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A Seita dos Assassinos: a origem medieval do terrorismo islâmico
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“A maior parte dos muçulmanos não é composta de fundamentalistas e a maior parte desses não é terrorista, mas a maior parte dos terroristas atuais é muçulmana e tem orgulho de se identificar como tal.” (Bernard Lewis)

Na Idade Média, uma seita de fanáticos assassinos surgiu no Irã e se espalhou pelas montanhas sírias e libanesas. A fama do grupo se alastrou até o mundo cristão, que ficou surpreso com a fidelidade de seus membros, mais até que com sua ferocidade. Seu líder, conhecido como o Velho da Montanha, possuía cerca de 60 mil seguidores, segundo alguns relatos da época especulavam. Para Bernard Lewis, autor de Os Assassinos, os paralelos dessa época com a atualidade são incríveis, e podemos extrair importantes lições analisando a seita medieval. De todas as lições, segundo o autor, “talvez a mais importante seja a do seu fracasso final e completo”.

A maioria dos alvos da seita era formada pelos próprios muçulmanos, muitas vezes autoridades estabelecidas. Quando o Velho tinha que matar algum príncipe, escolhia um dos jovens seguidores e dizia: “Vai tu e mata Fulano; e, quando retornares, meus anjos te levarão para o paraíso. E, se acaso morreres, não obstante, ainda assim enviarei meus anjos para carregar-te de volta para o paraíso”. Conta-se que o Velho oferecia haxixe como entorpecente para seus jovens seguidores. Ele os fazia acreditar no seu poder de lhes oferecer o paraíso, e isso possibilitava que os assassinos enfrentassem qualquer perigo. Não é possível saber ao certo o que é fato e o que é fantasia nisso tudo. Alguns querem acreditar que o nome “assassino” deriva desta droga supostamente consumida pelos seguidores da seita. Para Lewis, “muito provavelmente, foi o nome que deu origem à história, e não o contrário”. Mas isso não é importante.

Durante o longo reinado do oitavo califa al-Mustansir (1036-94), o império fatímida alcançou o apogeu e caiu em rápido declínio. No século XI, a debilidade interna do mundo islâmico foi revelada por uma série de invasões. Houve importantes mudanças culturais, sociais e econômicas, mudando a história do Islã. A antiga pregação do ismaelismo fracassara e o império fatímida estava agonizando. Como coloca Lewis, “faziam-se necessários ‘nova pregação’ e novo método”. O revolucionário que projetaria as mudanças seria Hasã-i Sabá. Para os povos belicosos e descontentes das montanhas de Dailã e Mazandarã, seu credo militante possuía atrativo poderoso. Hasã estabeleceu-se como senhor de Alamut. A vizinhança foi conquistada por seus ardis e propaganda, e quando isso falhava, pelo morticínio, pilhagem, derramamento de sangue e guerra. Era fundada a seita dos assassinos.

Para suas vítimas, eles eram criminosos fanáticos, mas para os ismaelitas, eles eram “um corpo de elite na guerra contra os inimigos do imame”. Abatendo os usurpadores e opressores, davam prova suprema de sua fé e lealdade. A guerra santa era o caminho para Alá. Não havia espaço para a flexibilidade na fé. Um dos filhos da Hasã teria sido executado por beber vinho. A seita era temida por todos, e o caráter suicida de seus membros gerava pânico em muitos. Até mesmo Saladino foi vítima de atentados da seita.

Na opinião de Lewis, os Assassinos não têm precedentes no uso sistemático, planejado e a longo prazo do terror como arma política. Assassínios anteriores, normalmente, eram obra de indivíduos ou pequenos grupos de conspiradores. Por esse motivo, Lewis considera que os Assassinos “podem ser os primeiros terroristas”. Havia as condições óbvias presentes: organização e ideologia. A organização permitia planejar os ataques e sobreviver ao contra-ataque. A crença, através do fanatismo religioso, inspirava os atacantes até o momento da morte. Lewis explica: “Sua religião, cada vez mais, adquire as características mágicas e emocionais, as esperanças milenares e de redenção, associada aos cultos dos desapossados, dos destituídos de privilégios e dos instáveis”.

