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“Ayn Rand e os devaneios do coletivismo”: o Objetivismo na coleção “Breves Lições”
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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

Iniciativa do prezado amigo e professor doutor em Filosofia Dennys Xavier, da Universidade Federal de Uberlândia, a coleção Breves Lições pretende ser uma série de livros dedicados a grandes autores liberais e libertários, reunindo textos introdutórios produzidos por diferentes estudiosos e pesquisadores. Tenho o imenso prazer de estar contribuindo para alguns dos volumes da coleção e concluí a leitura de um dos que já estão disponíveis, aquele que aborda o pensamento de Ayn Rand (1905-1982).

Ayn Rand e os devaneios do coletivismo reúne ensaios de nada menos que dezoito autores, divididos em onze capítulos, antecedidos por um exórdio e uma apresentação e sucedidos por um apêndice e um índice remissivo e onomástico, totalizando 234 páginas. O objetivo autodeclarado da coleção é permitir uma visão panorâmica e introdutória das linhas argumentativas dos autores apreciados, apresentando-os “com linguagem acessível e cientificamente correta, a um público leitor mais amplo e variado”.

Tanto quanto é possível em se tratando de uma autora como a russo-americana Ayn Rand, que teve a enorme ousadia de construir um sistema filosófico inteiro para orientar a conduta humana e sua posição perante a existência – pois é, “só” isso -, o volume da coleção dedicado a ela consegue sucesso nessa tarefa. A maior parte dos principais temas do pensamento abrangente da filósofa e romancista está presente nos ensaios, juntamente com uma série de recomendações de obras e fontes a partir das quais o interessado poderá se aprofundar no estudo de suas ideias e sua trajetória.

Mais do que isso: a filosofia de Rand aí está devidamente inserida no contexto de sua vida. Depois de um texto inicial elucidando o propósito do trabalho como um todo e sua pertinência diante das adversidades e deficiências do universo acadêmico brasileiro, passando por uma apresentação em que o doutor em Direito e História Alexandre Walmott Borges louva muito merecidamente o esforço de Dennys Xavier, o corpo do texto se inicia com uma biografia fartamente ilustrada da personagem central do livro.

A epopeia de Rand vem inserida em um cenário suficientemente detalhado da crise de ascensão do comunismo na Rússia, onde nasceu, e dos desafios que enfrentou, junto à sua família, para superar os dramas do totalitarismo soviético. Sempre avessa ao autoritarismo e à submissão dos indivíduos ao coletivismo censor e insidioso, ela oferece exemplo inspirador em sua luta por escapar e construir uma vida no Novo Mundo, na América capitalista, rechaçando o mergulho no abismo vermelho de sua pátria-mãe.

A partir de seu esforço para conseguir trabalhos no cinema e ascender como escritora, a breve biografia ressalta sua contundência anticomunista. Rand procurou deixar claro que os EUA não deveriam mentir sobre a verdadeira natureza da União Soviética, mesmo que precisassem pragmaticamente aliar-se a ela para enfrentar o nacional-socialismo alemão e o Eixo na Segunda Guerra Mundial.

Também há destaque para a relação que construiu com Nathaniel Branden (1930-2014), seu ex-sócio e parceiro romântico (sendo ambos casados), que teve participação no desenvolvimento do que se tornou um movimento filosófico de extrema influência e braços no mundo todo, mas depois rompeu severamente com a criadora do Objetivismo. Menciona o impressionante feito de seus livros The Foutainhead e Atlas Shrugged, que, segundo a Biblioteca do Congresso Americano, somente perdem em vendas e expressão nos EUA para a Bíblia.

Ao mergulhar nas ideias propriamente ditas, não se poderia evitar a ênfase do sistema objetivista em dois postulados fundamentais. O primeiro deles é a oposição a qualquer subjetivismo. Os ensaios se preocupam em demonstrar que, a despeito de ser uma individualista convicta e extremada, Ayn Rand não transformava esse individualismo em relativismo, de vez que o próprio nome de seu sistema filosófico denuncia sua convicção em que é preciso ter um conhecimento objetivo da moral. Esse conhecimento, resumem os ensaios, está alicerçado na concepção de que o ser humano é essencialmente um fim em si mesmo, jamais um meio para outros fins.

“A filosofia objetivista, como nos sugere o próprio nome, é, na proposta randiana, um pensamento que não se baseia em fatores subjetivos, mas em grau objetivo da realidade. Ao falarmos de Objetivismo, entendemo-lo como moralidade estritamente racional, extraída dos fatos não como gostaríamos que fossem, mas como são, como se apresentam”, sintetiza o primeiro ensaio, que tem o próprio professor Dennys como um dos seus autores, ao lado do mestre em Filosofia Wesley Costa.

O segundo postulado fundamental seria a elevação do chamado “egoísmo racional” ao caráter de núcleo de seu sistema ético, em oposição aos fundamentos altruístas que estariam empesteando as mais diversas tradições filosóficas e religiosas da humanidade. O primado da razão, que o Objetivismo postula como o único caminho para atingir o conhecimento objetivo, levaria, para Rand, à conclusão de que se devem valorizar o auto interesse e a satisfação pessoal, em vez de propor como mandamento moral o sacrifício do indivíduo em prol dos outros integrantes da sociedade.

O egoísmo que Ayn Rand defende não significa, necessariamente, a “irresponsabilidade, desrespeito com outrem e displicência com a sociedade que o cerca”. Ela o entende como o “fortalecimento do indivíduo em contraposição a um conceito forçado e imposto de altruísmo, em vários casos – como a história comprova – usado como bandeira por Estados que infringem os direitos humanos individuais”. As melhores realizações humanas, para Rand, são feitas quando quem as executa está pensando, em primeiro lugar, em seu próprio interesse e satisfação.

Como “a menor minoria é o indivíduo”, Ayn Rand considera que nenhum direito pode ser efetivamente considerado como tal se suplanta os direitos alheios, obrigando os indivíduos a agirem numa determinada direção que não atende aos seus próprios interesses. Com base nisso, os artigos que se sucedem vão exibindo diferentes consequências sociais e facetas do pensamento randiano, como sua execração extrema do racismo (considerado por ela uma das formas mais irracionais e abjetas de coletivismo), sua crítica aos efeitos danosos de certos conceitos “progressistas” na educação (em um artigo muito profundo da professora Anamaria Camargo), a importância do prazer como “um componente essencial para uma vida equilibrada”, a construção de uma identidade pessoal e a origem do governo.

Este último tema, abordado em capítulo próprio, é ainda retomado no pormenorizado ensaio do empresário Roberto Rachewsky, notório objetivista brasileiro e colunista do Instituto Liberal, com vastos anos de atuação no movimento liberal brasileiro, que resume magistralmente o conjunto da obra filosófica da autora. Ayn Rand é contrária ao anarquismo, defendendo a existência de um Estado, porém restrito à segurança e à justiça e financiado de forma voluntária.

Não sou objetivista e quem acompanha o que escrevo sabe que não tenho afinidade com as ideias de Ayn Rand. Entretanto, é inquestionável sua presença e impacto entre os defensores da liberdade, inspirando e estimulando o pensamento de vários daqueles que, em especial entre nós brasileiros, vêm se esforçando por torná-la diretriz mais presente em nossa realidade social. A coleção Breves Lições cumpre excelente papel em apresentar os aspectos-chave de seu pensamento, como decerto continuará fazendo com diversos outros autores essenciais da epopeia mundial do liberalismo.

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