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Dinossauros e entreguistas
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Durante reunião recente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, parlamentares criticaram uma portaria do Ministério da Economia que estabelece regras para redução temporária da alíquota do imposto de importação para bens de capital e de informática, derrubando de 14% para zero.

“Nunca vi uma medida tão malfeita, entreguista e vagabunda”, disse o senador tucano José Serra, primeiro a assinar o projeto de decreto legislativo para derrubar a portaria. Engrossaram o coro o senador petista Jean Paul Prates e Oriovisto Guimarães, do Podemos. “Como um burocrata escreve uma portaria dessas sem conversar com os que estão produzindo?”, disse Oriovisto.

Achei que estava superada a ideia de “acusar” um liberal de “entreguista”, coisa muito comum nos tempos de Roberto Campos, apelidado pejorativamente pela esquerda de “Bob Fields” por defender a abertura comercial. Mas, pelo visto, certos ranços ideológicos se mostram mais resistentes que as baratas imunes a qualquer pesticida.

Por falar em Campos, seria bom lembrar de seu alerta: “O bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele nos pode dar é sempre menos do que nos pode tirar”. O mercado, como sabia o saudoso intelectual, “é apenas o lugar em que as pessoas transacionam livremente entre si”, o que não é pouco, “porque no seu espaço a interação competitiva entre os agentes econômicos equivale a um plebiscito ininterrupto”.

Oriovisto queria que Guedes conversasse com os que estão produzindo? Que tal conversar com os que estão consumindo, em número muito maior? Que tal conversar com os que estão comprando importados de tecnologia como insumos para seus negócios, para produzir outros bens e serviços?

A fala do senador trai a mentalidade mercantilista, que busca proteger apenas quem produz determinado bem, à custa do restante da população. É a velha reserva de mercado. Nenhum brasileiro com mais de 40 anos pode ignorar os efeitos maléficos desta medida. Basta se lembrar da fatídica Lei de Informática, aquela que criou enormes obstáculos ao progresso nacional ao obrigar todos a consumir máquinas obsoletas.

Por trás do discurso de “garantir empregos”, com viés nacionalista, estava o oportunismo ao ajudar os “amigos do rei”, empresários com conexões e bom relacionamento com o governo. Qual o sentido em obrigar todos os brasileiros a comprar um computador mais caro só para favorecer um produtor local? A quem isso realmente beneficia?

O protecionismo comercial sempre foi uma bandeira dos nacional-desenvolvimentistas, que já atenderam pelo nome de mercantilistas no passado. Ocorre que suas falácias econômicas já foram devidamente refutadas desde o século 18, por Adam Smith, ou pelo economista francês Bastiat no século seguinte. Em outras palavras, trata-se de uma ideologia antiga e ultrapassada, que sempre trouxe atraso onde foi implementada.

O Brasil já é um país bastante fechado e protecionista. Temos os smartphones mais caros do planeta, por exemplo. Em termos de horas trabalhadas para poder comprar um iPhone, o que leva em conta o salário médio da população, o Brasil fica ainda pior. Eis alguns exemplos por cidades: Chicago, 28,4 horas; Gênova, 21,6 horas; Hong Kong, 51,9 horas; Londres, 41,2 horas; Rio de Janeiro, 139,9 horas. Ou seja, o carioca médio precisa trabalhar quase cinco vezes mais que o morador de Chicago para comprar o mesmo produto.

Há quem pense que isso é consumo para lazer, mas é um engano. Hoje em dia esses produtos são insumos fundamentais para a produtividade do trabalhador. A mentalidade nacionalista estatizante de que é importante “fomentar a indústria doméstica” vai ficando para trás, felizmente. Mas, como podemos ver, nem tanto: ela ainda sobrevive!

Figuras como Luciano Coutinho – que na década de 1980 trabalhava para fechar o comércio tecnológico do país, o que condenou o país ao atraso – estavam de volta durante os governos petistas, alimentando a mesma ideologia atrasada por meio da “seleção dos campeões nacionais” do BNDES. E, como podemos perceber, os caciques tucanos não escapam. Serra sempre foi um socialista incorrigível.

Quando alguém compra um computador ou celular pagando o dobro, às vezes o triplo do preço que um americano paga, essa diferença vai para os cofres públicos, perde-se em gastos de custeio, corrupção, burocracia. Na prática, muitos trazem esses aparelhos do exterior de forma ilegal, sem declarar, para driblar esse custo extra-abusivo. Como condenar?

Se os brasileiros puderem pagar a metade do preço para ter o mesmo computador, isso representa ganho de produtividade a mais. A grana economizada será gasta em outra área, talvez investida na empresa, gerando mais ganho de produtividade. Todos saem ganhando, à exceção dos burocratas e dos empresários “amigos do rei”, que se aproveitam desse protecionismo tosco.

O Brasil tem um comércio internacional muito reduzido em relação ao PIB, e muitos, imbuídos dessa noção mercantilista equivocada, acham que importar é algo ruim. Importar é o que permite exportar. É o que gera ganhos de produtividade. Poder comprar dos fabricantes mais eficientes é o básico para a competitividade num mundo globalizado. Impor a compra de produtos piores ou mais caros só por serem nacionais é sacrificar, além dos consumidores, os produtores que utilizam esses bens como insumo.

O ministro Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro merecem, portanto, crédito pela decisão liberal. Na verdade, o único erro é ela ser temporária. Tinha de ser definitiva, para colocar pressão nos produtores domésticos por meio da livre concorrência e para preservar o direito básico de escolha dos demais. Os seres jurássicos, porém, querem atacar os liberais defensores da globalização.

Tudo bem, ficamos assim, então: de um lado, os “entreguistas”, que lutam pelo livre mercado, pela competição; do outro, os “dinossauros”, aqueles bichos que pareciam extintos, mas que no Brasil infelizmente ainda encontram solo fértil para sua demagogia.

Artigo originalmente publicado na Gazeta impressa

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