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A política, a sociedade e o vírus
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Por Catarina Rochamonte, publicado pelo Instituto Liberal

O que está acontecendo exige reflexões maiores do que aquelas com as quais estamos acostumados no debate público. Pensar a política depois do coronavírus em termos partidários, ideológicos, reducionistas será mesquinho, inócuo e, até mesmo, prejudicial. Todos precisamos rever nossos conceitos. Não há fórmula certa, regime testado ou experiência passada que ofereça a fórmula mágica para este momento: ou o povo se reinventa com coragem e lucidez ou será controlado pelo governo devido às necessárias restrições impostas.

No atual contexto de pandemia, algumas políticas econômicas liberais tendem a retroceder, enquanto o Estado aumenta seu protagonismo. Por outro lado, justamente por isso, o papel do liberalismo avulta-se na defesa das liberdades individuais. Permanecendo atento e atuante, o liberal denuncia qualquer ação desproporcional das forças do Estado que configure claro autoritarismo. A divisão dos poderes, assim como a liberdade (com responsabilidade) de imprensa e de expressão, também mostram sua relevância neste momento de crise, sendo imprescindíveis a reflexão e o diálogo a fim de equilibrar a necessária proteção da comunidade com a necessária liberdade do indivíduo.

Todos nós estamos sendo chamados ao trabalho coletivo, sem ideologias. Não adianta recrudescermos os discursos que nos protegem daquilo que nos amedronta: o liberal teme o Estado e o condena, o estatista teme a liberdade e a reprova; o socialista teme o mercado e o execra; o capitalista teme o social e o profana. Todos os conceitos políticos precisarão ser vistos sob uma nova ótica.

Não se trata de ceder aos argumentos falaciosos do que julgamos errôneo, mas buscar a harmonia de ação que o momento requer. E para isso são necessárias concessões. Concessões do orgulho. Retorno, revisão, remanejamento de teorias. É preciso, antes de mais nada, assegurar o tratamento dos doentes durante a pandemia. Tudo o mais é secundário e todas as discussões são inócuas se não estiverem embasadas em um consenso ético mínimo. Esse mínimo de moralidade é o reconhecimento do direito à vida a quem quer viver. Não importa se esse indivíduo é velho ou novo, branco ou preto, rico ou pobre, doente ou são. Todos devem ter direito ao tratamento necessário.

Infelizmente, porém, não debatemos com maturidade e civilidade o complexo quadro da crise. O debate público está tomado de paixões políticas de ambos os lados. As redes sociais, que poderiam ser aliadas na luta contra o coronavírus, têm sido bolhas de fanatismo e palco de guerras ideológicas.

O Brasil tem enfrentado, pois, um problema cultural, cujo reflexo político é mais evidente que sua origem. Carentes de uma visão de mundo coerente pela qual analisar a realidade, envoltos nos problemas do dia a dia e indispostos em relação àqueles que tentam oferecer qualquer reflexão ou análise que mostre os contornos nuançados do real, a maioria se contenta com discursos fáceis, eivados de chavões, rótulos e visões reducionistas de fatos e pessoas, apropriando-se rapidamente da retórica belicosa que entra em ressonância com as forças obscuras que nos colocam em confronto como se o outro fosse um inimigo e não o próximo. É assim que narrativas à esquerda e à direita vão transformando o mundo social e digital em uma poça de lama de ideias preconceituosas e violentas.

O reordenamento do psiquismo social depende da busca de visões de mundo que ultrapassem o imediatismo das arengas das redes sociais. O estar consciente de si pressupõe a capacidade de dar conta dos fundamentos da visão política que se apregoa e de combater e refutar ideias sem destruir reputações ou alvejar pessoas. O cultivo intelectual deve atingir a esfera moral, tornando-nos mais dóceis ao outro, cuja visão de mundo, embora divergente, se bem exposta, pode nos ajudar a reconhecer os limites de nossas próprias concepções. Não há verdades a serem impostas de modo dogmático em torno das questões sociais e políticas, pois o escopo político e social é o horizonte do debate por excelência. O projeto de cada um, em se tornando compatível com o projeto do próximo, engrandece a sociedade e é nisso que consiste o pluralismo saudável que defendemos.

Vivemos momento grave, que toca a cada um como ser humano; como irmãos que somos. A guerra ideológica não logrará êxito contra a pandemia, mas a reunião de corações solidários sim. Cobremos dos políticos; mas cobremos também de nós mesmos para que nossas atitudes não potencializem o caos no qual a inépcia deles nos deixou.

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