Como podemos ver, os fundamentalistas islâmicos modernos são os herdeiros desses Assassinos. A Al-Qaeda liderada por Osama bin Laden se assemelha em vários aspectos à seita de Hasã, assim como o Estado Islâmico. Claro que a culpa em si reside no fanatismo, mas não é possível negar que a religião fornece os pretextos adequados. O próprio Lewis escreve em A Crise do Islã: “Segundo a lei islâmica, está de acordo com as escrituras fazer guerra contra quatro tipos de inimigos: infiéis, apóstatas, rebeldes e bandidos”. A jihad é uma obrigação religiosa.

A comparação com as cruzadas cristãs não é justa nem adequada, pois a jihad está presente desde o início da história islâmica, nos textos sagrados, na vida do Profeta e nas condutas de seus seguidores imediatos. Não obstante, eis o que Lewis comenta: “A cristandade e o islã são duas civilizações definidas a partir de suas religiões, e entraram em conflito não por suas diferenças, mas pelas semelhanças”. Raramente as seitas admitem livre concorrência, e quando uma chega ao poder, busca suprimir as outras. As ideologias fanáticas, religiosas ou não, precisam ser intolerantes e autoritárias, pois não pode existir lugar para questionamentos e debates abertos. Seus líderes disputam o mesmo tipo de alma fraca e desesperada, em busca de uma muleta, um sentido completo para a vida efêmera, um conforto imediato, um sonho do paraíso eterno.

Parece extremamente injusto e inadequado, porém, comparar uma seita fundada por alguém como Jesus com outra fundada por Maomé, ele mesmo um guerreiro empedernido que liderou dezenas de expedições militares contra “infiéis”. Enquanto o Islã demanda a total submissão, o Cristianismo acabou levando, depois de muitos séculos, é verdade, ao modelo de sociedade que vemos no Ocidente, tolerante e plural.

A seita dos Assassinos encontrou seu fim na força mongol. Apenas a violência foi capaz de barrar a violência. Fanáticos não costumam reagir aos argumentos da razão. Os seguidores de Bin Laden e os malucos do EI não entendem a linguagem diplomática. E o fanatismo é alimentado desde muito cedo, tal como era na seita de Hasã. Crianças indefesas sofrem verdadeiras lavagens cerebrais. Quando jovens, já devidamente devotos, alienados diante do mundo global moderno e materialista, enfrentando dificuldades e tendo um livro de regras duras impostas pela sua religião, tolhendo enormemente sua liberdade, o terrorismo é uma fuga.

Diante da situação mundana lamentável, não apenas financeiramente, mas intelectualmente, o martírio é visto como a saída nobre, que aplaca as angústias. Com tanta repressão religiosa, aliada à promessa de um paraíso logo à espera, com virgens e tudo mais, a tentação é grande. Os vikings tinham Valhalla para incentivar as batalhas, onde somente os guerreiros nobres seriam escolhidos para o paraíso com farto banquete e lindas mulheres. Vida infeliz e alienada com promessa de paraíso é uma combinação explosiva. Os herdeiros da seita dos Assassinos já ostentam um rastro enorme de sangue inocente em seu histórico. A lista cronológica de alguns eventos demonstra melhor o que isso quer dizer:

1972 – O assassinato pela OLP de atletas israelenses nas Olimpíadas de Munique;

1973 – A tomada da embaixada saudita em Cartum pela OLP, quando dois norte-americanos e um diplomata belga foram assassinados;

1979 – Oitenta iranianos invadiram a embaixada americana do Teerã e fizeram 52 reféns, durante 444 dias;

1980 – Seis terroristas islâmicos tomaram a embaixada do Irã em Londres e mataram duas pessoas;

1981 – Membros da Al Jihad assassinaram o presidente do Egito;

1983 – Integrantes do Hesbollah, com o apoio da Líbia e Irã, explodiram com bombas suicidas a embaixada americana de Beirute, matando 63 pessoas;

1983 – Novamente o Hesbollah jogou um caminhão com explosivos na embaixada americana, agora do Kwait. Ataques adicionais foram feitos à embaixada francesa, a apartamentos de empregados da Raytheon, com cinco mortos e oitenta feridos;

1984 – Ataque com bombas na embaixada americana no Líbano, matando 24 pessoas;

1985 – A tomada do cruzeiro italiano Achille Lauro pela OLP de Arafat, com o assassinato de um passageiro paralítico;

