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A política inflacionária
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O economista Kenneth Rogoff, quem eu respeito, defende em artigo publicado no GLOBO hoje que é a hora de uma “pomba” no Fed (o Banco Central americano). Segundo ele, o risco maior no momento é a deflação, não a inflação, e um banco central não-ortodoxo faz sentido. Por isso Janet Yellen seria uma boa opção.

Escrevi aqui um artigo com visão oposta. Sei que o tema é técnico, e não dá para fugir tanto do “economês”. Mas pretendo agora desenvolver melhor, em linguagem bem acessível, os riscos de uma postura “frouxa” de um banco central. Entendo que dificilmente haveria espaço para um retorno ao padrão-ouro nos tempos modernos. Mas o alerta feito por Mises ainda é válido, mesmo assim. Talvez mais que nunca.

“Inflação é o complemento fiscal do estatismo e do governo arbitrário”. (Ludwig von Mises)

Em The Theory of Money and Credit, Ludwig von Mises deixa claro que a inflação não é um ato divino, mas sim um resultado de políticas de governo. Ela é um subproduto das doutrinas que delegam ao governo o poder mágico de criar riqueza do nada e fazer o povo feliz através do aumento da “renda nacional”.

O dinheiro é apenas um meio de troca para facilitar o escambo de produtos, através do uso de um denominador comum. Mas o que de fato se troca são bens e serviços, e a riqueza deve, portanto, ser criada pelos indivíduos. O produtor troca seus produtos no mercado para satisfazer suas demandas, recebendo em troca aquilo produzido por outros. Essa divisão de trabalho permite um ganho enorme de produtividade. Mas para consumir é preciso sempre produzir.

Isso parece bastante óbvio, mas infelizmente muitos economistas ignoram este fato da realidade. Estes acabam defendendo a ilusão de que o governo pode aumentar a riqueza real através de um estímulo artificial na atividade econômica, expandindo a circulação de dinheiro. O crédito fácil é visto como um substituto para o capital, e esse caminho leva inexoravelmente a graves crises.

O que esses economistas não costumam levar em conta é que a transação de crédito é apenas uma troca de bens presentes por bens futuros. Aqueles que pouparam seu capital emprestam para aqueles que valorizam mais seu uso imediato, e a taxa natural de juros depende das diferentes preferências intertemporais dos agentes. A grande confusão de muitos – economistas e leigos – está na mistura dos conceitos de riqueza e dinheiro. Ambos não são sinônimos.

Mises expõe de forma brilhante os fundamentos monetários que garantem a liberdade de mercado. A doutrina liberal enxerga a economia de mercado como a melhor, se não a única possível, forma de organização da sociedade. A propriedade privada dos meios de produção costuma alocar capital para os mais hábeis em atender a demanda dos consumidores.

Sendo um sistema de cooperação pacífica sob a divisão de trabalho, a economia de mercado necessita de instituições que protejam seus membros da agressão violenta de inimigos. A sociedade precisa de um aparato de defesa. Mas automaticamente surge o perigo de abuso desse poder. A força policial do estado pode se voltar contra o próprio povo, e como evitar isso tem sido o grande problema político da humanidade.

No entanto, o abuso de poder não é apenas físico. Ele pode ocorrer no âmbito monetário também. Por isso Mises achava impossível compreender o conceito de “dinheiro sólido” sem levar em conta que ele é um instrumento para a proteção das liberdades civis contra os caminhos despóticos dos governos. Ideologicamente esse conceito pertence ao mesmo grupo das constituições e “bills of rights”.

Nesse contexto, Mises entende que a grande vantagem do padrão-ouro é justamente blindar o poder de compra da moeda contra as políticas governamentais. O controle parlamentar das finanças públicas funciona somente se o governo não puder apelar para gastos não-autorizados através do aumento da circulação de papel-moeda.

A política inflacionária costuma ser bastante popular, em grande parte pela compreensão inadequada de seus efeitos. Aqueles que demandam tal política estão sempre focando apenas em um lado da equação – o seu próprio. O que eles desejam é um aumento nos preços daquelas commodities e serviços que eles vendem, enquanto gostariam de ver os demais preços inalterados. Os ingênuos encaram a emissão de moeda pelo governo como uma espécie de milagre econômico.

fiat money é como se fosse um fiat lux! O governo cria algo ex nihilo, num estalo de dedos. O lastro para esse dinheiro não precisa ser mais do que o toner das impressoras do Tesouro. Um papel emitido pelo governo assume automaticamente o poder de ser trocado por qualquer mercadoria desejada. É a alquimia finalmente alcançada. Mises ironiza: como parece tímida a arte das bruxas se comparada com aquela do Departamento do Tesouro!

