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Eduardo com Bannon, o radical que nem Trump quis manter por perto
Eduardo com Bannon, o radical que nem Trump quis manter por perto| Foto:

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) já está decidido sobre a indicação do filho, Eduardo Bolsonaro, ao cargo de embaixador do Brasil em Washington. “Da minha parte, está definida [a indicação]”. Após reunião ministerial, realizada na manhã desta terça (16), o presidente disse que conversou com Eduardo e que “é uma tremenda responsabilidade”.

Segundo o portal UOL, Bolsonaro disse ainda que “se tiverem argumentos contrários, que não seja isso que se diz por aí, chulo, está pronto”. O presidente já está sondando o Senado Federal para analisar a possibilidade de aprovação da indicação. Para conseguir o cargo, Eduardo deverá ser sabatinado e aprovado em uma comissão no plenário da Casa.

“É logico que corre o risco. Tudo que você faz corre o risco de dar certo ou dar errado. Nós estamos tentando acertar”, disse. “Se a decisão for essa, o Senado vai sabatiná-lo e vai decidir. E ponto final. Se não for aprovado, ele fica na Câmara“, ressaltou.

O presidente voltou a dizer que seu filho é qualificado para o posto diplomático e que ele não pode ser criticado por ter fritado hambúrguer nos Estados Unidos, argumentado utilizado pelo próprio deputado federal ao ter comentado a indicação.

“Sabe por que ele foi fritar hambúrguer lá? Porque eu, como deputado, não tinha como bancá-lo seis meses sem ele trabalhar. Foi aprender o inglês”, disse. “Eu frito hambúrguer acho que melhor que ele. Talvez por isso eu seja presidente”, acrescentou.

Ao fim de seu discurso na posse do novo presidente do BNDES, Gustavo Montezano, Bolsonaro pediu para que a família do novo integrante do governo ficasse de pé. “A família é nosso porto seguro. Quando não se tem família, tudo fica muito mais difícil”, afirmou.

Sim, a família é muito importante, o que não quer dizer que governantes devem priorizar esse critério na hora de escolhas importantes, o que seria nepotismo, patrimonialismo, confusão entre público e privado, tratar a coisa pública como puxadinho da própria casa.

Sim, tudo tem risco de dar errado na vida. Mas para isso existem as avaliações imparciais, a tentativa de mitigar riscos, os critérios objetivos, os filtros independentes. Os argumentos do presidente seguem em direção irracional: serviriam para justificar praticamente qualquer escolha!

Não adianta banalizar a coisa toda, o processo seletivo, alegando que cabe ao Senado julgar e que, caso não seja aprovado, fica na Câmara mesmo. A mancha na imagem do governo já está feita. O simples fato de indicar coloca senadores em delicada situação e demonstra falta de compromisso com os valores republicanos e meritocráticos.

Em viagem aos Estados Unidos, a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) defendeu nesta terça-feira (16) a virtual indicação de Eduardo Bolsonaro ao cargo de embaixador do Brasil em Washington e disse que o presidente Jair Bolsonaro terá “capacidade de discernimento e inteligência” para fazer a escolha.

Desde a semana passada, quando o presidente afirmou que nomearia o filho para o cargo de maior prestígio da diplomacia brasileira no exterior, oposição e aliados — inclusive o escritor Olavo de Carvalho, guru ideológico do governo— têm criticado a possível indicação.

Damares, por sua vez, afirmou em entrevista a uma rádio de Miami que Eduardo é “um menino culto e inteligente”, considerado por ela uma das pessoas “mais capacitadas do Brasil”. Sério? Com base em qual critério ela afirma isso? Quais características Eduardo tem para conduzir a mais importante embaixada brasileira no mundo? Qual experiência? Qual preparo?

Flavio Quintela detonou a escolha em sua coluna na Gazeta. Ele lembrou da importância do árduo processo seletivo do Itamaraty e da importância da experiência, traçando um paralelo com a iniciativa privada, como também já fiz: numa empresa uma decisão dessas seria considerada inaceitável pela imensa maioria dos acionistas. Diz Quintela:

Ninguém se forma no IRBr e já recebe indicação para cargo de embaixador. Há muitas etapas nesse processo: obter formação acadêmica de ensino superior; ser aprovado na prova de seleção para o Curso de Formação do Instituto Rio Branco, recebendo imediatamente o título de terceiro-secretário; concluir o programa com sucesso, passando então a segundo-secretário; na sequência, galgar os postos de primeiro-secretário, conselheiro, ministro de segunda-classe e, finalmente, ministro de primeira-classe, mais conhecido como embaixador. Tudo isso leva tempo, como em qualquer outra carreira, e chegar ao topo é algo que costuma acontecer depois dos 40 anos de idade. Há uma ótima razão para esse tipo de funil hierárquico: a idade traz consigo amadurecimento e experiência, qualidades indispensáveis a posições importantes como as de alto comando. A título de comparação, é impossível para um militar brasileiro chegar ao posto de general antes dos 50 anos de idade, e a média de idade dos CEOs brasileiros é de 47 anos.

