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Democracia: entre a ameaça de truculência da maioria e a pressão de grupos minoritários
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Por Og Leme, publicado pelo Instituto Liberal

Qualquer processo político é precário, o democrático inclusive. Essa precariedade é devida a várias causas, mas não é propósito desta nota comentá-las, e sim referir-se apenas a duas das debilidades próprias da democracia, ambas pressentidas por Alex de Tocqueville e por ele mencionadas em seu livro A Democracia na América; ambas foram posteriormente tratadas com mais detalhes por autores contemporâneos, entre os quais Hayek e Buchanan, dois economistas laureados com o Prêmio Nobel.

Hayek preocupou-se especialmente com a degradação do processo democrático que poderia decorrer da permanente ameaça da “tirania” da maioria e sua consequência, o esmagamento da minoria. James Buchanan, por sua vez, dedicou boa parte de su profícua vida acadêmica à análise do perigo da “subversão” das minorias, de cuja análise nasceu a moderna corrente de pensamento econômico conhecida como a “escola da escolha pública”.

São duas ameaças reais, e não meras hipóteses acadêmicas ou meras especulações teóricas. Ambas têm estado em ação praticamente em todas as democracias, inclusive na dos EUA. A intuição de Tocqueville não o traiu: hoje os cientistas políticos reconhecem que o processo político da democracia é extremamente frágil, navegando sempre e perigosamente entre Cila e Caríbdis, isto é, entre a ameaça de alguma truculência da maioria ou uma molecagem de algum grupo minoritário disposto a subverter a pureza das instituições liberal-democráticas, usando para tal fim, sub-repticiamente, instrumentos políticos tidos convencionalmente como lícitos.

Hayek dedicou mais tempo à análise de dois problemas: 1) a legitimidade da representação não apenas em seu sentido mais corrente, mas também o da legitimidade de representação cultural, no sentido de os representantes serem fiéis aos valores, usos, costumes e tradições do povo que eles representam; 2) a autenticidade das leis que, segundo Hayek, dependiam de serem universais, abstratas e prospectivas, ao contrário de ordens administrativas, que são concretas, objetivas, especificamente dirigidas a determinadas pessoas, tempo e circunstâncias. A fim de minimizar os dois problemas, Hayek sugeria a substituição do conceito vigente de democracia pela nova ideia de uma demarquia (ver seu livro Direito, Legislação e Liberdade), e rigorosa vinculação do conceito de lei àqueles três atributos acima mencionados.

A preocupação de Buchanan é com a capacidade que podem ter grupos de pressão, no sentido de obterem privilégios legais em detrimento do resto da sociedade. Mais ainda: preocupação com o fato de serem essas vantagens conseguidas por meios políticos supostamente legítimos… e, pior ainda, com o beneplácito dos Três Poderes, incluída aí a Suprema Corte dos EUA.

Buchanan não alimenta muita esperança de que algum tipo de Constituição ideal possa superar os obstáculos por ele identificados. Hayek, por sua vez, não conseguiu o apoio que certamente esperava à sua demarquia, tida por muitos como utopia ou, então, como um instrumento exequível, mas incapaz de preservar a legitimidade cultural e o conceito de lei autêntica.

Assim, parece que as democracias continuarão a cumprir a sua sina de navegar entre Cila e Caríbdis. Isso significa que esse problema não possa ser minimizado? A resposta é Não. Enquanto não se encontrar uma solução cabal, a solução do tipo second best continua a ser a redução da dimensão do processo político, o que se consegue com a devolução à esfera das decisões individuais de todos os assuntos de sua competência e que atualmente se encontram – em todos os países e em diferentes graus – em mãos do setor público.

Artigo retirado do livro de crônicas Editoriais, editado pelo Instituto Liberal em 2012.

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