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Dar vazão aos instintos, sem qualquer freio, pode ser sintoma de estupidez
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Muitos bolsonaristas acham o máximo quando o presidente resolve dar uma “mitada” e rebate sem papas na língua algum crítico seu. “Votei nele foi para isso mesmo”, repetem. Ser mais polido, educado ou civilizado seria sintoma de fraqueza, pensam, de sucumbir ao politicamente correto. Confundem desafiar a hipocrisia reinante com ser grosseiro e mal-educado.

Esquecem que, na era do sentimentalismo, era a esquerda que pregava essa coisa de “dar vazão aos instintos” como sendo um ato libertador, ignorando que nossos cães agem assim e isso nos afastaria da civilização. Ausência de freios civilizatórios, de reflexão antes de falar ou reagir, não é sinal de coragem, masculinidade ou genuinidade, mas sim de tosquice mesmo. Os brutos são muito genuínos, mas isso não é qualidade no caso.

O Antagonista publicou um recado direto ao presidente, alertando que não se conter é burrice. Bolsonaro, segundo o site, levanta bolas para a esquerda cortar, com seu jeito bronco e suas falas desastradas. No caso da Amazônia, por exemplo, acredito que Bolsonaro esteja mais certo do que errado no conteúdo, mas perdeu vários pontos desnecessários pela forma. Seu guru é aquele que instiga tal comportamento, pois acha que xingar o tempo todo é lindo.

O texto de O Antagonista lembra, ainda, que a estratégia que funcionou na eleição pode não funcionar no governo. Era um cenário bem diferente ali. E também compara com a situação de Trump nos Estados Unidos, a inspiração de Bolsonaro, mostrando que são casos bem distintos. Eu mesmo tenho apontado essas questões com frequência aqui. Diz o site:

Porque o discurso agressivo funcionou na eleição presidencial e funciona para Donald Trump, que serve de espelho a Bolsonaro, isso não significa que continuará a dar certo para sempre. No caso de Trump, ele — ainda — tem o bom desempenho da economia dos Estados Unidos para chamar de seu e, como oposição, conta com um Partido Democrata cada vez mais radicalizado que vai de encontro às tradições americanas. Bolsonaro, a despeito da pequena melhora nos índices econômicos, governa um país combalido e pode ter de enfrentar uma recessão global a partir de um posição muito frágil. Além disso, não tem partido digno desse nome, para enfrentar uma oposição cada vez mais ampla no espectro que vai do centro à extrema esquerda.

A maior parte do eleitorado de Bolsonaro o escolheu ou por falta de opção ou por acreditar que ele faria as reformas de que o país precisa, não por compartilhar da sua agenda ideológica mais estrita — e, agora, esse mesmo eleitorado assusta-se com as suas falas amplificadas pela esquerda, mesmo quando a esquerda se apoia em verdades, meias-verdades ou simplesmente mentiras. A rota de colisão com Sergio Moro também é um tanto suicida, não importa se por conveniência familiar ou receio de concorrência em 2022. O ex-juiz é a personalidade mais popular do país, tornou-se símbolo da Lava Jato e encarna a esperança dos cidadãos na luta contra a criminalidade do dia a dia, uma das bandeiras da campanha eleitoral do atual presidente.

O site conclui reconhecendo que Bolsonaro não vai mudar sua essência, mas que podia tentar se conter um pouco mais. A questão é: ele consegue isso? O Antagonista chama de burrice o fracasso em se conter, mas muitos parecem incontroláveis em seus impulsos, sem um processo mais racional entre o estímulo e a resposta.

O que me remete ao excelente texto de João Pereira Coutinho hoje na Folha, com base numa análise do italiano Carlo Cipolla. Trata-se de um estudo sobre a estupidez humana, que jamais pode ser subestimada. Coutinho resume o estudo e as “leis” da estupidez:

A primeira lei parece razoavelmente consensual: todos subestimamos o número de estúpidos em circulação. É um fato. O pasmo que sentimos quando nos encontramos com um representante da espécie é prova desse otimismo absurdo, que só diminui com a idade (experiência pessoal). 