Eduardo Bolsonaro não preenche nenhuma das qualificações necessárias a um embaixador. Ele não é fluente na língua inglesa – o vídeo de uma entrevista recente, concedida à Fox, evidencia essa deficiência – e muito menos é poliglota, não fez carreira diplomática, não tem idade suficiente, não tem formação na área e não tem um currículo de destaque. Ainda que ele fosse um prodígio, um jovem gênio das relações internacionais, colocá-lo no posto de maior destaque da diplomacia brasileira já seria temeroso; como não é prodígio nem gênio, sua indicação adquire os ares de absurdo que citei no início deste texto.

Ao indicar seu filho despreparado para a embaixada nos Estados Unidos, Jair Bolsonaro mostra um tremendo desrespeito aos critérios que já fizeram da diplomacia brasileira uma das mais respeitadas do mundo. Pior que isso, ao dizer que, “se a indicação está sendo criticada, é sinal de que é a pessoa adequada”, o presidente cria um método extremamente danoso de validação para seus atos e decisões: basta que a imprensa o critique para que ele esteja ainda mais certo. Isso é o mesmo que dizer que todos que não concordam com ele estão errados.

O presidente, de fato, criou o critério mais insano de todos: se a maioria da imprensa criticar, então é melhor ainda! O que vai acontecer se a mídia elogiar uma decisão sua? Ele vai recuar e admitir algum erro? No fundo, o que Bolsonaro disse é que está sempre certo, que não precisa ouvir críticas, uma arrogância típica de governantes autoritários.

Em seu editorial de hoje, o Estadão também condenou duramente a escolha, chamando-a de “disparate”, um “capricho do poder”, e conclamou os senadores a impedirem essa palhaçada:

Caso o convite seja oficializado, é responsabilidade do Senado barrar a indicação de pai para filho, indicação essa que avilta o bom senso, menospreza a defesa técnica e qualificada do interesse nacional, transforma o Estado em assunto de família e manifesta, uma vez mais, a dificuldade de Jair Bolsonaro para compreender o que é ser presidente da República, muito diferente de ser chefe de um clã.

[…]

O papel do embaixador é representar o País e o interesse nacional, numa relação de confiança e, ao mesmo tempo, de independência perante outro país. As nações que têm a pretensão de serem respeitadas no cenário internacional dispõem de um corpo diplomático bem formado e tecnicamente qualificado. Não faz nenhum sentido que o Brasil, com uma tradição diplomática do mais alto nível, deixe a embaixada em Washington nas mãos de um amador, por mero capricho familiar.

[…]

É evidente que Eduardo Bolsonaro não tem nenhuma credencial para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. O único atributo que leva seu nome a ser cogitado para o posto em Washington é ser filho de Jair Bolsonaro. Uma indicação assim, tão despótica – no sentido mais exato do termo –, desmerece o País interna e externamente. Se o capricho familiar for adiante, que o Senado, em sinal de respeito ao País e à Constituição, lhe aponha o devido veto.

Nada no perfil de Eduardo justifica a escolha. A proximidade com Trump é um critério muito insuficiente, para dizer o mínimo. Seu estilo é o do confronto, o deputado nunca foi agregador, seu inglês é muito fraco, seu conhecimento sobre os assuntos em pauta é questionável, e tudo isso em cima do fato de ser o filho do presidente, o que deveria ser um agravante.

Sua ligação com Steve Bannon, o nacional-polulista radical que nem Trump quis manter por perto na Casa Branca, deveria servir como outro fator negativo na escolha, já que o embaixador terá de lidar com todos os estados americanos, incluindo aqueles mais democratas ou os moderados. Nada nessa escolha merece aplausos.

Talvez a única forma razoável de tratar o assunto é mesmo pelo humor, já que parece uma grande piada (de mau gosto). Foi o que fez Danilo Gentili, que mostrou que o verdadeiro humorista precisa ser um tanto iconoclasta, sem político de estimação, sem bajular os poderosos populares. Isso exige coragem e independência. Eis um trecho do vídeo que Danilo, antes reverenciado por bolsonaristas, divulgou:

A embaixada brasileira em Washington, que já teve Roberto Campos como representante, estará nas mãos de um jovem deputado beligerante e encantado com a narrativa de guerra tribal vendida por Bannon, que apoia governantes autoritários mundo afora. É temerário. O Senado tem a obrigação de vetar essa indicação em sua sabatina, se pretende manter a imagem de seriedade e independência.

Rodrigo Constantino

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