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1964 e a liberdade de opinião
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Por Percival Puggina

Você pode pensar o que quiser sobre a Proclamação da República e sobre a Revolução de 30. Quase ninguém sabe o que aconteceu no dia 10 de novembro de 1937 (golpe de Estado com que Getúlio Vargas instituiu o Estado Novo e implantou uma ditadura de Congresso fechado, censura, tortura e repressão que durou até 1945). Você tem total liberdade de opinião sobre a Revolução Francesa, pode reverenciar a Revolução Bolchevique, chorar nos túmulos de Lênin, Fidel e Chávez. Mas não se atreva a divergir da narrativa dominante sobre o que aconteceu no Brasil no dia 31 de março de 1964. Não se atreva!

Em consonância com essa vedação, a OAB encaminhou à ONU um documento que denuncia “a tentativa do Presidente e de outros membros do governo de modificar a narrativa histórica (!) do golpe que instaurou [no Brasil] uma ditadura militar”. A citação entre aspas foi buscada no site do instituto Vladimir Herzog, cossignatário da denúncia. Com mínimas variações, consta de todas as matérias sobre o assunto publicadas nas últimas horas. Nelas está afirmado haver uma “narrativa histórica” que, a juízo dos denunciantes, não pode ser modificada. Trata-se de algo nada científico, principalmente numa ciência social, mas perfeitamente descritivo de uma prática que se vai tornando corriqueira. É como se a História fosse um campo de liberdade criativa semelhante à do vovô que conta aos netinhos estórias de quando “era uma vez”.

O que de fato pode ocorrer, e frequentemente ocorre quando um mesmo fato histórico envolve posições antagônicas, são interpretações diferentes. Na minha experiência, interpretações históricas implicam honestidade intelectual e são muito mais precisas, ainda que divergentes, do que as “narrativas” dominantes em tantas salas de aula no Brasil. Exemplo recentíssimo: a grande campeã do Carnaval carioca de 2019 – tendo aderido a uma narrativa desonesta, pondo-se a serviço de um projeto político e ideológico – espezinhou na avenida vultos admiráveis da nossa história, como o Duque de Caxias e a Princesa Isabel. Por quê? Porque isso convém à ideologia do conflito. Mas foi pura mistificação.

Assim, é extremamente arrogante e dogmática a intenção de estabelecer, sobre determinado acontecimento, uma “narrativa” cláusula pétrea, imexível, inequívoca e unívoca, mesmo quando muitos dos que vivenciaram aqueles dias, testemunhas do ambiente, das circunstâncias e dos eventos, atendo-se aos fatos, têm interpretações divergentes.

Felizmente não há, no Brasil, uma Reitoria Brasileira de Pontos de Vista, ou uma Corregedoria Geral de Perspectivas, ou uma Agência Nacional Reguladora de Opiniões. Isso é orwelliano demais para meu apreço pela liberdade.

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