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Aqueles que fazem, e aqueles que só reclamam
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O mundo está dividido basicamente entre aqueles (poucos) que efetivamente fazem as coisas para mudá-lo para melhor, e aqueles (muitos) que só reclamam, apontam o dedo, criticam e ficam no conforto imóvel de sua Torre de Marfim, pregando soluções mágicas, messias salvadores da Pátria ou utopias. É melhor ficar no primeiro grupo, pois há bem menos competição.

Os estadistas, sempre raros, fazem parte desse seleto time. Tomam decisões difíceis, impopulares, acabam muitas vezes condenados pelos críticos de seu tempo, mas conquistam vitórias importantes e entram para a História depois. Churchill que o diga. Reagan e Thatcher que o digam. E mesmo que, por injustiça, não cheguem a ter o reconhecimento merecido, não importa: eles fizeram aquilo que era certo, porque era certo, não de olho apenas em aplausos.

Já muitos pensadores, intelectuais e filósofos acabam no segundo grupo. Platão tentou misturar ambos, com o conceito de rei-filósofo, mas isso costuma ser um perigo: nem sempre aquele que vive no mundo das ideias tem o perfil prático para realizar grandes tarefas mundanas e políticas. No mais, sabemos como a vaidade é forte entre intelectuais. A vaidade excessiva é a inimiga número um do estadista.

Isso tudo foi um preâmbulo para chegar ao tema propriamente dito: o Senado aprovou nesta terça uma importante reforma trabalhista. Ainda incompleta, é verdade, mas, dentro do possível, representa um marco em nossa política. Ainda há risco de retrocessos, como vetos do presidente Temer. Mesmo assim, volto a dizer: uma conquista e tanto, que deveria ser celebrada por todos aqueles com bom senso.

Mas não foi. E não falo apenas da extrema-esquerda, dos sindicalistas, dos petistas, porque dessa turma já se esperava o chilique, a histeria, o vandalismo e reações mimadas e autoritárias, como a das senadoras que ocuparam a mesa do Senado tentando barrar a votação. Falo de uma ala da direita mesmo, aquela que resolveu colocar o PSDB como o maior inimigo do Brasil, acima até do PT.

É puro cálculo político das lideranças, claro, e fanatismo da massa burra de manobra, para quem João Dória virou um “socialista Fabiano”, uma marionete de George Soros numa maquiavélica “estratégia das tesouras” das forças globalistas. Preocupados com a concorrência com a guinada mais à direita e a postura mais firme de alguns tucanos, historicamente esquerdistas e pusilânimes, essa “direita nióbio” parte para o ataque.

E eis que, no dia dessa importante conquista, que deve muito a um liberal-conservador “infiltrado” no PSDB, o guru intelectual da seita resolveu detonar os tucanos, João Dória e todos aqueles que podem ameaçar o projeto de poder de seu discípulo capitão, que já confessou tê-lo como influência. Fica parecendo pura disputa de poder. Será que não daria ao menos para comemorar a vitória de algumas batalhas nessa guerra?

Fico pensando qual seria a postura dessa turma durante o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, as privatizações das estatais etc. Será que o nosso Rasputin iria acusar cada uma dessas medidas por apenas fortalecerem os “socialistas Fabianos” numa deliberada “estratégia das tesouras”? Seria contra todas as importantes conquistas só para investir no “quanto pior, melhor”? Então que tal deixar o PT adotar o socialismo de vez, como quase conseguiu? Foi o momento de maior retorno em termos de alunos e novos discípulos, não é verdade?

Rasputin era um místico tratado como profeta por alguns, charlatão por outros, e vários acham que sua influência sobre os Romanov ajudou a precipitar a revolução bolchevique. A analogia parece fazer sentido, então. Tanto anticomunismo, tanto misticismo, teorias conspiratórias, xingamentos e uma legião de monstrinhos jacobinos sendo alimentada, tudo isso para quê? Para detonar os poucos mais pragmáticos e moderados que efetivamente estão fazendo alguma coisa para reverter o quadro terrível de nossa economia?

E será que o Robespierre não percebe que será, ele também, alvo da guilhotina desses jacobinos que ajudou a criar? Na primeira crítica que ousar fazer será logo colocado entre os que são “agentes” de Soros. Então quer dizer que, se a reforma ajuda o Brasil, mas também pode ajudar os tucanos, então é melhor condená-la, como se fosse prejudicial ao povo? Então qualquer tentativa de avanço agora será rotulada de “estratégia das tesouras”, como na Nova Política Econômica de Lenin? Alckmin é Lenin? Que piada!

Quem acompanha meus textos sabe que tenho pouca paciência com o PSDB, e responsabilizo FHC por muita coisa de ruim em nosso país. Mas tenho menos paciência ainda com esses que só fazem criticar do alto de seu pedestal, sem mover uma só palha para efetivamente mudar a política. Claro, investir no campo das ideias e da cultura é fundamental, e eu mesmo já cansei de repetir isso. Mas não pode ser sinônimo de criticar tudo e todos que fazem algo concreto.

Essa postura lembra a de alguns colegas libertários, que também abraçavam a “pureza” de seus dogmas e ligavam sua metralhadora giratória contra tudo e todos do mundo real, um bando de “socialistas”. Como se pode ver, não é monopólio de qualquer linha ideológica. Encontra-se tal postura em todas, da esquerda à direita. Por isso eu sou um “fascista” para os esquerdistas, um “socialista” para os libertários radicais e um “Fabiano” para essa ala da direita nacionalista.

E, enquanto há um pessoal jovem se arriscando, dando a cara a tapa, correndo riscos e enfrentando sindicalistas, petistas e marginais em geral, tudo para tentar algo novo na política, lá estão os vaidosos filósofos, cuspindo fogo, fazendo insinuações levianas sobre os interesses dessa turma, misturando o joio e o trigo e resumindo tudo a uma planetária “estratégia das tesouras”, coordenada por Soros. Não me peçam para ficar em silêncio diante de tamanha injustiça.

Henry Truman disse certa vez: “Você pode realizar qualquer coisa na vida, desde que não se importe com quem fique o crédito”. É um conselho sábio. E essa rapaziada do MBL, do Partido Novo, da ala jovem e mais liberal dentro do PSDB socialdemocrata, do Livres que fez uma revolução liberal no PSL, do Brasil Paralelo, e tantas outras iniciativas por aí está conseguindo vencer importantes batalhas, ainda que a vitória final da guerra esteja distante – e nunca será completa.

Estou até disposto a reconhecer que o filósofo ajudou em parte, deu um empurrão inicial em muitos, influenciou gente boa também, mas a megalomania narcísica lhe subiu à cabeça, assim como a sede pelo poder, que viria com a vitória do “único candidato de direita”. E, desde então, seus comentários têm sido contraproducentes, enganosos, e um monte de seguidores limitados já repete que Dória é pior até do que Lula! O PSDB virou o maior inimigo do Brasil, num país dominado ainda por PSOL, PT e companhia. Com base nesse mito, cada passo na direção correta é condenado, pois só serve a “solução final”.

Mas é assim no mundo real: vamos vencendo onde dá, um pouco aqui, um pouco ali. A alternativa é perder sempre, entregar de vez o poder aos socialistas, e depois ficar gritando: “Eu avisei! Era tudo uma brilhante estratégia das tesouras do Foro de São Paulo!”. Enquanto isso, mais e mais gente diz “amém”, encantada com a profecia autorrealizável, e aproveita para pingar mais algum na conta do profeta, sendo que a taxa de desemprego no país continua aumentando, aumentando…

Rodrigo Constantino

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