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Adeus, Zezinho!
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Estava ao vivo fazendo o Jornal da Manhã quando meu irmão me mandou uma mensagem avisando que o Zezinho falecera. Zezinho é o padre José Roberto Devellard, pároco da Paróquia da Ressurreição em Ipanema, no Rio, e conhecido por rezar as missas da família Marinho, da Globo. Ele era também o meu tio.

Bem, tecnicamente ele era meu primo, pois era primo-irmão da minha mãe. Mas foi criado como seu irmão, pois minha avó faleceu no parto e minha mãe acabou sendo criada pelos avós, com os primos em casa. Zezinho era uma pessoa maravilhosa, querido por absolutamente todos, e chega a ser muito difícil escrever essa singela homenagem.

Minha mãe e seu irmão Zezinho
Minha mãe e seu irmão Zezinho

Lembro muito bem de uma vez que nos encontramos, no Centro, e ele perguntou, sabendo do meu ateísmo: em que você acredita? A pergunta é mais profunda do que parece. Todos temos que colocar alguma coisa nesse lugar. Era Chesterton quem dizia: “Não há problema em não acreditar em Deus; o problema é que quem deixa de acreditar em Deus começa a acreditar em qualquer outra bobagem, seja na história, na ciência ou sem si mesmo, que é a coisa mais brega de todas. Só alguém muito alienado pode acreditar em si mesmo”.

Pois é: na época eu respondi que acreditava no homem. Por falar em Chesterton, Zezinho me lembrava muito seu brilhante personagem, o padre Brown. Sempre tão tolerante até mesmo com os mais pecadores de nós! Zezinho tinha muita paciência com meu ateísmo militante juvenil, e chegou a confessar à minha mãe que adorava conversar comigo. Ele devia perceber algum grau de inteligência, humildade e o coração no lugar certo, ou seja, era questão de tempo até encontrar o “caminho de casa”. Ainda resisto, por pura cabeça-dura, mas chego lá.

Padre Devellard com o Papa João Paulo II
Padre Devellard com o Papa João Paulo II

Zezinho era muito solícito também. Batizei minha filha com ele, e quando chegou a vez do filho mais novo, já morando nos Estados Unidos, ele se dispôs a pegar um avião e vir para a Flórida só para realizar seu batizado. Não foi necessário, pois fui ao Brasil e, uma vez mais, ele realizou a cerimônia, fazendo questão de oferecer uma recepção aos amigos e parentes em sua casa depois, na cobertura da igreja. Tinha tanto bicho lá – sim, ele amava os animais, sem esquecer que a vida humana é sagrada – que foi a festa para a criançada.

Zezinho em sua casa, repleta de bichos
Zezinho em sua casa, repleta de bichos

Minha mulher teve um problema grave de saúde após o nascimento do nosso filho. Foi Zezinho quem ela procurou. E sua escuta paciente, além de conselhos, foram fundamentais para o quadro não ficar ainda pior. Teve um episódio até engraçado: ele indicou um filme, e ela trocou o nome. Fomos ver o filme, e era sobre um marido que traía a esposa. Ela estava absolutamente certa de que era um sinal divino, que o Zezinho sabia de algo e queria avisa-la. Hoje podemos rir juntos disso. E chorar a perda.

Zezinho gostava de ler meus artigos, e às vezes até pedia para a minha mãe algum material para a igreja, escrito por mim. O último foi sobre patriotismo no 7 de setembro. Tínhamos divergências políticas, mas isso jamais impediu o enorme respeito mútuo. Uma mensagem importante nesses dias de tribalismo em que basta uma discordância política para pessoas da mesma família brigarem e pararem de se falar. Há coisas mais importantes na vida!

Fui treinado com o espírito socrático do ceticismo e o método científico como antídoto ao viés de confirmação do nosso cérebro. Sei que nossa mente busca padrões e deseja encontrar explicações divinas em coincidências. Mas preciso revelar, aqui, que sonhei com o Zezinho na noite de sua morte. Às vezes todos os “sinais” que pedimos estão bem na nossa frente, mas por insistência “racionalista” nos negamos a enxerga-los.

Abri aleatoriamente a linda Bíblia Sagrada que ele me deu de presente, uma edição de estudos que eu deveria ler com mais frequência, e eis o trecho, sobre a viagem de Jesus a Jerusalém:

Aproximando-se o tempo em que Jesus devia ser arrebatado deste mundo, ele resolveu dirigir-se a Jerusalém. Enviou diante de si mensageiros que, tendo partido, entraram em uma povoação dos samaritanos para lhe arranjar pousada. Mas não o receberam, por ele dar mostras de que ia para Jerusalém. Vendo isso, Tiago e João disseram: ‘Senhor, queres que mandemos que desça fogo do céu e os consuma?’ Jesus voltou-se e repreendeu-os severamente. ‘Não sabeis de que espírito sois animados. O Filho do Homem não veio para perder as vidas dos homens, mas para salvá-las.

Logo depois, quando um deles disse que seguiria Jesus, mas antes pedia permissão para enterrar seu pai, Jesus lhe disse: “Deixa que os mortos enterrem seus mortos; tu, porém, vai e anuncia o Reino de Deus”.

A última mensagem que troquei por WhatsApp com Zezinho, ainda na época da crise da minha mulher (ele não era exatamente afeito às tecnologias modernas), foi essa outra passagem bíblica, que também peguei aleatoriamente:

Por fim, apareceu aos Onze, quando estavam sentados à mesa, e censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração, por não acreditarem nos que o tinham visto ressuscitado. E disse-lhes: ‘Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado. Estes milagres acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas, manusearão serpentes e, se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal; imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados’.

Minha mulher está curada, após a pior fase de nossas vidas. Nossa família está reunida, num lar com muito amor. Eu voltei a rezar, após muitos anos, basicamente para agradecer a Deus por tudo, demonstrar gratidão. O Zezinho não está mais entre nós, mas tenho certeza, hoje, de que Deus agiu por seu intermédio, e mudou muitas vidas para melhor. Inclusive a minha. Adeus, Zezinho! Sentiremos muitas saudades, mas sei que você está ao lado Dele agora. Descanse em paz!

Artigo escrito para a Gazeta impressa, gentilmente autorizado a ser publicado aqui hoje, por motivos óbvios

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