Por outro lado, uma concepção igualitária dos seres humanos tende a atribuir à educação, à sociedade e à cultura a última palavra em matéria de estupidez. 

É um erro. A estupidez é determinada pela natureza, como a cor dos olhos ou a ondulação do cabelo. É isso que explica a existência de um número mais ou menos constante de estúpidos em todas as classes sociais, em todas as profissões, em todos os países. 

[…] 

Mas é na terceira lei da estupidez que Cipolla se supera. Para ele, os seres humanos se distribuem em quatro categorias fundamentais: os inaptos, os bandidos, os inteligentes e os estúpidos. 

O inapto, quando age, beneficia os outros e prejudica a si próprio. O bandido, pelo contrário, prejudica os outros para se beneficiar pessoalmente. O inteligente, quando age, consegue beneficiar todos (por isso é inteligente). 

O que distingue o estúpido é a capacidade que ele tem para provocar dano a terceiros sem retirar daí nenhuma vantagem própria. Pelo contrário: ele pode incorrer em danos também. 

No fundo, é a irracionalidade do estúpido que o torna a criatura mais perigosa do mundo (lei final). Talvez por deformação iluminista, as pessoas comuns acreditam que a racionalidade foi universalmente distribuída. E que ninguém, em juízo perfeito, irá atuar contra os seus próprios interesses. 

Nesse sentido, aceitamos (e lamentamos) o destino dos inaptos; admiramos os inteligentes; e até entendemos a cabeça de um bandido. Mas os estúpidos nos desarmam […] porque operam num plano onde as leis da lógica não têm vez. 

[…] Aplicando os tipos ideais de Cipolla à política, eu diria que políticos inteligentes são raros; e que políticos inaptos, daqueles que beneficiam os outros pelo sacrifício dos seus interesses, são mais raros ainda. 

A maioria se distribui entre a bandidagem e a estupidez, e eu não sei qual delas será pior. Quando nos livramos de políticos corruptos e importamos políticos estúpidos, teremos razões para festejar? 

Deixo a pergunta no ar. Muitos brasileiros, cansados com toda razão da roubalheira petista, demandaram a ética como o principal critério do novo mandatário. Mas há um risco de a estupidez ser tão destrutiva quanto a desonestidade. Na verdade, o Rio teve um prefeito que “desmoralizou a ética”, justamente porque era um obstinado em suas crenças equivocadas, apesar de tido como honesto.

Bolsonaro pode não ser tão “incorruptível” como muitos apostaram, e o gradual afastamento da Lava Jato sinaliza isso, por conta da situação delicada de seu filho senador, investigado por suspeita de corrupção. E Bolsonaro pode, afinal, não ser o estúpido que às vezes aparenta. Mas certamente é seguido por uma legião de gente tosca, obstinada, que se sente parte de uma revolução “purificadora” do país.

O presidente não parece capaz de resistir à tentação de “mitar” diante desse público, o que o afasta dos mais moderados e decentes, e fornece munição gratuita aos adversários esquerdistas. A era do Twitter em nada ajuda nessa necessidade de controle, atuando como o diabinho que fica dando maus conselhos o tempo todo.

Para quem diz que nada pode ser pior do que a corrupção, lembro que o PT tem, em seus quadros, uma ala mais ideológica, fanática e “purista”, de comunistas mais “raiz”. Quem está disposto a defender que a gestão sob Olívio Dutra seria melhor do que a gestão sob Palocci, o corrupto confesso? E quem diria que o Brasil estava melhor sob Dilma do que sob Michel Temer?

Tendo a concordar com Coutinho. A bandidagem me tira do sério, me revolta muito. Mas a estupidez me deixa apavorado! Discorda? Então imagine Carluxo como imperador do Brasil…

Rodrigo Constantino

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