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Edmund Burke, o "pai do conservadorismo", faz alertas em suas Reflexões sobre a Revolução em França que reproduzo aqui:

Não ignoro nem os erros, nem os defeitos do governo que foi deposto na França e nem a minha natureza nem a política me levam a fazer um inventário daquilo que é um objeto natural e justo de censura. [...] Será verdadeiro, entretanto, que o governo da França estava em uma situação que não era possível fazer-se nenhuma reforma, a tal ponto que se tornou necessário destruir imediatamente todo o edifício e fazer tábua rasa do passado, pondo no seu lugar uma construção teórica nunca antes experimentada? [...] Não se curaria o mal se fosse decidido que não haveria mais nem monarcas, nem ministros de Estado, nem sacerdotes, nem intérpretes da lei, nem oficiais-generais, nem assembléias gerais. Os nomes podem ser mudados, mas a essência ficará sob uma forma ou outra. Não importa em que mãos ela esteja ou sob qual forma ela é denominada, mas haverá sempre na sociedade uma certa proporção de autoridade. Os homens sábios aplicarão seus remédios aos vícios e não aos nomes, às causas permanentes do mal e não aos organismos efêmeros por meios dos quais elas agem ou às formas passageiras que adotam. [...] Se chegam à conclusão de que os velhos governos estão falidos, usados e sem recursos e que não têm mais vigor para desempenhar seus desígnios, eles procuram aqueles que têm mais energia, e essa energia não virá de recursos novos, mas do desprezo pela justiça. As revoluções são favoráveis aos confiscos, e é impossível saber sob que nomes odiosos os próximos confiscos serão autorizados.

O Brasil caminha rapidamente para um ponto de ruptura cujo resultado é imprevisível. O sistema está podre, o povo está revoltado. Quando o povo decide peitar o sistema, isso é sempre um enorme perigo, e quem está na liderança de movimentos assim assume grande risco. O sistema é bruto, companheiro. Do ponto de vista tático, é legítimo debater e discordar dos métodos ou do timing, mesmo considerando a causa justa. Os meios importam. Por isso Ayn Rand usou em A Revolta de Atlas o personagem do pirata escandinavo, quem John Galt condenava pelos métodos, ainda que simpático ao fim.

Não tenho dúvidas de que muitos caminhoneiros que pretendem paralisar o país são patriotas com as melhores intenções e querem evitar um destino venezuelano para o Brasil. Mas, além de questionar os métodos, perdoem-me por achar que também há muitos incomodados com a conjuntura, ponto. Inflação batendo 10% e combustível com alta de 30% no ano! O desespero bate à porta de quem tem pouco mais a perder. Eu não sabia quem era Zé Trovão até "ontem", e não tenho o perfil para adotar salvadores da Pátria. Sou cético.

Dito isso, claro que tenho simpatia pela revolta disseminada, pois ela é a de todo brasileiro trabalhador e decente. E ninguém sabe ao certo como reverter o quadro, eis o problema. O sistema dobrou a aposta. A mídia podre debocha do povo. O STF segue com prisões arbitrárias e postura política de partido de oposição. Os "liberais" passam pano para isso tudo e se aliam ao PT para derrotar o "bolsopetismo". E coisas como essa são um soco no estômago de cada patriota: o suposto financiador do mega assalto de Araçatuba, preso ontem, já foi solto, enquanto Daniel Silveira e Roberto Jefferson ainda estão presos. Esse é o retrato do Brasil de hoje, e não há como achar normal tanto absurdo.

Em essência, portanto, voltamos à pergunta básica feita por Burke: Será verdadeiro, entretanto, que o governo da França estava em uma situação que não era possível fazer-se nenhuma reforma, a tal ponto que se tornou necessário destruir imediatamente todo o edifício e fazer tábua rasa do passado, pondo no seu lugar uma construção teórica nunca antes experimentada? Se a premissa adotada for a de que não há mais qualquer condição de reforma, então o tribalismo será inevitável e uma guerra será o resultado inexorável.

Não vejo os patriotas em geral e os caminhoneiros em particular pregando utopias, mas ninguém sabe o que aconteceria ao se "implodir o sistema". Por ter dúvidas e receios já sou acusado de "liberal frouxo" por alguns. É do jogo. O clima está muito tenso mesmo, e cada vez há menos espaço para dúvidas, nuanças ou cinza. A coisa vai afunilando para uma bifurcação, para uma convulsão social, quiçá guerra civil, o que ninguém deseja.

Tenho repetido sempre: o povo é uma união de indivíduos autônomos, não de autômatos. Não tem essa de gado e robô. Isso é narrativa fajuta. Ninguém controla o tal povo. E eis o perigo! É por isso que venho alertando faz tempo para não esticarem mais a corda, mas o establishment declarou guerra a essa parte da população, não aceita a simples existência da direita na política, e prepara um golpe às claras, que contou com a soltura e elegibilidade de Lula.

Pergunta: se em vez de demonizar Bolsonaro por puro oportunismo, os “liberais” e os “jornalistas” tivessem se unido para condenar a real ameaça institucional, apontando o abuso de poder supremo, a coisa teria chegado nesse nível?! Teríamos certamente alguma chance maior de evitar o pior. Mas essa turminha fez pior: endossou o arbítrio pois o alvo era bolsonarista. E isso jogou muita lenha na fogueira.

Agora ninguém sabe o que vai acontecer, eis a verdade. Quero muito crer que será possível evitar o golpe do sistema sem mergulhar o país no caos. Mas não é algo trivial. E parece claro que uma ala expressiva da população não vai aceitar passivamente colocarem o Foro de SP de volta ao poder na mão grande.



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