do sistema de saúde – logo o Brasil, que tem notórias e crônicas dificuldades a esse respeito. Não podemos correr esse risco. Entrementes, não estamos restritos a prender todo mundo ou liberar tudo. Com testes à disposição, poderemos fazer experimentações e flexibilizações região por região, investir no uso de máscaras, entre outras estratégias, minimizando o problema tanto na saúde quanto na economia, mesmo sabendo que, tanto num campo como no outro, é impossível evitar todas as perdas.

Não vejo contradição fundamental dessas medidas excepcionais, aplicadas responsavelmente, com o liberalismo, que não é e nunca foi anarquismo. Acredito que o colega Gabriel Whilhelms, em seu artigo A pandemia e o liberalismo, já argumentou magistralmente a respeito, dispensando-me de fazer maiores considerações nesse particular.

Não dá é para aderir a uma dicotomia vazia e irresponsável que, de qualquer jeito, teria tudo para nos levar ao pior resultado. Não dá para partidarizar e criar intrigas gratuitas com o ministro responsável por lidar com a crise, muito menos vindas das bases de apoio do próprio governo. Tampouco aderir a um “terraplanismo” bizarro, a uma resolução anticientífica, diante dessa questão. O preço por isso será cobrado lá na frente e liberais e conservadores poderão não gostar dele.

Espero que atravessemos este problema de pé. Independentemente das posições que assumimos, que possamos estar juntos para enfrentar os desafios que se apresentarão ao nosso querido país.

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