1985 – Terroristas trabalhando para o governo da Líbia bombardearam o aeroporto de Viena e Roma, matando vinte pessoas;

1988 – Uma bomba explodiu no vôo da Pan Am matando 270 pessoas na Escócia;

1992 – O Hesbollah bombardeia a embaixada israelense em Buenos Aires;

1993 – Um carro-bomba explodiu no World Trade Center, matando sete e ferindo centenas. Bin Laden estava por trás;

1993 – Dezoito membros das tropas americanas em missão humanitária foram mortos na Somália, com envolvimento de Bin Laden;

1994 – O Hesbollah atacou um centro cultural israelense em Buenos Aires;

1995 – Caminhão-bomba explodiu na Arábia Saudita matando sete americanos da Guarda Nacional em treinamento;

1996 – Novo atentado na Arábia Saudita mata 19 militares americanos;

1996 – O Talibã concluiu a conquista do Afeganistão, tomando sua capital Cabul, e criou centros de treinamento terrorista enquanto o mundo ocidental nada fez;

1997 – Bin Laden decretou em entrevista a CNN, a jihad, guerra islâmica, contra os Estados Unidos;

1998 – Bin Laden publica declaração com objetivo claro de que é dever de cada muçulmano matar americanos civis ou militares, assim como seus aliados;

1998 – Um carro-bomba explodiu na embaixada americana da Quênia, e poucas horas depois outra explosão na embaixada da Tanzânia. O total de mortos foi de 224 civis, e mais de cinco mil feridos;

1998 – A ONU (finalmente) reconheceu o massacre no Afeganistão cometido pelo Talibã, por razões étnicas, totalizando cerca de seis mil mortos;

1998 – Bin Laden diz em entrevista que guerra contra América será muito maior que guerra contra União Soviética, e que o futuro dos Estados Unidos é negro;

1999 – Separatistas islâmicos da Chechênia bombardearam prédios em Moscou, matando 212 pessoas;

2000 – Ataque suicida no navio americano USS Cole, no Iêmen, matando 17 tripulantes e deixando 37 feridos;

2001 – Explosão em uma discoteca de Tel Aviv matando 21 adolescentes;

2001 – Ataque ao World Trade Center e Pentágono, com estimativa de um total superior a três mil mortos;

2002 – Atentado terrorista em Bali, com mais de 180 mortos e 300 feridos;

2004 – Explosão em trem mata mais de 200 e fere mais de dois mil em Madri;

2004 – Crise dos reféns na escola em Beslan, com quase 200 crianças mortas;

2005 – Ataque em Deli, na Índia, com mais de 60 mortos e 180 feridos;

2006 – Bomba em restaurante de Tel Aviv deixa 11 mortos e 70 feridos;

2006 – Bomba em trem de Mumbai deixa mais de 200 mortos e 700 feridos;

2008 – O hotel Marriott de Islamabad é alvo de um caminhão-bomba que mata mais de 50 pessoas;

2010 – O metrô de Moscou é alvo de bombas que deixam mais de 40 mortos;

2013 – Atentado durante a maratona de Boston deixa quase 200 feridos e mata 3 pessoas;

2015 – Um avião com 224 pessoas, na sua maioria turistas russos, cai na península do Sinai, no Egito. Não houve sobreviventes. O Atentado foi reivindicado pelo Estado Islâmico

2015 – Pelo menos 128 mortos e 300 pessoas hospitalizadas, das quais 80 em estado grave, numa série de ataques na capital francesa, Paris.

Creio que essa lista resumida (há uma mais completa aqui) enfatiza bem o ponto. O terrorismo não é monopólio islâmico. Mas o fanatismo islâmico tem sido o principal agente terrorista na atualidade. Os próprios adeptos dessa religião deveriam ser os primeiros a condenar enfaticamente esses atentados, repudiando esses atos bárbaros em nome de sua fé. A Seita dos Assassinos causou pânico na Idade Média, mas foi abolida. O terrorismo islâmico moderno também será.

Os próprios muçulmanos precisam definir de qual lado estão: se lutam pela causa da jihad, ou se preferem um mundo tolerante, em que cada um escolhe sua crença religiosa – se alguma, e preserva a liberdade individual. Escolher ambas as opções não é possível. O fanatismo religioso não admite a liberdade individual. Jamais irá!

Rodrigo Constantino

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