A ignorância do público é indispensável para esta política inflacionária. Mas, como dizia Lincoln, não é possível enganar todas as pessoas o tempo todo. Quando as massas entendem os esquemas dos governantes, e notam que o aumento dos preços é generalizado e artificial, então os planos inflacionários entram em colapso. O dinheiro só é aceito como tal se o comércio assim desejar. Quando o dinheiro compulsório do governo perde sua credibilidade, o próprio mercado adota algum mecanismo substituto. O papel-moeda passa a não valer mais nada, como aconteceu na Alemanha e Brasil, e ocorre atualmente no Zimbábue.

O padrão-ouro é um concorrente de peso para os governos, justamente porque o ouro quase sempre foi escolhido naturalmente como moeda. Mas os governos não gostam dessa concorrência, pois o padrão-ouro anula sua capacidade de usar o imposto inflacionário como disfarce para mais gastos. Quando muitos críticos do padrão-ouro alegam que ele fracassou, faz-se necessário lembrar que isso não ocorreu espontaneamente, mas sim como resultado de ações deliberadas dos governos.

Todos os aparatos coercitivos do governo tiveram que ser usados para abolir o padrão-ouro, incluindo a proibição de compra e venda do ouro ou seu uso como moeda oficial em contratos comerciais. Até mesmo nos Estados Unidos a compra de ouro chegou a ser proibida em 1933. O padrão-ouro não faleceu naturalmente, mas foi assassinado pelo governo.

O padrão-ouro impede a falaciosa política de “pleno-emprego”. Como os salários acabam sendo mais rígidos por conta da pressão de sindicatos e decretos do governo – como o salário mínimo, cria-se artificialmente uma classe de desempregados, que estaria trabalhando se fosse possível cobrar menores salários. O governo adota então uma política de “pleno-emprego” para combater um mal criado por ele próprio.

Como já entendia muito bem Keynes em 1936, reduz-se o salário real dos empregados, através do aumento de preços, para impedir uma redução em seu nível nominal. Keynes acreditava que esse caminho ofereceria menor resistência, mas talvez ele estivesse subestimando a capacidade dos trabalhadores de compreender a situação. O foco dos sindicatos nos índices de inflação, em vez de olhar apenas o salário nominal, comprova isso.

Aquilo que os inimigos do padrão-ouro costumam enxergar como seu grande vício pode ser justamente sua grande virtude: ele é incompatível com uma política expansionista de crédito. Qualquer um pode entender que uma maçã para consumo hoje vale mais do que uma maçã disponível para consumo em um ano. Mas os expansionistas acreditam que os juros são um entrave à expansão da produção, e que representam uma criação maligna dos interesses egoístas dos emprestadores.

No entanto, é impossível substituir bens de capital inexistentes por papel-moeda ou crédito artificial. A expansão monetária pode causar um boom momentâneo, mas acaba inevitavelmente em recessão ou mesmo depressão. A festa bancada por crédito fácil acaba sempre em ressaca, e se esta for combatida com mais e mais liquidez artificial, pode acabar em cirrose.

O poder da impressão de dinheiro artificial nas mãos do governo sempre foi um enorme risco para a liberdade e prosperidade dos povos. Esse poder foi utilizado de forma abusiva desde quando o imperador romano Diocleciano resolveu reduzir o teor metálico das moedas, fazendo com que perdessem valor real. Em situações mais emergenciais, essa prerrogativa sempre costuma ser usada pelos governos.

Em tempos de uma suposta ameaça de guerra ou crise econômica, os governantes acreditam na necessidade urgente de aumento dos gastos públicos, mas muitas vezes a maioria do povo não concorda. O governo então ignora a saída democrática de propor uma votação sobre os necessários sacrifícios momentâneos, preferindo o caminho do engano, através da política inflacionária. Não há transparência sobre os custos reais das medidas, e o governo se aproveita da ignorância das massas.

O recurso inflacionário garante ao governo os fundos que ele não conseguiria captar através dos impostos diretos ou por emissão de dívida. Eis o verdadeiro motivo para uma política inflacionária. Seus defensores são inimigos do “dinheiro sólido” e, concomitantemente, da liberdade individual.

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